quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Governo de Kiev tenta manter clima de terror em protestos
Benoît Vitkine - Le Monde 
Onde está Dmitry Bulatov?
Desde que ele desapareceu, há uma semana, o rosto mais famoso do "AutoMaidan", um dos braços mais criativos do movimento de protestos contra o governo ucraniano, tem sido visto em cartazes em todas as ruas de Kiev. Uma das únicas pistas que seus amigos têm é a última mensagem postada no Facebook por esse ativista de 35 anos: "Estou recebendo cada vez mais ameaças. As trevas estão se abatendo sobre nós, mas vamos vencer."
"Queremos acreditar que ele está escondido em algum lugar", suspira Alina Lizunova, 26, uma das centenas de motoristas do AutoMaidan cujas patrulhas, bloqueios a ônibus da polícia e cortejos motorizados até as ricas residências de deputados irritaram o governo. "Mas é impossível não pensar que ele pode ter tido o mesmo destino que Yuri Verbitsky."
O corpo desse tranquilo pai de família de Lviv foi encontrado sem vida em uma floresta nos arredores de Kiev no dia 22 de janeiro, dia em que Bulatov desapareceu. Ferido durante confrontos na capital, ele havia sido levado ao hospital na companhia de Igor Lutsenko, um dos líderes dos militantes de Maidan. Ambos foram sequestrados por homens à paisana, torturados e abandonados no meio da floresta. Lutsenko escapou, mas não Verbitsky.
Das dezenas de casos de desaparecimentos assinalados nas últimas semanas, a Euromaidan SOS, uma estrutura especializada em auxílio aos manifestantes, registrou 36 casos não solucionados. "Nem todos são tão preocupantes quanto o de Bulatov", diz Maria Tomak, membro do grupo. "Mas encontrar pistas dessas pessoas é um trabalho de formiguinha." Os manifestantes detidos para averiguação podem sumir do radar para reaparecerem alguns dias depois, livres ou diante de um tribunal. Os outros vivem com medo.
"Cirurgia pesada"
Além de uma repressão mais comum --espancamento de jornalistas e manifestantes, condenações a penas de prisão preventiva, uso de capangas--, o governo parece ter procurado criar um clima de incerteza e de terror. Embora a tensão tenha diminuído nos últimos dias, essa mistura de repressão arbitrária e de ameaça permanente que paira sobre os manifestantes explica em boa parte o clima de desconfiança no qual a presidência e a oposição começaram a dialogar, na terça-feira (28).
Elas também explicam a recusa da oposição em votar a lei de anistia aprovada na quarta-feira somente pela ala presidencial e que impõe condições difíceis de serem aceitas pelos manifestantes.
Essa desconfiança é perceptível no principal centro médico da oposição, instalado na Casa dos Sindicatos, na praça da Independência. Os médicos e enfermeiros que trabalham ali, ameaçados de demissão caso sejam identificados por seus empregadores, se recusam a ser fotografados. Esse centro, assim como os postos médicos instalados na rua ou os "mini-hospitais" abrigados na casa de cidadãos, teve um aumento em suas atividades desde os confrontos da semana passada.
"A natureza dos ferimentos mudou. Da noite para o dia passamos a fazer cirurgias pesadas", afirma Oleg Moussiy, um anestesista de Maidan. "Precisamos também receber todos os feridos que não querem mais ir até os hospitais públicos". Houve muitos casos de militantes feridos que foram presos pela polícia antes mesmo de receberem primeiros-socorros.
O médico também dá detalhes sobre os ferimentos que suas equipes tiveram de tratar, que provam as violações cometidas pelas tropas de choque, que deram tiros com balas de verdade e usaram bombas de efeito moral com pedaços de metal. Três pessoas morreram durante esses confrontos. Todos os dias continuam chegando ao centro médico manifestantes que sofrem ataques de capangas assim que saem do centro de Maidan.
Mas é a AutoMaidan, a organização de Dmitry Bulatov, que mais tem sofrido com esses métodos. Seus líderes foram todos presos, espancados, e o carro deles foi destruído em armadilhas feitas pelas autoridades no domingo e segunda-feira: falsos pedidos de ajuda se revelaram verdadeiras emboscadas. Ativistas tiveram seus veículos incendiados por desconhecidos --11 só na quarta-feira (29)-- depois que a placa do carro foi divulgada na internet.

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