Governo de Kiev tenta manter clima de terror em protestos
Benoît Vitkine - Le Monde
Onde está Dmitry Bulatov?
Desde que ele desapareceu, há uma semana, o rosto mais famoso do
"AutoMaidan", um dos braços mais criativos do movimento de protestos
contra o governo ucraniano, tem sido visto em cartazes em todas as ruas
de Kiev. Uma das únicas pistas que seus amigos têm é a última mensagem
postada no Facebook por esse ativista de 35 anos: "Estou recebendo cada
vez mais ameaças. As trevas estão se abatendo sobre nós, mas vamos
vencer."
"Queremos acreditar que ele está escondido em algum
lugar", suspira Alina Lizunova, 26, uma das centenas de motoristas do
AutoMaidan cujas patrulhas, bloqueios a ônibus da polícia e cortejos
motorizados até as ricas residências de deputados irritaram o governo.
"Mas é impossível não pensar que ele pode ter tido o mesmo destino que
Yuri Verbitsky."
O corpo desse tranquilo pai de família de Lviv
foi encontrado sem vida em uma floresta nos arredores de Kiev no dia 22
de janeiro, dia em que Bulatov desapareceu. Ferido durante confrontos na
capital, ele havia sido levado ao hospital na companhia de Igor
Lutsenko, um dos líderes dos militantes de Maidan. Ambos foram
sequestrados por homens à paisana, torturados e abandonados no meio da
floresta. Lutsenko escapou, mas não Verbitsky.
Das dezenas de
casos de desaparecimentos assinalados nas últimas semanas, a Euromaidan
SOS, uma estrutura especializada em auxílio aos manifestantes, registrou
36 casos não solucionados. "Nem todos são tão preocupantes quanto o de
Bulatov", diz Maria Tomak, membro do grupo. "Mas encontrar pistas dessas
pessoas é um trabalho de formiguinha." Os manifestantes detidos para
averiguação podem sumir do radar para reaparecerem alguns dias depois,
livres ou diante de um tribunal. Os outros vivem com medo.
"Cirurgia pesada"
Além de uma repressão mais comum --espancamento de jornalistas e
manifestantes, condenações a penas de prisão preventiva, uso de
capangas--, o governo parece ter procurado criar um clima de incerteza e
de terror. Embora a tensão tenha diminuído nos últimos dias, essa
mistura de repressão arbitrária e de ameaça permanente que paira sobre
os manifestantes explica em boa parte o clima de desconfiança no qual a
presidência e a oposição começaram a dialogar, na terça-feira (28).
Elas também explicam a recusa da oposição em votar a lei de anistia
aprovada na quarta-feira somente pela ala presidencial e que impõe
condições difíceis de serem aceitas pelos manifestantes.
Essa
desconfiança é perceptível no principal centro médico da oposição,
instalado na Casa dos Sindicatos, na praça da Independência. Os médicos e
enfermeiros que trabalham ali, ameaçados de demissão caso sejam
identificados por seus empregadores, se recusam a ser fotografados. Esse
centro, assim como os postos médicos instalados na rua ou os
"mini-hospitais" abrigados na casa de cidadãos, teve um aumento em suas
atividades desde os confrontos da semana passada.
"A natureza
dos ferimentos mudou. Da noite para o dia passamos a fazer cirurgias
pesadas", afirma Oleg Moussiy, um anestesista de Maidan. "Precisamos
também receber todos os feridos que não querem mais ir até os hospitais
públicos". Houve muitos casos de militantes feridos que foram presos
pela polícia antes mesmo de receberem primeiros-socorros.
O
médico também dá detalhes sobre os ferimentos que suas equipes tiveram
de tratar, que provam as violações cometidas pelas tropas de choque, que
deram tiros com balas de verdade e usaram bombas de efeito moral com
pedaços de metal. Três pessoas morreram durante esses confrontos. Todos
os dias continuam chegando ao centro médico manifestantes que sofrem
ataques de capangas assim que saem do centro de Maidan.
Mas é a
AutoMaidan, a organização de Dmitry Bulatov, que mais tem sofrido com
esses métodos. Seus líderes foram todos presos, espancados, e o carro
deles foi destruído em armadilhas feitas pelas autoridades no domingo e
segunda-feira: falsos pedidos de ajuda se revelaram verdadeiras
emboscadas. Ativistas tiveram seus veículos incendiados por
desconhecidos --11 só na quarta-feira (29)-- depois que a placa do carro
foi divulgada na internet.
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