quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Soldado deixa Exército da Holanda e se junta a grupo rebelde na Síria
Robert Mackey - NYT
No verão passado, um produtor da televisão pública holandesa, buscando obter informações sobre os combatentes estrangeiros na Síria pela Internet, tropeçou em algo que nunca tinha visto: fotos no Instagram de um homem que usava o uniforme do Exército Real Holandês que parecia estar lutando ao lado de rebeldes islâmicos contra as forças do governo.


Embora o Instagram tenha desabilitado a conta logo depois que ela começou a atrair a atenção, o produtor, Roozbeh Kaboly, manteve contato com o proprietário da conta, um ex-soldado que ficou tão chocado com o fracasso do Ocidente em deter a matança na Síria que deixou o exército holandês para se juntar à jihad contra o presidente Bashar al-Assad. Após oito meses de persuasão, o antigo soldado -um cidadão holandês de ascendência turca chamada Yilmaz, que atualmente publica seus textos do campo de batalha sírio no Tumblr e responde a perguntas dos fãs e críticos no Ask.fm- finalmente concordou em responder as perguntas de Kaboly.
Em uma entrevista em inglês transmitida no domingo no programa de Kaboly, chamado "Nieuwsuur", o jihadista holandês disse que estava lutando por um estado islâmico e para libertar "o povo sírio oprimido", mas rejeitou firmemente a ideia de que ele ou os outros combatentes estrangeiros que ele vem treinando tenham qualquer interesse em voltar a seus países de origem para realizar ataques terroristas.


Issa, 10, manuseia morteiros durante dia de trabalho em uma fábrica de armas do Exército Livre da Síria em Aleppo, reduto da revolta contra o regime de Bashar Assad. Ele trabalha com o pai na fábrica por dez horas todos os dias, exceto às sextas-feiras Leia mais Hamid Khatib/Reuters
"Não, não", disse ele, "vim para a Síria apenas pela Síria. Eu não vim para a Síria para aprender como fazer bombas, isso ou aquilo, e voltar. Essa não é a mentalidade dos combatentes aqui. Viemos aqui, basicamente -eu sei que isso parece duro- mas muitos dos irmãos aqui, inclusive eu, viemos aqui para morrer... Então, a volta não faz parte da nossa perspectiva aqui. Quero dizer, é um grande sacrifício e há muito trabalho a ser feito, então por que eu deveria pensar na Holanda ou na Europa? É um capítulo encerrado para mim".
Mesmo assim, o antigo soldado permanece em contato com a sua família em casa na Holanda via Skype, e usa as redes sociais para interagir com os seguidores no Ocidente e documentar a sua experiência na batalha pela Síria.
Muitas de suas recentes atualizações no Tumblr incluem imagens de crianças desabrigadas ou órfãs por causa das batalhas -misturadas com vídeos curtos de confrontos, cenas do cotidiano em cidades assoladas e retratos amorosos dos militantes islâmicos e os "gatos dos mujahideen" -para reforçar sua mensagem de que os rebeldes islâmicos estão envolvidos em uma guerra defensiva, protegendo os civis abandonados pelo Ocidente.
Embora, em sua entrevista à televisão holandesa, o ex-soldado tenha negado ser um terrorista, seus posts incluem palavras de elogio aos rebeldes que lutam para o grupo militante conhecido como o Estado Islâmico do Iraque e da Síria, associado à Al Qaeda e considerado extremista perigoso por outros rebeldes sírios. Yilmaz também inclui fortes denúncias sectárias contra as linhas islâmicas de sufistas xiitas.
Kaboly, o produtor de televisão que antes obtivera imagens raras de assessores militares iranianos na Síria, disse que sua impressão era de que o jihadista de fala mansa concordara em falar com a emissora estatal da Holanda porque queria "corrigir nossa imagem dos combatentes holandeses na Síria e explicar que eles não são todos loucos perigosos aliados à Al-Qaeda".
De fato, em um ponto na entrevista -que foi conduzida por um intermediário na Síria, porque seria perigoso demais para Kaboly e seu colega Jan Eikelboom transmitirem a reportagem a partir da área controlada pelos rebeldes- Yilmaz insistiu que os jornalistas ocidentais estavam errados em assumir que "os estrangeiros que vêm para a Síria são, por definição, da Al Qaeda. No meu caso, não existe tal coisa. Os irmãos da Al Qaeda estão aqui, estão lutando, é sabido, todo mundo sabe disso. Mas para mim, estar aqui na Síria não significa, por definição, que eu faça parte da Al-Qaeda".
"Eu acho que o principal objetivo de muitas, muitas pessoas aqui", disse ele em referência aos combatentes estrangeiros com quem lutou e treinou, "é o de proteger e defender as pessoas inocentes da Síria. Quer dizer, já são quase três anos, basta. Quando é que isso vai acabar?"
Para ele, o fato de os países ocidentais não terem conseguido intervir para deter o derramamento de sangue na Síria é a principal justificativa para ele e outros islâmicos quererem estabelecer um Estado islâmico na Síria. "Nós mesmos viemos do Ocidente, entendemos os sistemas do Ocidente, vimos com nossos próprios olhos o que o Ocidente faz em situações de crise como esta, nós não queremos mais isso".
O antigo soldado também disse aos telespectadores holandeses que eles não têm motivos para temê-lo, caso ele volte para casa.
"Conhecendo a Holanda, eles deviam se preocupar com outras coisas, como criminosos e pedófilos perambulando pelas ruas. Mas eu entendo o medo deles, você sabe, não é que eu tenha uma parede e não entenda por que essas pessoas estão com medo. Não se preocupem comigo. Eu escolhi esse caminho para mim e, mesmo que eu voltasse, eu apenas comeria... talvez alguns sushis e beberia Dr. Pepper e daria um grande e caloroso abraço na minha mãe, passaria tempo com a minha família. Eu nunca fui uma pessoa violenta contra pessoas que não são violentas em relação a mim.
Tradutor: Deborah Weinberg

Nenhum comentário: