quarta-feira, 31 de julho de 2013

A vingança das amantes
Thomas L. Friedman - NYT   
De vez em quando, você lê uma notícia tão reveladora que pensa: será que vamos olhar para trás, daqui a cinco anos e dizer: "Nós deveríamos ter visto isso chegando. Aquela história foi o sinal de alerta".
Foi isso que aconteceu comigo diante de um artigo de 25 de julho do "The Washington Post" sobre como as amantes abandonadas de funcionários corruptos do governo chinês se tornaram as mais importantes delatoras do país – usando a Internet para expor as travessuras dos altos burocratas. O "Post" detalhou o caso de Ji Yingnan de 26 anos, que era noiva de Fan Yue -vice-diretor da Administração Estadual de Arquivos- até que ela descobriu que ele era casado e tinha um filho o tempo todo que estiveram juntos.
Para se vingar, Ji "divulgou centenas de fotos on-line que oferecem um raro vislumbre da vida de um funcionário do governo central chinês, que -apesar de seu modesto salário- podia esbanjar com sua amante", comprando-lhe inúmeros artigos de luxo, disse a reportagem do "Post". A primeira vez que "eles foram às compras, segundo Ji, o casal foi à loja Prada e pagou US$ 10.000 (em torno de R$ 20.000) por uma saia, uma bolsa e um lenço. Um mês depois de se conhecerem, Fan alugou um apartamento para eles que custava US$ 1.500 por mês e gastou mais de US$ 16.000 em lençóis, utensílios domésticos, um desktop e um laptop da Apple. Então, ele comprou para ela um Audi A5 prata, que custa nos Estados Unidos cerca de US$ 40.000... "Ele colocava dinheiro na minha bolsa todos os dias", disse Ji, em uma carta ao Partido Comunista reclamando do comportamento de Fan.
E fica pior. O "Post" relatou que "um blogueiro chinês conhecido, que postou fotos e vídeos de Ji em seu site, conversou com Fan no mês passado. Fan disse ao blogueiro que não gastou tanto dinheiro quanto disse Ji e alegou que foi menos de US$ 1,7 milhão, mas mais do que US$ 500.000. "Esta mulher não é boa. É gananciosa demais", teria dito Fan, segundo o blogueiro Zhu Ruifeng.
Oh, entendo. Foi menos que US$ 1,7 milhão. Bom saber! Esse cara é um burocrata sênior dos arquivos do Estado. Que tipo de atividade ilícita ele desenvolvia nas salas do arquivo para ganhar esse tipo de dinheiro? Todo governo tem corrupção, incluindo o nosso. Mas a da China tem potência industrial. Meu colega David Barbosa, no ano passado, expôs como a mãe, o filho, a filha, o irmão mais novo, a esposa e o cunhado do então primeiro-ministro Wen Jiabao tinham acumulado coletivamente US$ 2,7 bilhões em ativos. Mas quando você vê quanto um vice-diretor de arquivos foi capaz de acumular -e como gastou descaradamente- você começa a se preocupar.
Quando visitei a China em setembro, escrevi sobre o novo lema entre os empresários chineses que conheci: "Faça o seu dinheiro e saia". Mais do que nunca, percebi uma falta de confiança no modelo econômico chinês. Esperamos que a China consiga fazer uma transição estável do comunismo de partido único para um sistema mais consensual, multipartidário –e uma diversificação estável de sua economia de baixo salário, alta exportação e comando estatal- como fizeram a Coreia do Sul, Taiwan, Indonésia e Cingapura. Sua enorme poupança vai ajudar.
O mundo não suportaria uma transição caótica na China. Com os Estados Unidos presos em um crescimento lento, a Europa atolada em estagnação e o mundo árabe implodindo, a China tem sido um motor econômico vital para a economia global. Se a redução do ritmo de crescimento e da taxa de emprego na China se unir ao descontentamento crescente com a corrupção dos funcionários públicos –que estão tentando ganhar o seu, enquanto é possível- não teremos uma transição estável na China. E se um sexto da humanidade começar a passar por uma transição política/econômica instável e incerta, isso vai sacudir o mundo.
Seria ótimo se os repórteres chineses, blogueiros, grupos de cidadãos e, sim, amantes com o poder da Internet pudessem expor a corrupção de forma a ajudar a tornar a transição necessária e também possível. Mas esses agentes virtuosos da sociedade civil só terão êxito se encontrarem aliados no Partido Comunista, se conseguirem capacitar os quadros do partido que entendem o risco que a corrupção galopante impõe à estabilidade e ao futuro de seu partido.
A história de Ji e Fan é muito divertida. Mas se é apenas a ponta de um iceberg de corrupção que desestabilizará a China, não será motivo de riso. O comportamento bom ou ruim das autoridades chinesas não apenas irá nos afetar –desde o valor da nossa moeda até o nível das nossas taxas de juros e a qualidade do ar que respiramos- mas pode ser o que mais nos afetará fora do nosso próprio governo.
Há razão para preocupação.
"A ousadia que os líderes chineses demonstraram ao fazerem crescer sua economia, que saiu de quase nada para se tornar a segunda maior do mundo, não foi acompanhada, é claro, do desenvolvimento de instituições democráticas e, mais importante, do desenvolvimento de uma boa e honesta administração", disse Jeffrey Bader, ex-assessor do presidente Barack Obama para assuntos da China e autor do livro "Obama and China"s rise" (em tradução livre: Obama e a ascensão da China).
Mas, se os líderes chineses não atacarem esta questão, acrescentou, "então haverá mais corrupção, mais alienação das pessoas comuns e mais questionamentos sobre a estabilidade da China. Isso seria uma má notícia não só para a China, mas para os Estados Unidos, cujo futuro está entrelaçado com o da China".
Tradutor: Deborah Weinberg

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