El Pais
28.jul.2013 - Reprodução
Cardeais participam de missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude, celebrada pelo papa Francisco na praia de Copacabana, no Rio
Cuidado com Francisco.
O papa argentino tem uma predileção natural pelos espaços abertos e o sorriso, pelas frases com gancho --ou como ganchos diretos ao coração-- e pelo gole de mate que lhe oferece qualquer um em seu percurso de corpo aberto pelo Rio de Janeiro. Mas, quando tem que dar uma bronca, morde sem dó.
Depois da missa final em Copacabana, à qual assistiram na primeira fila as presidentes do Brasil e da Argentina e também o da Bolívia, Jorge Mario Bergoglio quis se reunir com as conferências episcopais da América Latina e do Caribe. E aí não houve panos quentes. Em forma de perguntas retóricas ou de acusações diretas, o papa deixou enrubescidos os cardeais e bispos responsáveis pela igreja da região. Embora sua densa dissertação exija uma análise mais detalhada, aqui vão algumas pérolas.
Falando sobre o cumprimento do chamado Documento de Aparecida, surgido da 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, realizada em 2007 no santuário da padroeira do Brasil e do qual participou ativamente o então cardeal de Buenos Aires, o atual papa se pergunta e lhes pergunta: "Procuramos que nosso trabalho e o de nossos sacerdotes seja mais pastoral que administrativo? Quem é o principal beneficiário do trabalho eclesiástico: a igreja como organização ou o povo de Deus em sua totalidade?"
Depois passa a criticar um por um os vícios da igreja latino-americana. O primeiro é a ideologização da mensagem evangélica, praticada sobretudo por "grupos de elite", que "reduz o encontro com Jesus Cristo" a uma "dinâmica descarnada de autoconhecimento". Depois de não deixar pedra sobre pedra, critica o funcionalismo: "Sua ação na igreja é paralisante. Mais que com o caminho, entusiasma-se com o 'mapa do caminho'. A concepção funcionalista não tolera o mistério, vai à eficácia. Reduz a realidade da igreja à estrutura de uma ONG. O que vale é o resultado constatável e as estatísticas. Daqui se vai a todas as modalidades empresariais da igreja. Constitui uma espécie de 'teologia da prosperidade' na organização da pastoral".
Como se não bastasse, arremete contra o clericalismo. Aqui vai à jugular: "Também é uma tentação muito atual na América Latina. Curiosamente, na maioria dos casos trata-se de uma cumplicidade pecadora: o padre clericaliza, e o laico lhe pede por favor que o clericalize, porque no fundo é mais cômodo. O fenômeno do clericalismo explica, em grande parte, a falta de maturidade e de liberdade cristã em boa parte do laicato latino-americano. Ou não cresce [a maioria], ou se encolhe em refúgios de ideologizações ou pertinências parciais e limitadas".
Mas Francisco se mostrou ainda mais contundente na hora de tratar o perfil que um bispo deve ter: "O bispo deve conduzir, o que não é o mesmo que mandar. Os bispos devem ser pastores, próximos das pessoas, pais e irmãos, com muita mansidão; pacientes e misericordiosos. Homens que amem a pobreza, seja a pobreza interior como liberdade diante do Senhor, seja a pobreza exterior como simplicidade e austeridade de vida. Homens que não tenham a 'psicologia de príncipes'".
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Cardeais participam de missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude, celebrada pelo papa Francisco na praia de Copacabana, no Rio
Cuidado com Francisco.
O papa argentino tem uma predileção natural pelos espaços abertos e o sorriso, pelas frases com gancho --ou como ganchos diretos ao coração-- e pelo gole de mate que lhe oferece qualquer um em seu percurso de corpo aberto pelo Rio de Janeiro. Mas, quando tem que dar uma bronca, morde sem dó.
Depois da missa final em Copacabana, à qual assistiram na primeira fila as presidentes do Brasil e da Argentina e também o da Bolívia, Jorge Mario Bergoglio quis se reunir com as conferências episcopais da América Latina e do Caribe. E aí não houve panos quentes. Em forma de perguntas retóricas ou de acusações diretas, o papa deixou enrubescidos os cardeais e bispos responsáveis pela igreja da região. Embora sua densa dissertação exija uma análise mais detalhada, aqui vão algumas pérolas.
Falando sobre o cumprimento do chamado Documento de Aparecida, surgido da 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, realizada em 2007 no santuário da padroeira do Brasil e do qual participou ativamente o então cardeal de Buenos Aires, o atual papa se pergunta e lhes pergunta: "Procuramos que nosso trabalho e o de nossos sacerdotes seja mais pastoral que administrativo? Quem é o principal beneficiário do trabalho eclesiástico: a igreja como organização ou o povo de Deus em sua totalidade?"
Depois passa a criticar um por um os vícios da igreja latino-americana. O primeiro é a ideologização da mensagem evangélica, praticada sobretudo por "grupos de elite", que "reduz o encontro com Jesus Cristo" a uma "dinâmica descarnada de autoconhecimento". Depois de não deixar pedra sobre pedra, critica o funcionalismo: "Sua ação na igreja é paralisante. Mais que com o caminho, entusiasma-se com o 'mapa do caminho'. A concepção funcionalista não tolera o mistério, vai à eficácia. Reduz a realidade da igreja à estrutura de uma ONG. O que vale é o resultado constatável e as estatísticas. Daqui se vai a todas as modalidades empresariais da igreja. Constitui uma espécie de 'teologia da prosperidade' na organização da pastoral".
Como se não bastasse, arremete contra o clericalismo. Aqui vai à jugular: "Também é uma tentação muito atual na América Latina. Curiosamente, na maioria dos casos trata-se de uma cumplicidade pecadora: o padre clericaliza, e o laico lhe pede por favor que o clericalize, porque no fundo é mais cômodo. O fenômeno do clericalismo explica, em grande parte, a falta de maturidade e de liberdade cristã em boa parte do laicato latino-americano. Ou não cresce [a maioria], ou se encolhe em refúgios de ideologizações ou pertinências parciais e limitadas".
Mas Francisco se mostrou ainda mais contundente na hora de tratar o perfil que um bispo deve ter: "O bispo deve conduzir, o que não é o mesmo que mandar. Os bispos devem ser pastores, próximos das pessoas, pais e irmãos, com muita mansidão; pacientes e misericordiosos. Homens que amem a pobreza, seja a pobreza interior como liberdade diante do Senhor, seja a pobreza exterior como simplicidade e austeridade de vida. Homens que não tenham a 'psicologia de príncipes'".
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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