Os brasileiros ainda esperam uma resposta
Gil Castelo Branco - O Globo
Há várias frases anedóticas que expressam a incompetência dos governos. O americano Milton Friedman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 1976, afirmava: “Se o governo administrar o deserto do Saara, em cinco anos faltará areia.” Já o economista Delfim Netto prognosticou: “Se o governo comprar um circo, o anão começará a crescer.”
Nas recentes manifestações sociais as reivindicações foram difusas, mas tiveram como pano de fundo a péssima qualidade dos serviços públicos (saúde, educação, segurança e mobilidade urbana) frente à elevada carga tributária e à corrupção deslavada.
Decorridos quase dois meses do início das mobilizações, poucas foram as respostas efetivas. A presidente Dilma reuniu-se com uma dúzia de ONGs chapas-brancas e empurrou o pepino para o Legislativo, ao propor uma constituinte “inconstitucional” exclusiva sobre a reforma política e, posteriormente, ao sugerir temas óbvios para um plebiscito relâmpago e inviável. Além disso, propôs pactos que não se consumaram.
Nesse contexto, o Mais Médicos gerou mesmo foi mais confusão. Mas, se a intenção for mesmo consultar a sociedade, são várias as perguntas em relação às quais a enorme maioria dos brasileiros gostaria de responder “Sim” ou “Não”.
Apostaria no “Sim” em várias situações como: redução para menos da metade dos 39 ministérios. Corte de 2/3 das 22.417 funções comissionadas de Direção e Assessoramento Superior (DAS). Férias de somente 30 dias para os membros do Legislativo e do Judiciário, como ocorre com qualquer trabalhador. Redução da quantidade de deputados federais, estaduais e vereadores. Votação imediata dos 130 projetos de lei relativos ao combate à corrupção, engavetados há anos no Congresso Nacional. Redução para 1/3 dos gastos com publicidade na União, estados e municípios. Julgamento imediato dos mensalões (PT, PSDB e DEM) e dos processos que envolvem parlamentares, a começar pelo do presidente do Senado. Proibição do uso de recursos públicos ou de isenções fiscais para bancar aquelas propagandas partidárias, repetidas, irritantemente, nos horários nobres. Fim dos suplentes de senadores sem votos. Maioridade penal aos 16 anos, para exterminar o “sou di menor”. Proibição para que parlamentares condenados pelo Supremo Tribunal Federal continuem legislando, a seu favor ou contra aqueles que os condenaram. Fim do voto secreto no Congresso. Ampliação da Ficha Limpa para todas as instâncias e Poderes. Fim do imposto sindical obrigatório que retira compulsoriamente do trabalhador o valor correspondente a um dia de trabalho por ano em prol de sindicatos (alguns fictícios), militantes e dirigentes com fortunas amealhadas sabe-se lá como. Esse plebiscito do bem daria um livro.
Por outro lado, creio que surgiria um “Não” sonoro às propostas que implicam em dar mais poder e dinheiro aos caciques políticos. Dessa forma, parecem mínimas as chances de os brasileiros concordarem em votar em uma “lista fechada” de candidatos definida pelos “proprietários” dos partidos, bem como de aprovarem o financiamento público exclusivo das caríssimas campanhas eleitorais, à custa dos impostos pagos. Neste ano, mesmo sem eleições, os partidos políticos irão receber do orçamento da União (via Fundo Partidário) R$ 294,2 milhões, além dos R$ 300 milhões das isenções fiscais concedidas aos veículos de comunicação pelas inserções políticas publicitárias.
Plebiscito à parte, prova da surdez dos parlamentares está no fato de terem saído de “recesso” sem votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias, contrariando a própria Constituição. Justificam a “gazeta” argumentando que as Casas estão funcionando, apenas sem as votações.
A “mentirinha” faz lembrar o historiador Capistrano de Abreu, que imaginava como artigo principal da Constituição Federal o dispositivo: “Todo brasileiro deve ter vergonha na cara.” Ao contrário, alguns dos nossos deputados e senadores devem lustrar os rostos com óleo de peroba. Tomara que não o façam com a verba indenizatória...
Enfim, como as autoridades — por incompetência ou conveniência — continuam fazendo vista grossa às reais demandas da sociedade, os protestos tendem a continuar. A queda abrupta da popularidade da presidente Dilma e da maioria dos governadores é reflexo natural da insatisfação coletiva.
O que os governantes e marqueteiros não percebem é que o anão do circo cresceu e que as manifestações não morrerão na praia ou no deserto de providências concretas que atendam, de fato, os anseios de milhões de brasileiros.
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