23.jul.2013 - AP
Jornalistas se reúnem para acompanhar a saída do bebê real do hospital, acompanhado da mãe, Kate Middleton, e do pai, o príncipe William
Houve certa ironia no nascimento de um herdeiro masculino para a coroa britânica na semana passada. Pela primeira vez na história, uma menina se tornaria a futura rainha, independentemente de quaisquer futuros irmãos, após as regras da sucessão terem sido transformadas em neutras em gênero no início deste ano.
Mas a fonte da Trafalgar Square daqui se tornou azul em 23 de julho, não cor-de-rosa. Os homens tiveram primazia ao trono britânico apesar de rainhas o terem ocupado por 125 dos últimos 200 anos. Agora que as mulheres têm acesso igual, esse acesso pode ser bloqueado por grande parte do século, após uma sucessão por pelo menos três príncipes: o recém-nascido príncipe George; seu pai, o príncipe William; e seu avô, o príncipe Charles.
Foi notável a grande margem de público a favor de uma princesa: os corretores de apostas informaram uma chance de 7 para 10 de o bebê ser uma menina, com base em centenas de milhares de libras em apostas.
Essa inclinação pró-menina representa uma ruptura na história --e não é preciso voltar quatro séculos e meio até Henrique 8º mandar a pobre Anne Boleyn ser decapitada por fracassar em lhe dar um herdeiro do sexo masculino. Quando a atual rainha estava em trabalho de parto e prestes a dar à luz Charles, em 1948, uma pessoa teria dito ao seu marido, o príncipe Philip, a caminho do Palácio de Buckingham: "Eu espero que você tenha um menino".
Desta vez os comentários foram raros, embora não totalmente ausentes. A correspondente da "CNN" Victoria Arbiter parabenizou a duquesa de Cambridge por produzir um herdeiro masculino. "Vejam quão brilhante Kate é. Há mulheres por toda a história da família real britânica que entraram em pânico por não conseguirem dar à luz um menino, e aqui estamos. Kate conseguiu. Na primeira vez."
Uma reação mais comum foi de decepção. "Preciso dizer: eu fiquei decepcionada por não ser uma menina", postou no Twitter Katie Razzall, uma repórter e apresentadora da emissora britânica "Channel 4", logo depois do anúncio. Zoe Williams, escrevendo no jornal "The Guardian", parecia igualmente desapontada: "Infelizmente não teremos a chance de testar as novas regras para a sucessão".
Um artigo de primeira página no "The Times" de Londres, no dia seguinte ao nascimento, resumiu o espírito: "O reescrever da história terá que esperar".
Mas uma rainha potencial teria reescrito a história?
Quando a rainha Vitória assumiu o trono em 1837, as ativistas pelos direitos da mulher da época esperaram em vão que ela apoiasse a causa delas. Nem a atual rainha, Elizabeth 2ª, foi uma campeã do feminismo. Mas, se o Reino Unido foi um dos primeiros países a eleger uma líder --Margaret Thatcher em 1979--, foi em parte porque os eleitores estavam acostumados à visão de uma mulher como chefe de Estado.
"O simples exemplo dessas duas rainhas proeminentes preparou os britânicos para Thatcher", disse Arianne J. Chernock, uma especialista em história real britânica da Universidade de Boston.
No século 21, o efeito do modelo real parece bastante diferente.
Um motivo para a Lei de Sucessão à Coroa, que aboliu a primogenitura masculina em abril, não ter sido controversa foi por ter simplesmente se adequado à realidade. A rainha Vitória reinou no Reino Unido por quase 64 anos, e Elizabeth está em seu 62º ano. Mas outro motivo é o fato de a própria instituição da monarquia ter se tornado cada vez mais "feminizada", disse Chernock.
"Ela é agora uma instituição quase exclusivamente cerimonial, que cuida de filantropia e de parecer adequada ao papel, e não mais detentora de poder real", disse. "Os monarcas representam, trabalham em caridade, são seguidos por sua moda. Essas são qualidades que culturalmente associamos mais às mulheres."
Nesse aspecto, uma princesa poderia ter reforçado, em vez de mudado, os estereótipos de gênero no século 21 --e um rei, de certo modo, apresenta uma maior probabilidade de quebrar esses estereótipos: "É desajeitado ser um homem da realeza porque você não pode ser um líder masculino tradicional --você é uma figura decorativa dessa instituição bastante feminizada", disse Chernock.
O príncipe Charles, que é o próximo na linha de sucessão, "suportou insinuações de que é grosso, pomposo, insensível e excessivamente subsidiado", escreveu o semanário "The Economist" nesta semana. Até mesmo o arquimonarquista 'Daily Mail' escreveu um artigo recentemente sobre o cortesão contratado para carregar sua almofada favorita, em um tom que o jornal normalmente reserva aos requerentes de asilo.
Isso poderia explicar o desapontamento expressado no site britânico da revista feminina britânica "Cosmopolitan": "Acabou o sonho de uma rainha moderna, conquistando o mundo com sua graça como Diana e Kate, vestida decadentemente em excesso de roupas de grife".
O comentário corrente sobre a barriga e o código de vestuário de gravidez da duquesa antes conhecida como Kate Middleton, nos últimos sete meses, ecoou a obsessão da mídia pela falecida mãe de seu marido, Diana, a princesa de Gales. Quão rapidamente a duquesa voltará à forma sem dúvida será a próxima. Como brincou pelo Twitter a colunista Hadley Freeman, do jornal "The Guardian", logo após o nascimento: "Eu espero que Kate já tenha perdido o peso ganho na gravidez a esta altura. Afinal, já se passaram quatro horas, não é?"
Certamente haverá alguns efeitos colaterais que os arquitetos da nova lei de sucessão podem não ter antecipado. Algumas aristocratas têm usado as mudanças para fazer lobby por leis de herança neutras em gênero por todo o espectro da nobreza, por exemplo. E outras monarquias que ainda contam com a primogenitura masculina, como a Espanha, foram cutucadas a promover seu próprio debate sobre a sucessão.
Mas, por mais que as mulheres da realeza se conformem com as expectativas, elas ainda têm agendas lotadas. E há uma área onde elas provavelmente desafiarão as tradições, não importa o que aconteça: no debate público sobre o equilíbrio entre maternidade e vida profissional.
A atual rainha já enfrentou sua cota de julgamento. Seu filho tinha 5 anos quando ela foi coroada, em 1953. Uma soberana jovem com uma agenda ativa, ela também era uma mãe jovem criticada por parecer fria demais com seus filhos em público e por perder seus aniversários.
A mídia sem dúvida ficará de olho nas escolhas feitas pela duquesa de Cambridge.
"Kate não será uma mãe que fica em casa", disse Chernock. "Essa simplesmente não é uma opção."
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Jornalistas se reúnem para acompanhar a saída do bebê real do hospital, acompanhado da mãe, Kate Middleton, e do pai, o príncipe William
Houve certa ironia no nascimento de um herdeiro masculino para a coroa britânica na semana passada. Pela primeira vez na história, uma menina se tornaria a futura rainha, independentemente de quaisquer futuros irmãos, após as regras da sucessão terem sido transformadas em neutras em gênero no início deste ano.
Mas a fonte da Trafalgar Square daqui se tornou azul em 23 de julho, não cor-de-rosa. Os homens tiveram primazia ao trono britânico apesar de rainhas o terem ocupado por 125 dos últimos 200 anos. Agora que as mulheres têm acesso igual, esse acesso pode ser bloqueado por grande parte do século, após uma sucessão por pelo menos três príncipes: o recém-nascido príncipe George; seu pai, o príncipe William; e seu avô, o príncipe Charles.
Foi notável a grande margem de público a favor de uma princesa: os corretores de apostas informaram uma chance de 7 para 10 de o bebê ser uma menina, com base em centenas de milhares de libras em apostas.
Essa inclinação pró-menina representa uma ruptura na história --e não é preciso voltar quatro séculos e meio até Henrique 8º mandar a pobre Anne Boleyn ser decapitada por fracassar em lhe dar um herdeiro do sexo masculino. Quando a atual rainha estava em trabalho de parto e prestes a dar à luz Charles, em 1948, uma pessoa teria dito ao seu marido, o príncipe Philip, a caminho do Palácio de Buckingham: "Eu espero que você tenha um menino".
Desta vez os comentários foram raros, embora não totalmente ausentes. A correspondente da "CNN" Victoria Arbiter parabenizou a duquesa de Cambridge por produzir um herdeiro masculino. "Vejam quão brilhante Kate é. Há mulheres por toda a história da família real britânica que entraram em pânico por não conseguirem dar à luz um menino, e aqui estamos. Kate conseguiu. Na primeira vez."
Uma reação mais comum foi de decepção. "Preciso dizer: eu fiquei decepcionada por não ser uma menina", postou no Twitter Katie Razzall, uma repórter e apresentadora da emissora britânica "Channel 4", logo depois do anúncio. Zoe Williams, escrevendo no jornal "The Guardian", parecia igualmente desapontada: "Infelizmente não teremos a chance de testar as novas regras para a sucessão".
Um artigo de primeira página no "The Times" de Londres, no dia seguinte ao nascimento, resumiu o espírito: "O reescrever da história terá que esperar".
Mas uma rainha potencial teria reescrito a história?
Quando a rainha Vitória assumiu o trono em 1837, as ativistas pelos direitos da mulher da época esperaram em vão que ela apoiasse a causa delas. Nem a atual rainha, Elizabeth 2ª, foi uma campeã do feminismo. Mas, se o Reino Unido foi um dos primeiros países a eleger uma líder --Margaret Thatcher em 1979--, foi em parte porque os eleitores estavam acostumados à visão de uma mulher como chefe de Estado.
"O simples exemplo dessas duas rainhas proeminentes preparou os britânicos para Thatcher", disse Arianne J. Chernock, uma especialista em história real britânica da Universidade de Boston.
No século 21, o efeito do modelo real parece bastante diferente.
Um motivo para a Lei de Sucessão à Coroa, que aboliu a primogenitura masculina em abril, não ter sido controversa foi por ter simplesmente se adequado à realidade. A rainha Vitória reinou no Reino Unido por quase 64 anos, e Elizabeth está em seu 62º ano. Mas outro motivo é o fato de a própria instituição da monarquia ter se tornado cada vez mais "feminizada", disse Chernock.
"Ela é agora uma instituição quase exclusivamente cerimonial, que cuida de filantropia e de parecer adequada ao papel, e não mais detentora de poder real", disse. "Os monarcas representam, trabalham em caridade, são seguidos por sua moda. Essas são qualidades que culturalmente associamos mais às mulheres."
Nesse aspecto, uma princesa poderia ter reforçado, em vez de mudado, os estereótipos de gênero no século 21 --e um rei, de certo modo, apresenta uma maior probabilidade de quebrar esses estereótipos: "É desajeitado ser um homem da realeza porque você não pode ser um líder masculino tradicional --você é uma figura decorativa dessa instituição bastante feminizada", disse Chernock.
O príncipe Charles, que é o próximo na linha de sucessão, "suportou insinuações de que é grosso, pomposo, insensível e excessivamente subsidiado", escreveu o semanário "The Economist" nesta semana. Até mesmo o arquimonarquista 'Daily Mail' escreveu um artigo recentemente sobre o cortesão contratado para carregar sua almofada favorita, em um tom que o jornal normalmente reserva aos requerentes de asilo.
Isso poderia explicar o desapontamento expressado no site britânico da revista feminina britânica "Cosmopolitan": "Acabou o sonho de uma rainha moderna, conquistando o mundo com sua graça como Diana e Kate, vestida decadentemente em excesso de roupas de grife".
O comentário corrente sobre a barriga e o código de vestuário de gravidez da duquesa antes conhecida como Kate Middleton, nos últimos sete meses, ecoou a obsessão da mídia pela falecida mãe de seu marido, Diana, a princesa de Gales. Quão rapidamente a duquesa voltará à forma sem dúvida será a próxima. Como brincou pelo Twitter a colunista Hadley Freeman, do jornal "The Guardian", logo após o nascimento: "Eu espero que Kate já tenha perdido o peso ganho na gravidez a esta altura. Afinal, já se passaram quatro horas, não é?"
Certamente haverá alguns efeitos colaterais que os arquitetos da nova lei de sucessão podem não ter antecipado. Algumas aristocratas têm usado as mudanças para fazer lobby por leis de herança neutras em gênero por todo o espectro da nobreza, por exemplo. E outras monarquias que ainda contam com a primogenitura masculina, como a Espanha, foram cutucadas a promover seu próprio debate sobre a sucessão.
Mas, por mais que as mulheres da realeza se conformem com as expectativas, elas ainda têm agendas lotadas. E há uma área onde elas provavelmente desafiarão as tradições, não importa o que aconteça: no debate público sobre o equilíbrio entre maternidade e vida profissional.
A atual rainha já enfrentou sua cota de julgamento. Seu filho tinha 5 anos quando ela foi coroada, em 1953. Uma soberana jovem com uma agenda ativa, ela também era uma mãe jovem criticada por parecer fria demais com seus filhos em público e por perder seus aniversários.
A mídia sem dúvida ficará de olho nas escolhas feitas pela duquesa de Cambridge.
"Kate não será uma mãe que fica em casa", disse Chernock. "Essa simplesmente não é uma opção."
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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