Peter Löscher, presidente da Siemens, durante conferência de imprensa anual da empresa, em Munique
A Siemens, um dos pilares reputação industrial da qual a Alemanha se orgulha, demitiu seu CEO Peter Löscher por presidir uma série de infortúnios e não atingir as metas de lucros. Comentaristas alemães receberam bem sua saída e dizem que o supervisor chefe Gerhard Cromme também deveria ser demitido.A gigante industrial alemã Siemens mergulhou num caos administrativo desencadeado por um alerta de lucro na semana passada que levou à remoção de seu CEO, Peter Löscher. Uma reunião da supervisão da empresa, organizada às pressas no sábado (27), decidiu derrubá-lo, e a empresa deverá nomear o diretor financeiro Joe Kaeser como seu sucessor numa reunião nesta quarta-feira (31).
Mas Löscher não vai sair sem lutar. De acordo com uma reportagem do jornal Süddeutsche Zeitung na segunda-feira (29), Löscher só deixará o cargo voluntariamente se o presidente do conselho de supervisão, Gerhard Cromme, sair também. Caso contrário, Löscher insistirá numa votação e tentará impedir a maioria de dois terços necessária para que o conselho de supervisão o remova do cargo, segundo o jornal, citando fontes não identificadas do conselho de fiscalização.
Mas as fontes acrescentaram que Löscher não tem chance de permanecer no cargo. Löscher, dizem as fontes, culpa Cromme por conspirar para retirá-lo do cargo para distrair a atenção de suas próprias falhas. Cromme foi forçado a renunciar como presidente do conselho de supervisão da siderúrgica ThyssenKrupp em março por não ter impedido a empresa de ter um prejuízo de bilhões de euros.
Cromme, de acordo com o Süddeutsche, agora quer evitar ser responsabilizado por não tomar medidas no momento certo na Siemens, que encontrou uma série de problemas graves, entre eles o atraso na entrega de 16 trens de alta velocidade ICE, que eram necessitados com urgência, para a operadora ferroviária Deutsche Bahn, e dificuldades em conectar os parques eólicos no Mar do Norte com a rede elétrica. O grupo bastante diversificado fabrica produtos que vão desde turbinas a gás para trens de alta velocidade até aparelhos auditivos.
Ao se tornar CEO em 2007, Löscher se tornou a primeira pessoa de fora da empresa a assumir o leme da Siemens, e ganhou elogios por tirar a empresa de um grave escândalo de suborno. Seu contrato foi prorrogado por mais cinco anos em 2012.
Desde então, as críticas a Löscher cresceram. Ele foi acusado de ter avaliado mal a evolução do mercado em seu objetivo de expandir as vendas em um terço, para 100 bilhões de euros, e a empresa está sofrendo com uma queda na demanda global. Além disso, os lucros da Siemens foram atingidos por encargos únicos relacionados com atrasos em projetos e outras questões.
Comentaristas da mídia alemã escreveram na segunda-feira que Löscher merece elogios por ter limpado a empresa depois do escândalo de corrupção, mas disseram que ele não conseguiu definir uma visão para o grupo e presidiu erros que foram colocando em risco sua reputação tecnológica. Vários dizem que o chefe do conselho de supervisão, Cromme, também deve sair.
O Süddeutsche Zeitung, e centro-esquerda, escreveu:
"Os desafios que esta companhia global enfrenta podem ser comparado aos do envelhecimento de uma nação industrial. Assim como a Alemanha, a gigante de exportação já teve o mundo a seus pés, a Siemens fez negócios lucrativos em quase 200 países. Mas hoje, os países emergentes estão abrindo caminho para os mercados e suas empresas estão colocando a Siemens sob pressão. Neste mundo selvagem, a empresa precisa dos melhores engenheiros, vendedores e administradores – ela precisa ter à frente um executivo com nervos de aço e uma vontade forte, um líder. Löscher queria ser isso. Ele enxugou a empresa com sucesso e melhorou a eficiência. Mas esse sucesso não durou muito porque foi puramente impulsionado por custos e números, em detrimento da força de trabalho. E porque não havia nenhuma visão clara por trás. Em suma, foi porque ele não levou as pessoas junto consigo."
O jornal conservador Frankfurter Allgemeine Zeitung escreveu:
"Um ícone da indústria alemã está estremecido. É evidente há muito tempo que uma das maiores empresas da Alemanha não está fazendo progresso e que a sua posição nos mercados mundiais está em perigo. A Siemens costumava ser o cartão de visitas para a tecnologia "made in Germany", para fábricas industriais, estações de energia, turbinas eólicas, trens e tomografia computadorizada. Mas a empresa está perdendo sua rentabilidade e competitividade, e sua capacidade de inovação, em particular – uma das virtudes da economia alemã. A erosão era reconhecível. Mas o conselho de administração, a cargo de Peter Löscher, e o conselho fiscal, com Gerhard Cromme como supervisor-chefe, não tomaram nenhuma atitude."
"Não surpreende que as metas da 'Siemens 2014' foram abandonadas – e que Löscher esteja de saída. Seu diretor financeiro, Joe Kaeser, deveria agora acertar as coisas – alguém que é em parte responsável pela situação. Mas ele sempre conseguiu andar na corda-bamba entre ser leal a Löscher e ao mesmo tempo seu adversário. No entanto, ele poderia restaurar Siemens à sua antiga glória. Ele sabe como motivar a força de trabalho, ele conhece a empresa de dentro para fora e os investidores o têm em alta conta."
O conservador Die Welt escreveu:
"É louvável que Peter Löscher esteja sendo substituído como diretor-executivo da Siemens. Seu histórico é desastroso. A empresa perdeu sua aura de infalibilidade. Isso se aplica à sua tecnologia: trens de alta velocidade não são concluídos e há problemas de qualidade com as turbinas eólicas. Mas isso também se aplica à gestão: as metas corporativas de Löscher, como de 100 bilhões de euros em vendas parecia assustadoramente fora da realidade, mas as circunstâncias de sua demissão sugerem que o austríaco por si só não é o problema. Não é só Löscher que carece a qualificação para conduzir uma construção tão complexa quanto o grupo Siemens com seus 70 mil funcionários, o resto da liderança se comportou como uma equipe de estagiários."
O diário de economia Handelsblatt escreveu:
"A retirada do gerente austríaco era inevitável. Primeiro, a empresa de outra forma nunca se estabilizaria e a tortuosa batalha interna teria continuado. Segundo, Löscher de fato cometeu erros em seu segundo mandato, e mostrou uma liderança fraca. Ele deixou as rédeas escorregarem e não desenvolveu qualquer visão para os próximos anos."
Mas a atual crise na Siemens não é apenas culpa do Löscher, argumenta o Handelsblatt. Em seu primeiro mandato como diretor, entre 2007 e 2012, Löscher limpou a empresa depois de ter sido abalada pelo maior escândalo de corrupção da Alemanha: "seu mantra 'apenas negócios limpos' parecia ter credibilidade. O velho escândalo de corrupção ficou nos livros de história graças a esta diretriz clara, e ao redor do mundo Siemens é considerada um modelo quando se trata de combate à corrupção".
"Mas, desde então, os erros e derrocadas foram se acumulando – e isso é em parte se deve a deficiências de Löscher Ele estava constantemente viajando para conquistar um acordo de exportação e sempre em contato com governos – ele era o lobista-chefe da empresa, mas não era o grande criador de jogadas que a equipe esperava. Ele nunca se dedicou profundamente o suficiente aos assuntos. O diretor executivo confiava nas cabeças de seu setor e deixou um monte de responsabilidades com ele."
"Todo o conselho administrativo seguiu a estratégia da Löscher. E o conselho de supervisão, com Cromme, assinado em baixo de decisões ruins, assentiu para aquisições equivocadas e estendeu o contrato de Löscher, embora ele não tivesse apresentado uma estratégia clara para o futuro. Agora que Löscher se foi, o debate em torno de Cromme voltará à tona. O que é correto. A Siemens precisa de um novo e forte diretor executivo com um forte presidente do conselho de supervisão."
Tradutor: Eloise de Vylder
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