Francisco reúne milhões no Rio de Janeiro e mostra poder latente da Igreja
Católica, mas sua visita ao Brasil também expõe paradoxos
FSP
Fotografado de costas, subindo sozinho a escada do avião e levando consigo
uma pasta preta que dificilmente será de marca, o papa Francisco deixou neste
domingo uma última e expressiva imagem de sua viagem ao Brasil. FSP
A simplicidade de seus modos foi o que mais cativou. O acaso das circunstâncias e as falhas de planejamento contribuíram ainda mais para essa imagem de Francisco como um papa acessível, informal, quase membro da família.
O engarrafamento que paralisou o papamóvel, logo na chegada ao Rio de Janeiro, expôs Francisco a uma onda de afeto apropriada ao seu estilo. A sofisticação intelectual de seu antecessor, Bento 16, viu-se substituída por uma quase fisicalidade, por uma energia decorrente não apenas do carisma do cargo e da pessoa, mas da pura presença corporal, fungível, do novo vigário de Cristo.
Depois de um papa tão intelectual como Joseph Ratzinger, as palavras de Jorge Mario Bergoglio em sua primeira visita ao Brasil tiveram menor importância relativa.
Apesar de mudanças no tom --no que diz respeito à missão da igreja junto aos pobres e a um espírito de maior acolhida aos homossexuais--, não há como ver em Francisco, por enquanto, o anúncio de novos rumos no ensinamento romano. Quanto a isso, permanece o conservadorismo, ainda que em alguma medida mitigado.
A viagem serviu, sobretudo, para reafirmar a força latente da Igreja Católica no Brasil, que as estatísticas sobre o crescimento dos cultos evangélicos levam, no cotidiano, a ter menos em conta.
O fervor e a disseminação das novas igrejas cristãs é fenômeno de imensa repercussão, mas nenhum pastor ou bispo protestante poderia, sozinho, reunir tantos fiéis num só evento --e nisso estão, ao mesmo tempo, o trunfo e a fraqueza da Igreja Católica.
O tempo de formação de um membro do clero romano e as lentidões de uma hierarquia centralizada tornam mais difícil a multiplicação dos templos que se verifica entre os evangélicos --mas a centralização católica colhe, com um papa como Francisco, as vantagens da agregação maciça.
Surge aqui um paradoxo. Colocando-se no campo conservador sem hostilizar o progressista, Francisco --como Bento 16-- vê com olhos críticos o materialismo e a superficialidade da sociedade de consumo.
Ao mesmo tempo --essa a sua missão, seu sacrifício, sua alegria--, o papa se dá como espetáculo de massas. Estas o respeitam, celebram, ouvem. Mas também o consomem, fotografam, tiram-lhe da cabeça o solidéu para levar de recordação. Não faz mal; dão-lhe outro em troca. Talvez, por momentos, com a pasta preta na mão, esse papa simples se sinta bem com a cabeça descoberta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário