quarta-feira, 31 de julho de 2013

Detroit, a nova Grécia
Paul Krugman - NYT 
19.jul.2013 - Bill Pugliano/Getty Images/AFPA cidade de Detroit (EUA), que tem dívidas de US$ 15 bilhões, declarou na quinta-feira (18) a maior falência municipal da história americana
A cidade de Detroit (EUA), que tem dívidas de US$ 15 bilhões, declarou na quinta-feira (18) a maior falência municipal da história americana
Desde que Detroit declarou falência --ou pelo menos tentou declarar--, a situação jurídica da cidade ficou complicada. Eu não fui o único economista a ter uma sensação ruim em relação ao provável impacto em nosso discurso político. Será que a história da Grécia iria se repetir mais uma vez?
Claramente, algumas pessoas gostariam que isso acontecesse. Mas vamos colocar essa conversa na direção certa antes que seja tarde demais.
OK, vamos esclarecer sobre o que eu estou falando. Como você deve se lembrar, há alguns anos a Grécia mergulhou em uma crise fiscal. Isso foi ruim, mas teve efeitos limitados sobre o restante do mundo. Afinal de contas, a economia grega é bem pequena (na verdade, a economia da Grécia é apenas 1,5 vez maior do que a economia da região metropolitana de Detroit). Infelizmente, muitos políticos e formuladores de políticas públicas usaram a crise grega para roubar o debate, mudando o foco das discussões da criação de empregos para a retidão fiscal.
Mas a verdade é que a Grécia foi um caso muito especial, que gerou poucas ou bem poucas lições para a política econômica geral --e, até mesmo na Grécia, os déficits orçamentários constituíam apenas uma parte do problema. No entanto, durante algum tempo o discurso político em todo o mundo ocidental ficou completamente "helenizado" --todo mundo era a Grécia ou estava prestes a se transformar na Grécia. E esse caminho intelectual equivocado causou um enorme dano para as perspectivas de recuperação econômica.
Por isso, agora os críticos do déficit têm uma nova questão para interpretar mal. Independentemente dos reiterados fracassos das previsões sobre a materialização da crise fiscal dos EUA, a queda acentuada das estimativas sobre os níveis da dívida norte-americana e a forma como grande parte das pesquisas que os críticos usaram para justificar suas críticas foram desacreditadas. Mas vamos nos concentrar obsessivamente sobre os orçamentos municipais e sobre as obrigações dos fundos públicos de pensão!
Ou, na verdade, não vamos, não.
Será que os problemas de Detroit são a ponta do iceberg de uma crise nacional do setor público de fundos de pensão? Não. É verdade que os fundos de pensão estaduais e locais estão realmente subfinanciados: especialistas do Boston College dizem que o déficit total está em US$ 1 trilhão. Mas muitos governos têm adotado medidas para solucionar esses déficits. Essas medidas ainda não são suficientes. Segundo as estimativas do Boston College, este ano as contribuições totais recebidas pelos fundos de pensão serão, aproximadamente, US$ 25 bilhões menores do que deveriam ser. Mas em uma economia de US$ 16 trilhões, esse não chega a ser um problemão --e mesmo que você faça suposições mais pessimistas, como alguns, mas não todos, os auditores dizem que você deveria fazer, ainda assim esse não seria um problemão.
Então será que Detroit foi apenas excepcionalmente irresponsável? Novamente, não. Aparentemente, Detroit teve uma governança especialmente ruim, mas a maior parte da cidade foi apenas uma vítima inocente das forças de mercado.
O quê? As forças de mercado fazem vítimas? É claro que fazem. Afinal de contas, os entusiastas do livre mercado gostam de citar Joseph Schumpeter em relação à inevitabilidade da "destruição criativa" --mas eles e seu público cativo invariavelmente se imaginam como os destruidores criativos, e não como aqueles que são criativamente destruídos. Bem, adivinhem: alguém sempre acaba sendo o equivalente moderno do produtor de chicotes para charretes --e esse pode ser você.
Às vezes, os perdedores gerados pelas mudanças econômicas são indivíduos cujas competências se tornaram obsoletas. Às vezes, esses perdedores são empresas que atendiam a um nicho de mercado que não existe mais. E, às vezes, eles são cidades inteiras que perderam seu lugar no ecossistema econômico. O declínio acontece.
Na verdade, no caso de Detroit o problema parece ter sido agravado pela disfunção política e social. Uma consequência dessa disfunção tem sido um grave caso de "expansão dos postos de trabalho" pela área metropolitana da cidade, com as vagas deixando o núcleo urbano mesmo quando o nível de emprego na grande Detroit ainda estava aumentando, e até mesmo enquanto outras cidades observavam um renascimento em seus centros. Menos de 25% dos empregos oferecidos na área metropolitana de Detroit estão localizados a 10 milhas (16 km) do distrito comercial central tradicional. Na grande Pittsburgh, outra ex-gigante industrial cujos dias de glória passaram, esse percentual é de mais de 50%. E a vitalidade relativa do centro de Pittsburgh pode explicar porque a antiga capital do aço está mostrando sinais de renascimento, enquanto Detroit só continua afundando.
Então, vamos discutir seriamente como as cidades podem gerenciar melhor essa transição quando suas fontes tradicionais de vantagem competitiva se acabam. E vamos também ter uma discussão séria sobre as nossas obrigações, como país, para com os nossos concidadãos que tiveram a má sorte de viver e trabalhar no lugar errado, na hora errada --pois, como eu disse, o declínio acontece, e algumas economias regionais vão acabar encolhendo, talvez drasticamente, independentemente do que fizermos.
O importante é não deixar que a discussão seja roubada novamente --ao estilo grego. Há pessoas influentes que gostariam que você acreditasse que a morte de Detroit é, fundamentalmente, um conto de irresponsabilidade fiscal e/ou de funcionários públicos gananciosos. Mas ela não é. Em grande parte, ela é apenas uma daquelas coisas que acontece de vez em quando em economias em constante mudança.
Tradutor: Cláudia Gonçalves

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