terça-feira, 30 de julho de 2013

O papa quer jovens cristãos "revolucionários"
Stéphanie Le Bars - Le Monde
28.jul.2013 - Gabriel Bouys/AFP

O papa Francisco durante a missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude, na praia de Copacabana, no Rio
O papa Francisco durante a missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude, na praia de Copacabana, no Rio
Dos sete dias da visita papal ao Rio de Janeiro, que terminou no domingo (28), os brasileiros se lembrarão de algumas falhas na organização, de engarrafamentos indescritíveis, de muita chuva, mas também de um júbilo popular colorido por cânticos e bandeiras, manifestado por centenas de milhares de jovens católicos do mundo inteiro.
Os muitos peregrinos (3 milhões, segundo o Vaticano) voltarão para casa com a sensação de terem vivido um "grande momento de compartilhamento e de fé". O papa cultivará a "saudade", para usar o termo que ele empregou quando foi embora, de centenas de crianças e deficientes que beijou e abençoou em inúmeros encontros com o povo. Por todo o mundo, a Igreja Católica demonstrará sua satisfação de ter novamente um papa pastor e enérgico.
Mas ela se lembrará sobretudo de que a orla da praia de Copacabana foi o cenário onde Francisco, quatro meses depois de eleito, divulgou o programa de seu pontificado. Perante os religiosos brasileiros, os bispos latino-americanos e os jovens, em poucos dias e uns 15 discursos o papa delineou os contornos da igreja que ele quer representar. Acusou suas fraquezas e condenou, sem medir as palavras, aquelas que ele não quer.
Esse papa sul-americano, marcado por controvérsias em torno da Teologia da Libertação, não quer "ideologizar" a mensagem evangélica. Durante um longo discurso de tom muito pessoal no domingo, ele reafirmou sua rejeição a influências marxistas ou liberais sobre a igreja. Ele tampouco cogita se satisfazer com uma igreja reacionária, que, diante de "seus males", estaria ávida por "restauração, soluções disciplinares, segurança doutrinal, condutas e formas ultrapassadas".

Não sejam "cristãos de fachada"

E, como ele vem dizendo desde que assumiu o cargo, a igreja tampouco é uma "ONG" que se contentaria com "resultados e estatísticas", esquecendo sua mensagem transcendental. Perante os bispos da América Latina ele também rejeitou claramente o "clericalismo" de uma igreja que, para ele, é responsável por "uma falta de maturidade e de liberdade dos cristãos". Em compensação, ele lhes lembrou sobre sua vontade de ter bispos que sejam "pastores pacientes e misericordiosos, que amem a pobreza e não sejam ambiciosos"; ele os convidou firmemente a um "exame de consciência", que vale para o clero do mundo inteiro.
Aos fiéis a mensagem foi clara. O novo papa, para quem "fé não se tem em fragmentos", não quer crentes que demonstrem uma "espiritualidade desencarnada" ou que sejam ensimesmados. Por diversas vezes ele pediu aos jovens que assumissem sua identidade, que não fossem "cristãos de fachada, pela metade", mas que fossem "firmes em seus valores éticos". "Peço que vocês sejam revolucionários", ele disse ainda no domingo aos jovens, "que vão contra a corrente, que se revoltem contra a cultura do provisório."
Mais conectado com a atualidade brasileira, ele também lhes pediu: "Sejam protagonistas da mudança. Ofereçam uma resposta cristã às preocupações sociais e políticas que estão surgindo em diferentes partes do mundo."
Mas o papa, preocupado sobretudo em combater a perda de interesse que a Igreja Católica vem sofrendo no mundo inteiro, concorrendo aqui com as igrejas evangélicas e o ateísmo, e em outras partes com o islamismo, quer crentes "missionários, alegres, abertos para o encontro e o diálogo." Evangelizadores que "saiam pelas ruas", "façam bagunça".
Esses defensores de uma igreja "simples" não devem "ter medo de sair à noite, de cruzar o caminho, entrar nas conversas" daqueles que são "mais indiferentes". "É preciso partir da periferia, daqueles que estão mais longe, ir até os pobres, os idosos, os doentes, os desempregados", afirmou o papa.

Crítica velada a uma igreja desconectada

Assim como seu antecessor, Bento 16, que se preocupava com a "apostasia silenciosa" que atingia a igreja, Francisco vê nesse afastamento da fé católica causas externas: "A globalização, a perda do sentido da vida, a solidão, a violência, a ruptura das famílias, as drogas, o álcool, o sexo"; mas também razões internas --com franqueza, ele questionou as falhas de uma igreja "fraca" demais, "autorreferencial" demais, "prisioneira de suas linguagens rígidas", que não passaria de uma "relíquia do passado". Ele até pareceu evocar a "altivez" excessiva da igreja como fonte de desencanto para parte dos católicos. "Alguns buscaram subterfúgios, pois pensaram que o ideal de vida que a igreja propunha estava fora de alcance", ele lamentou.
Mas essa crítica velada a uma exigência eclesiástica às vezes desconectada das realidades sociais e humanas dos crentes, assim como a inflexão social que ele dá à missão da igreja, não significa de maneira alguma que o papa Francisco renuncie ao magistério ou à doutrina da igreja. Ele não disse uma palavra a respeito de possíveis evoluções sobre os pontos problemáticos para muitos católicos "progressistas": moral sexual, bioética, lugar das mulheres, celibato dos padres.
As reformas do papa provavelmente serão mais estruturais: ele deverá se dedicar a isso assim que voltar a Roma, e um cardeal próximo a ele, Oscar Maradiaga, que preside o grupo de reflexão sobre a reforma da Cúria, afirmou no Rio que o papa provavelmente não faria grandes viagens antes de ter resolvido essa questão. No entanto, ele é esperado em Cracóvia, na Polônia, em 2016, local anunciado da próxima Jornada Mundial da Juventude.
Tradutor: UOL

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