Segundo Roque Monteleone Neto, não há como verificar quem usou substâncias químicas no país de Bashar al Assad
Dodô Calixto e Gabriela Néspoli - OM
Monteleone Neto é médico geneticista e professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Entre 1994 e 1998, Monteleone Neto foi inspetor e perito das ONU, retornando ao órgão entre 2002 e 2007.
Veja a entrevista:
Ao recordar sua participação na missão especial no Iraque na década de 90, o especialista em armas químicas disse ver a história se repetir agora na Síria. “É o mesmo filme. Muita gente vai morrer se houver uma intervenção, pois é uma região complicada para alguém que não tem os mesmos interesses nem a mesma cultura da população local intervir.”
Risco
Monteleone Neto também afirma que as visitas das comissões técnicas da ONU às
regiões em que há a suspeita de utilização de armas químicas geralmente ocorrem
após o conflito, quando já cessaram as hostilidades entre o governo e os civis e
a ameaça de ataque aos técnicos é reduzida. Para ele, o grupo enviado à Síria
nesta última semana está sob risco, considerando que existem diversas forças
articuladas contra o governo de Assad e a situação do país é altamente
instável.O conflito no país, que já deixou mais de 100 mil mortos, se arrasta desde março de 2011. A oposição armada tenta tirar presidente do país, Bashar Al-Assad, do poder. Neste mês, o uso com armas químicas - que, segundo o governo norte-americano, está comprovado - contra a população desencadeou uma reação das potências ocidentais, que estudam um ataque contra a Síria. Os Estados Unidos e a França pressionam para uma operação militar, enquanto o Parlamento britânico já se posicionou contra uma ação. Inspetores da ONU estão no país para verificar o uso de munição química.
Roque Monteleone Neto: "Se foi o Estado Sírio [que utilizou armamentos químicos], isso desencadeia uma série de mecanismos que já estão prontos. Agora, se não foi, não há mecanismo nenhum."
Tratados Internacionais
"Em 1925, houve aquela proibição do Protocolo de Genebra, que era uma proibição de uso [de armamentos químicos] em conflitos armados entre dois estados, mas não proibia a posse. E, a partir de 1997, existe a Convenção de Proibição de Armas Químicas no âmbito das Nações Unidas, existe uma organização que toma conta dessas proibições e que está valendo até hoje. A grande maioria dos países é membro dessas duas convenções. A Síria não é. A Síria é membro do Protocolo de Genebra, mas não é membro da Convenção de Proibição de Armas Químicas. No caso específico da Síria: a Síria não é membro dessa Convenção. Todos na comunidade internacional sabem que eles têm armas químicas, assim como Israel, que também não é membro dessa Convenção e não é membro do Tratado de Não Proliferação Nuclear. Eles [Israel] não declaram, mas todo mundo sabe que eles têm armas nucleares. Então a Síria não está violando um tratado internacional porque ela não é membro."
Estado sírio e forças de oposição
"Se ela [a Síria] usou [armamento químico], aí está o Estado Sírio - e aí é que vem a confusão - se o Estado usou ele está violando a Convenção de 1925, que proíbe o uso e não a posse. Mas e se não foi Estado Sírio? E se foi um dos grupos rebeldes? Ai não tem convenção nenhuma! Não existe nenhum tipo de convenção que proíba a utilização de armamentos por grupos terroristas, não há como fiscalizar isso."
Origem do material químico
"Então surge a outra preocupação: se não foi o Estado Sírio que usou - e aí ele está sujeito à intervenção automática praticamente do Conselho de Segurança da ONU, pois ele violou uma norma internacional do qual ele é membro - se não foi, de onde veio esse material? E existem várias hipóteses pra explicar de onde pode ter vindo. Uma delas é se um grupo terrorista, dentre os vários que existem na Síria atualmente, conseguiu fabricar [armamento químico]: esta é a hipótese mais catastrófica. Pois se o grupo comprou 2,3 barris [de armamento químico] quando acaba aquilo, aí acaba todo o estoque. Agora, se o grupo aprendeu a fabricar, aí é mais complicado – muito mais complicado."
Missão Especial da ONU
"Essa equipe está lá sob o mandato do Secretário Geral da ONU – não do Conselho de Segurança da ONU. Evidente que o relatório dessa equipe vai para o Conselho de Segurança da ONU, mas primariamente ele é um relatório para o Secretário Geral da ONU. Essa missão se chama “Fact Find Mission”. É atribuição do Secretário Geral organizar uma missão como essa, que não tem como objetivo apurar os fatos, mas saber quais são os fatos. É isso que essa missão vai fazer, ela não vai determinar quem usou [armamento químico], esse é o segundo passo. Determinação de quem usou – se usou – já não corresponde ao perfil dessas pessoas que vão fazer isso [investigar se ocorreu a utilização de armas químicas]. Pois para determinar quem foi é necessário um poder de investigação de polícia praticamente, que não é o perfil dessas pessoas que estão ali para determinar se aconteceu alguma coisa."
OM: Professor, o secretário dos EUA afirma que é inegável que o governo da Síria utilizou armas químicas. Como ele chega a essa conclusão?
RMN: Bom, então, não tiram [essa conclusão]. Não tiram.
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