domingo, 1 de setembro de 2013

O abismo da guerra
Jorge Ramos - NYT                           
A guerra é o fracasso. Significa que não pudemos encontrar outra opção. Que nossa paciência e criatividade chegaram ao limite. Que, diante de nossa incapacidade de negociação, decidimos nos lançar a matar o inimigo antes que nos mate. Isso está ocorrendo tanto na Síria quanto na Colômbia e no conflito do Oriente Médio entre israelenses e palestinos.
Primeiro a Síria. Entendo a enorme resistência do presidente dos EUA, Barack Obama, a enviar tropas americanas para a guerra civil na Síria - a nação esteve travando guerras desde 2001. São terríveis as imagens de civis assassinados na Síria, particularmente as das vítimas de um ataque químico, mas hoje é impensável ver tanques e tropas americanas ali. Os EUA poderiam atuar de longe - com diplomacia, sanções, limitando com seus aviões o espaço aéreo sírio, e até com ataques de drones - mas não estão dispostos a cair outra vez no abismo da guerra.
O presidente sírio, Bashar al Assad, é implacável. Não hesitaria em destruir seu país se for necessário para se manter no poder, e, embora tenha negado, há um crescente consenso na comunidade internacional de que utilizou armas químicas contra seu próprio povo. Além disso, Assad ainda tem o apoio da Rússia, Irã e China, assim como do grupo extremista Hizbollah no Líbano. Isso complicaria qualquer intervenção militar americana. Também, alguns rebeldes contrários ao regime de Assad têm vínculos com a Al Qaeda, e tirar Assad à força significaria aliar-se com inimigos.
A Colômbia, por outro lado, está fazendo um esforço sobre-humano para sair da guerra que a oprime há mais de 50 anos. "Sangria", chamou-a o presidente Juan Manuel Santos - e tem razão. Esses são dados do relatório "Basta Colômbia": mais de 220 mil pessoas morreram (na maioria civis), 27 mil foram sequestradas, 10 mil mutiladas e quase 5 milhões desalojadas. Pode-se imaginar mais violência?
A realidade é que nenhum governo colombiano, incluindo o de Alvaro Uribe, pôde acabar pela força com as guerrilhas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. E as Farc tampouco têm o poder e o apoio popular para ganhar militarmente. Não resta outro remédio senão conversar. E isso é exatamente o que faziam ambas as partes em Cuba, até que as Farc decidiram unilateralmente dar uma "pausa" para pensar suas opções. Mas não há muito o que pensar. As opções são: a paz ou continuar se matando.
"É decepcionante percebermos a magnitude do abismo entre nós", disse Santos há pouco tempo. "Mas é exatamente porque existe esse abismo que estamos conversando."
Um abismo ainda mais profundo existe entre israelenses e palestinos. Desde antes da criação do Estado de Israel, em 1948, já estavam combatendo. Por isso é animador que, sob os auspícios do novo secretário de Estado americano, John Kerry, ambas as partes tenham aceitado iniciar conversações de paz.
Muitos já tentaram o que parece ser a negociação internacional mais difícil do planeta. O que fazer quando dois povos reclamam uma mesma cidade, Jerusalém, como capital? Como se busca apoio na região quando muitos países árabes nem sequer reconhecem a existência do Estado de Israel? A realidade é que israelenses e palestinos compartilham história e território e não podem evitar um futuro comum. São vizinhos que terão que se ver todos os dias. A pergunta é onde colocar a fronteira e quais serão as novas regras do jogo. Mas está claro que é impossível que um lado extermine o outro.
Isto me lembra uma carta de Sigmund Freud. "Os conflitos de interesses entre os seres humanos são solucionados mediante o recurso à violência", disse o fundador da psicanálise em uma fascinante carta ao cientista Albert Einstein em 1932. "É o que acontece em todo o reino animal, do qual o homem não pode se excluir."
Isto sugeriria que os seres humanos estamos condenados à guerra. Mas pouco depois o próprio Freud nos ofereceu uma saída. "A violência é vencida pela união", escreveu. E essa união se dá "quando os membros de um grupo humano reconhecem uma comunidade de interesses".
É claro que o melhor interesse de sírios, colombianos, israelenses e palestinos é viver sem o temor constante de ser atacados e reconhecendo como iguais seus antigos adversários. O que todos compartilham é que não querem morrer nas mãos do outro. E esse é um bom começo.
Não tenho muitas esperanças de que essa fórmula de paz possa se realizar na Síria enquanto Assad continuar no poder. Nem sequer uma intervenção militar americana levaria a paz à Síria. Mas em troca, sim, tenho muitas esperanças nos outros dois conflitos.

"Há uma maneira de libertar os seres humanos da fatalidade da guerra?", perguntava-se Einstein em sua correspondência com Freud. Creio que sim. Colombianos, israelenses e palestinos têm em suas mãos a maravilhosa oportunidade de nos mostrar como se sai do abismo: por meio do diálogo.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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