Chineses desistem de plantar e agora financiam e exportam soja brasileira
Empresas chinesas tentaram repetir no Brasil a experiência
que tiveram na África, de explorar as riquezas naturais, mas esbarraram
nos limites para compras de terras e agora se especializam em financiar a
produção, processar e vender soja para o exterior
Lourival Sant'Anna - O Estado de S.Paulo
Graves deficiências de infraestrutura e abundância de
recursos naturais: a China se deparou no Brasil com a combinação que
havia servido de base para a sua bem-sucedida inserção na África. Com
sua exuberância de capital, experiência em logística e mão de obra
treinada e barata, os chineses organizaram a produção e escoamento de
minérios e alimentos na África na década passada de maneira a sustentar
seu crescimento econômico, que já exauriu seus recursos naturais. Agora,
estão tentando aplicar esse modelo no Brasil.
Em sua penosa curva de aprendizagem, "os chineses estão entendendo
que aqui não é a África", observa Marcelo Duarte Monteiro, diretor
executivo da Aprosoja, que reúne os produtores de soja e milho do Mato
Grosso. Ele esteve quatro vezes na China e perdeu a conta de quantas
delegações chinesas recebeu em Cuiabá.
Inicialmente, eles chegaram com a mentalidade de comprar terras e
plantar soja, de maneira a assegurar seu abastecimento. Visitaram o sul
de Goiás e o Mato Grosso, mas resolveram fixar-se no Oeste da Bahia. O
governo baiano abriu escritório em Pequim em 2011.
Recuo. A compra de cerca de 20 mil hectares pela
Universo Verde, filial brasileira da Chongqing Grãos, suscitou
advertência da Advocacia Geral da União, e uma portaria
interministerial, em setembro de 2012, regulamentando a aquisição de
terras por estrangeiros. Enquanto eram obrigados a recuar de seu plano
de adquirir terras, os chineses perceberam que os produtores locais têm
não só uma longa experiência com a adaptação da soja à região - muito
diferente das altas latitudes chinesas, de onde o grão é originário -,
mas também capacidade de atender um aumento de demanda.
Passaram então a firmar parcerias com agricultores da região de
Barreiras, no Oeste da Bahia. Agora seu capital está sendo aplicado na
compra de sementes, fertilizantes e implementos agrícolas, que entram
como moeda na venda antecipada da produção. Depois de ouvir a Associação
de Irrigantes e Produtores da Bahia (Aiba), a Universo Verde decidiu
investir em uma planta de esmagamento de soja em Barreiras. A
terraplanagem da área onde ela será erguida já está feita. Arredios, os
chineses preferem não falar do assunto.
A China tem excedente de capacidade de esmagamento. Comercialmente,
faz mais sentido importar a soja em grão do que em óleo ou farelo. O
projeto da planta de esmagamento indica o interesse de fornecer parte
desses derivados para os mercados do Brasil e de outros países. As
americanas Bunge e Cargill já têm plantas de esmagamento na Bahia. A da
Universo Verde criará mais concorrência para os produtores venderem sua
soja, aumentará o valor agregado na economia local e gerará entre 500 e
800 empregos diretos, de acordo com Jairo Vaz, superintendente de
Política de Agronegócios da Secretaria de Agricultura da Bahia. "Os
chineses estão mapeando o Oeste da Bahia para instalar silos e armazéns
para captação de grãos e suprimento da fábrica."
Logística. Hoje, a produção do Oeste da Bahia segue
em caminhões para os portos de Santos e Paranaguá, o que encarece muito o
seu custo. Mas a expectativa é que daqui a alguns anos ela possa seguir
no sentido contrário, por meio das novas ferrovias que interligarão o
oeste e o leste aos portos do norte e nordeste, mais próximos dos
mercados dos EUA, da Europa e da China. A Universo Verde prevê a
construção de um "porto seco", que receberá os caminhões com os grãos, o
óleo e o farelo.
A curva de aprendizagem na logística tem sido acentuada. Os chineses
chegaram com a experiência da África, onde suas construtoras firmam
contratos com os governos, trazem navios com seus operários, constroem
rodovias, ferrovias e portos, vinculam esses investimentos com o
fornecimento de minério de ferro, petróleo e outros recursos naturais. E
pronto. No Brasil, encontraram um ambiente bem mais complexo: grandes
construtoras com vasta experiência internacional, mão de obra local,
decisões políticas descentralizadas em Estados e municípios, licenças
ambientais e agências reguladoras.
"É muito difícil no Brasil", suspira Li Tan, do grupo chinês Hopeful,
que planeja investir R$ 400 milhões em um terminal no porto de São
Francisco do Sul, em Santa Catarina. "Muito longo, muito complicado para
aprovar. É muito mais fácil fazer isso na China." O projeto começou em
2007. Está na fase da licença ambiental. Depois de muitas revisões no
prazo, a empresa espera que esteja pronto em dois anos.
"É bom proteger o meio ambiente", diz. "A situação do meio ambiente
na China é horrível. Pensar no meio ambiente no início é muito bom.
Vocês devem fazer isso. Mas a papelada é muito difícil. Toma muito tempo
para concluir o processo."
Li, que está baseado no Estado americano de Iowa, diz que "os Estados
Unidos também têm essas regulações, mas o processo está se acelerando e
é bem regulado". Em contrapartida: "Às vezes o mercado brasileiro não é
bem regulado, você não consegue acompanhá-lo. Você prepara um
documento, e dizem: não é esse, é aquele outro. Você faz o outro e dizem
que também não é esse, mas um outro. Algumas coisas não são claras."
O negócio do grupo é esmagar soja importada dos EUA, Brasil e
Argentina. Do Brasil, importa hoje 1,5 milhão de toneladas por ano. Seu
terminal terá capacidade de 8 milhões de toneladas por ano. "Os chineses
buscam o Brasil não mais para abastecer a China, mas como mercado
consumidor importante, e plataforma de exportação para a região", diz
Sergio Amaral, ex-ministro do Desenvolvimento e presidente do Conselho
Empresarial Brasil-China.
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