Pequenas lições para 2014
Gaudêncio Toquarto - O Estado de S.Paulo
O ano que se inicia será um dos mais competitivos das
últimas décadas. Principalmente na esfera da política. As razões apontam
para o esgotamento do nosso modelo de fazer política, a partir de
velhas práticas de campanhas eleitorais.
O desenho é carcomido pela poeira do tempo: são raros os perfis
identificados com mudanças; formas de cooptação eleitoral inspiram-se
nos eixos históricos do fisiologismo e do corporativismo, sendo tênue o
engajamento do eleitor pela via doutrinária; os eleitos, de forma geral,
acabam se distanciando das bases, deixando de lado compromissos
assumidos; a representação parlamentar, em razão do poder quase absoluto
do presidencialismo, torna-se deste refém, obrigando-se a repartir com o
Poder Executivo funções legislativas; em decorrência da ausência de
programas doutrinários, imbricam-se interesses de lideranças e partidos,
não se distinguindo diferenciais entre eles, condição essencial para
qualificar o voto. A impressão final é de que o retrato desfigurado está
a merecer urgente retoque, se não em todas as nuances da moldura, ao
menos em partes que ofereçam aparência asséptica ao edifício político.
Fichas-sujas, por exemplo, não podem continuar no mapa eleitoral.
Os ingredientes que entrarão na composição da nova tintura hão de
absorver a química de setores e categorias mais participativas,
exigentes e dispostas a enfrentar a resistência de defensores de
obsoleta arquitetura política. É oportuno lembrar que o corte da
pirâmide social não mais se assemelha a um triângulo estático. Os lados
que o integram, a partir da base, mostram-se dispostos a sair da
letargia, depois de décadas convivendo com a batelada de vírus
políticos. Os movimentos sociais e a ocupação das ruas, no ano que
findou, sinalizam a intenção de reencontrar o tempo perdido. A
coletividade parece descer do céu da abstração para ser uma força na
paisagem, fazendo valer sua determinação, princípios e valores voltados
para qualificar a vida política.
O curto dicionário abaixo poderá servir de baliza para milhares de
candidatos na tentativa de aprimorar suas relações com a comunidade
nacional.
Estado e Nação - O Estado, infelizmente, está bastante distante da
Nação com que os cidadãos sonham. A Nação é a Pátria que acolhe os
filhos, que se irmana na fé e na esperança de um futuro melhor; é o
hábitat onde as pessoas constroem os pilares da existência, constituem o
lar, prezam antepassados, cultivam tradições. O Estado é a entidade
técnico-jurídica, com seu arcabouço de Poderes, pressionada por
interesses díspares e dividida por conflitos. Aproximar o Estado da
Nação, formando o espírito nacional, constitui a missão basilar da
política. Essa meta precisa ser o centro da agenda do homem público.
Representação - A representação política é missão, não profissão. É a
lição de Aristóteles. Resgatar o verdadeiro papel da política -
trabalhar pela polis - significa clarificar o papel do representante, as
demandas das comunidades, as soluções para a melhoria dos padrões da
vida social. A política não é um balcão de negócios. As angústias
urbanas expandem-se na esteira do crescimento populacional. As
periferias não constituem massa de manobra para exploração por siglas,
líderes popularescos e oportunistas. Carecem de ações de efeito
duradouro, não de quinquilharias e coisas improvisadas. Migalhas poderão
alimentar o povo por certo tempo, nunca por todo o tempo. Um
representante do povo se preocupa com metas, programas permanentes,
medidas estruturantes.
Identidade - A identidade é a coluna vertebral de um político. É a
soma de sua história, de seu pensamento, de suas percepções e de seus
feitos. Um erro, que o tempo corrigirá, é construir a imagem
incongruente com a identidade. Camadas exageradas de verniz corroem
perfis. Dizer a verdade dá credibilidade. Os novos tempos condenam a
hipocrisia, a simulação. Corretos são conceitos como lealdade,
fidelidade, coerência, sinceridade, honestidade pessoal e senso do
dever.
Discurso - O discurso deve abrigar propostas concretas, viáveis,
simples. E, sobretudo, factíveis. A população dispõe de entidades que a
representam. Resta ao político procurar tal universo. O povo quer um
discurso sincero. Promessas mirabolantes, planos fantásticos, obras
faraônicas, de tão banalizadas, já não despertam interesse. Até as
monumentais arenas esportivas entram na lista de suspeições.
Grito das ruas - O grito das ruas faz-se ouvir nos espaços dos
Poderes em todas as instâncias. Expressam a vontade de uma nova ordem
social e política. Urge abrir os ouvidos e a mente para interpretar o
significado de cada movimento. Quem não fizer esse exercício sairá do
cenário. Uma linguagem comum se forma nos centros e nos fundões do País.
O povo sabe distinguir oportunistas de idealistas.
Sabedoria - Sabedoria não significa vivacidade. Mescla aprendizagem,
compromisso, equilíbrio, busca de conhecimentos, capacidade de
convivência, racionalidade. Não é populismo. "Espertos" que procurarão
vender gato por lebre poderão ser cozidos no caldeirão do voto.
Transparência - A era do esconderijo está agônica. Esconder
(mal)feitos é um perigo. A corrupção, mesmo dando sinais de sobrevida, é
atacada em muitas frentes. Grandes figuras foram (e continuarão a ser)
punidas. Denúncias sobre negociatas agora são objeto da lupa dos
sistemas de controle. O público e o privado começam a ter limites
controlados.
Simplicidade - Despojamento, eis um apreciado conceito. Lembrem-se do
papa Francisco. Ser simples não é pegar crianças no colo, comer
cachorro-quente na esquina ou gesticular para famílias nas calçadas. A
simplicidade está no ato de pensar, dizer e agir com naturalidade. Sem
artimanhas nem maquiagens.
Lição final do filósofo e sociólogo José Ingenieros: "Cem políticos torpes, juntos, não valem um estadista genial".
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