domingo, 1 de setembro de 2013

Brasil, a piñata bolivariana
MAC MARGOLIS- OESP
Em 2005, um golpe de estado derrubou o presidente do Equador, Lúcio Gutiérrez, provocando tumulto nas ruas. Acossado, o ex-mandatário refugiou-se na residência do embaixador brasileiro na capital equatoriana e pediu asilo político. O governo de facto do Equador queria colocá-lo na cadeia. No entanto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não titubeou. Mandou um avião da FAB buscá-lo.
Brasília não entrou no mérito do caso, muito menos solidarizou-se com Gutiérrez, sob quem pesavam acusações de corrupção. "O asilo tem como objetivo não só proteger uma pessoa que por motivos políticos se sente perseguida, mas também contribui para a paz social daquele país", disse na ocasião o chanceler Celso Amorim. Não foi compadecimento. Era o que mandava a Convenção de Caracas, de 1954, um dos três acordos que trata da questão do asilo, direito consagrado nas Américas.
O que o Brasil fará com o senador Roger Pinto? Na semana passada, o legislador boliviano, crítico visceral do presidente Evo Morales, chegou ao País depois de uma fuga cinematográfica. Ou tola, escolhe você.
Na viagem de 22 horas enfrentou nevascas andinas e o bafo do Chapare. Esse último trecho é a zona cocaleira e reduto de Evo, onde impera a lei da droga. Lá, a eventual captura de um inimigo do porte de Pinto poderia significar sua morte. Passou por cinco barreiras policiais sem ser flagrado, o que provocou boatos de uma ação combinada.
A presidente Dilma Rousseff se disse estarrecida. Oficialmente, deplorou a ação do encarregado de negócios da embaixada, Eduardo Saboia, que orquestrara a "perigosa" fuga do boliviano. A portas fechadas, ela teria se enfurecido com as declarações de Saboia, que comparou o confinamento do parlamentar com a prisão de Dilma pela ditadura militar. "A embaixada brasileira em La Paz é muito confortável", disse.
Faltou consultar o boliviano. "Motivos políticos" e medo de "perseguição", nas palavras de Celso Amorim, havia. Até meados do ano passado, o senador não arredava pé de seu país, apesar dos 20 processos que pesavam sobre ele - todos eles iniciados por aliados governistas.
No entanto, quando as ameaças legais converteram-se em ameaças de vida, ele bateu na porta da embaixada brasileira. Um dos pretendentes a algoz foi flagrado em telefonema grampeado. Outro teria desistido do crime e confessou seu plano de assassinar o senador em depoimento gravado.
Foi com esses os argumentos que o boliviano calçou seu pedido de asilo. Brasília levou 11 dias para concedê-lo. Evo não gostou e negou-lhe salvo-conduto, rasgando a Convenção de Caracas, de que seu governo é signatário há 60 anos. O impasse durou 455 dias.
Dos aposentos, equipados com cama, frigobar, mesinha e janela, o senador não podia se queixar. Contudo, cansou-se do melindre político e da paralisia diplomática que o deixaram no limbo, asilado legal, mas prisioneiro de facto, seu direito constituído em tratado internacional reduzido aos 20 metros quadrados da representação brasileira em La Paz.
Dilma afirmou que a saída afoita teria atropelado a negociação em curso entre Brasília e La Paz, uma diplomacia que só ela viu. Houve quem enxergasse inabilidade e inércia por parte do Brasil. Para outros, cheirava a indulgência. Para não contrariar o pequeno aliado andino, o Brasil, o portento da América Latina, mais uma vez, prestou-se ao papel de piñata bolivariana.
A fuga foi perigosa e, sem dúvida, quebrou a hierarquia diplomática. No entanto, também rompeu com o fazer de conta que pairava nos Andes. Já o limbo continua. O destino do parlamentar boliviano agora está na mão do Conselho Nacional para os Refugiados (Conare) e, em última instância, do próprio governo brasileiro.
E por que não? Acabou bem para outro refugiado, o italiano Cesare Battisti, que fugiu da cadeia e ganhou arrego no Brasil, apesar da condenação por quatro homicídios pela Justiça italiana. O Supremo Tribunal Federal barrou sua extradição por razões de "soberania nacional". Resta saber se Roger Pinto tem a folha corrida correta.

Nenhum comentário: