Uma fuga inédita
O Brasil deveria ter feito exigência mais enérgica da concessão de
salvo-conduto pela Bolívia, em cumprimento ao direito internacional
Luiz Felipe Lampreia - FSP
O caso da fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina é inédito na história
diplomática do Brasil.
Nunca um diplomata brasileiro tomou, como o funcionário Eduardo Saboia, de
sua própria cabeça e sem autorização nem conhecimento de seus superiores a
decisão de retirar clandestinamente do país um asilado de nossa embaixada.
Isso foi feito com graves riscos, que puseram em perigo a vida do próprio
senador boliviano, do jovem diplomata brasileiro Saboia e de seus acompanhantes.
Como disse em palavras lapidares o novo ministro das Relações Exteriores,
Luiz Alberto Figueiredo Machado: "Não estaremos num bom caminho se permitirmos
que se percam aspectos essenciais de nossa cultura institucional, como o
princípio da hierarquia. O Itamaraty que eu entendo é também aquele que atua
decisivamente no cumprimento das instruções recebidas e no estrito respeito à
lei".
Por outro lado, a questão tem um outro aspecto relevante que é a não
concessão pelo governo boliviano do salvo-conduto que permitiria ao senador
Pinto uma saída honrosa e legal. O princípio de direito internacional que rege
essa matéria é o seguinte: "O embaixador (ou o encarregado de negócios), que é a
autoridade asilante, analisará a presença de natureza política da perseguição
que sofre o asilado potencial e a atualidade do ocorrido e reclamará da
autoridade local a expedição de um salvo-conduto".
Isso foi feito, mas o governo boliviano recusou-se, durante mais de um ano e
meio, a conceder o salvo-conduto, sob alegações diversas. O novo
procurador-geral da República disse-o bem no Senado Federal: "O Estado
boliviano, para permitir a consequência lógica do que é o asilo territorial,
deveria ter concedido, sim, o salvo-conduto".
É de grande relevância registrar que existe uma Convenção sobre Asilo
Diplomático firmada em Caracas no dia 28 de março de 1954, que se acha em pleno
vigor e da qual a Bolívia é signatária desde o primeiro dia, assim como nosso
país.
Essa convenção reza que "concedido o asilo, o Estado asilante pode pedir a
saída do asilado, sendo o Estado territorial obrigado a conceder imediatamente,
salvo caso de força maior, as garantias necessárias a que se refere o artigo 5º
e o correspondente salvo-conduto".
Como o senador Roger Faria é opositor ferrenho do presidente Evo Morales, o
governo boliviano decidiu ignorar as regras do direito internacional, violando a
Convenção de Caracas de 1954.
A meu juízo, o governo brasileiro deveria ter tratado do assunto com mais
firmeza. Estando em jogo questão de tal delicadeza, impõe-se uma posição firme e
categórica. Em outras palavras: exigência mais enérgica do cumprimento do
direito internacional em seus dispositivos pertinentes.
Porém, diante do fato consumado da evasão do senador Roger Pinto com a
cooperação total de um funcionário diplomático, creio que o Itamaraty fez bem em
abrir um inquérito administrativo para apurar responsabilidades no caso. Espero,
contudo, que sejam levados em conta os atenuantes de tipo emocional que levaram
o jovem Eduardo Saboia a cometer a grave quebra das normas que disciplinam o
serviço diplomático brasileiro.
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