Europa ainda pratica o "apartheid' em vários países
Lucía Abellán e Miguel Mora - El Pais
Todos os dirigentes europeus, sem exceção, elogiaram nesta semana os
méritos de Nelson Mandela. Muitos pronunciaram frases brilhantes e
participaram dos funerais do homem que venceu o ódio racial e o
apartheid. Mas justamente na UE, onde a crise não termina, o desemprego
afeta 25 milhões de pessoas e há 80 milhões de pobres, a xenofobia e o
racismo não param de aumentar.
A viagem começa em Ostrava, na
República Checa. Aqui, as crianças ciganas são enviadas para escolas
especiais. Algumas compartilham classes com alunos incapacitados, outras
vão a colégios só para ciganos. Muitas vivem em bairros ou povoados
separados do resto da população e sem acesso aos mesmos direitos. Um
regime de apartheid. Situações semelhantes ocorrem na Hungria, onde 90%
dos ciganos estão desempregados. Na Polônia, onde muitos restaurantes
não deixam entrar romanis. Ou na Romênia, Eslováquia, Eslovênia e
Bulgária.
Miroslav Turek, pedagogo social da escola Premysla
Pittra, em Ostrava, se parece pouco com qualquer professor europeu
médio. Depois de dez anos de trabalho em uma prisão e outro período em
uma casa de acolhimento infantil, esse professor se encarrega agora do
grupo mais problemático de um colégio em que todos os alunos são
ciganos, apesar de o bairro incluir outras comunidades. Turek diz
ensinar 14 garotos entre 13 e 15 anos, embora na minúscula classe que
dirige não se vejam mais de sete. "Em novembro só houve oito dias em que
todos assistiram." Explica que trabalha com os pais para minimizar as
faltas.
À primeira vista, Premysla Pittra não é uma escola
diferente: um centro de ensino primário acolhedor, com trabalhos
infantis a enfeitar as paredes. Mas esse especialista deve se empenhar
em lições alheias ao programa educacional. "Durante três meses, por
exemplo, me dediquei a lhes mostrar a importância de trazer lápis para
as aulas", explica com admirável serenidade. O professor não se dá por
vencido. Coopera com as famílias e deixa claras as regras com métodos
simples: cartão verde na primeira infração, amarelo na segunda e a
partir daí ordem de ficar na classe depois de tocar a campainha.
Premysla Pittra é uma escola segregada: só recebe crianças ciganas, em
grande medida de entornos desfavorecidos que prejudicam seus resultados
escolares. Mas ainda existe uma opção pior para essas famílias com
problemas mais graves que a educação dos filhos. Que as crianças caiam
em escolas para "incapacidades mentais leves", como o sistema as
denomina. Devido a um perverso círculo vicioso, a maioria dos que acabam
lá são ciganos que não superaram a prova de aptidão que determina em
que escola ingressarão as crianças de 6 anos.
A maioria dos
checos escolariza seus filhos a partir dos 3 anos, etapa em que a
educação não é obrigatória. Assim, chegam treinados a esse pequeno exame
- com provas como contar até dez ou pequenos jogos de lógica. Mas os
ciganos costumam enfrentar essa avaliação com uma fase mínima de
adaptação anterior à escola. Por isso, muitos não passam e acabam
ingressando no que as autoridades denominam de maneira eufemística
escolas práticas. Os dados oficiais afirmam que 3% das crianças entram
nelas por ano, embora se recusem a definir a proporção de ciganos. "Não
podemos armazenar os dados por raça. Seria discriminatório", alega
Martin Stepanek, vice-prefeito de Ostrava encarregado da educação.
A segregação nas escolas é um problema que afeta toda a Europa
oriental. E emerge como símbolo de um mal maior que já percorre todo o
continente: o ódio às minorias, sendo os ciganos, árabes, judeus e
negros as comunidades mais perseguidas.
Do outro lado da Europa,
na Holanda, Áustria, França, Bélgica ou Reino Unido, o poder político
há alguns anos tenta transformar as exíguas minorias ciganas no bode
expiatório da crise, ou da gestão da crise. Silvio Berlusconi abriu fogo
em 2008, aos recensear e expulsar em massa os ciganos da Itália;
Nicolas Sarkozy assumiu o posto em 2010 e hoje o vírus contagiou os
"supostos" progressistas.
Assim, o apartheid econômico e racial e
o ódio do diferente começam a ser um sinal de identidade em muitos dos
28 países da UE. O fenômeno preocupa alguns observadores. Segundo
escreveu o filósofo francês Christian Salmon, "a política está sendo
devorada pela xenofobia inerente ao sistema econômico neoliberal". Na
França e no Reino Unido, as pulsões xenófobas chegaram da
extrema-direita à cúpula do Estado. O sociólogo francês Eric Fassin
explica que as diatribes do ministro do Interior, Manuel Valls, contra
os romanis "legitimam o discurso racista da Frente Nacional e tentam
fazer os eleitores esquecerem que o governo socialista faz a mesma
política econômica que Sarkozy". O Executivo socialista leva meses
derrubando barracos de cidadãos europeus (ciganos) sem realojar seus 17
mil ocupantes - a metade crianças -, descumprindo assim a promessa
eleitoral de François Hollande, as normas internacionais e a circular do
Interior de agosto de 2012. A ideia era tratar com humanidade e firmeza
as populações "precárias". Só fica a firmeza.
Em paralelo, os
racistas deram um passo à frente e ocuparam as ruas, as redes sociais e a
mídia. A ministra da Justiça francesa, a guianense Christiane Taubira,
foi comparada a um macaco por uma ex-candidata da Frente Nacional, por
uma menina de 12 anos em um protesto contra o casamento gay e por uma
revista de extrema-direita. Os ataques da direita populista contra a
comunidade muçulmana já são tão comuns que não são notícia. A novidade é
que, segundo uma recente pesquisa da Agência de Direitos Fundamentais,
85% dos judeus franceses creem que o antissemitismo é um problema em seu
país, contra 66% da média europeia.
O porta-voz da União de
Estudantes Judeus da França (UEJF), Elie Petit, comenta: "O discurso
antissemita se legitimou e corre livre pelas redes sociais. É como se a
linguagem dos anos 1930 voltasse a estar na moda. Mas o mais grave é que
as ideias xenófobas calam entre os jovens: 40% dos franceses entre 18 e
25 anos se declaram dispostos a votar na extrema-direita nas eleições
europeias" de maio.
No Reino Unido, a coisa parecia ir melhor.
Mas há alguns dias o primeiro-ministro David Cameron embarcou na onda
anticigana com um artigo no "Financial Times" no qual anunciava que
exigirá da Europa medidas para regular a imigração e referia-se aos
"nômades" romenos e búlgaros dizendo que seu governo lhes negará os
direitos que concede a outros migrantes, como as ajudas sociais para
moradia e desemprego. Cameron recorreu ao eufemismo ao escrever que
Londres deportará os "imigrantes europeus que peçam esmola ou durmam na
rua".
Em tempos de ódio ao diferente, os negros vivem situações
semelhantes às dos ciganos e dos judeus: a rejeição imediata à primeira
vista e identificação com os clichês que sempre os acompanharam. "O
negro é tachado de preguiçoso ou irracional. E o estereótipo não
desaparece nem quando são ricos", explica Omar Ba, responsável pela
Plataforma Africana em Antuérpia, próspera cidade belga que vive seu
particular receio das minorias. Neste caso, a base não é tanto econômica
quanto de identidade nacional: o nacionalismo flamenco endurece os
critérios para ter acesso a certos benefícios com requisitos como o
conhecimento da língua, o holandês.
Ba alerta que a
extrema-direita está se aproximando da população média, ao mesmo tempo
que os partidos majoritários imitam os discursos radicais. "Com a crise,
os políticos demonstraram sua incapacidade. Assim, como não é fácil
encontrar culpados e a cidadania está frustrada, jogam a carta do
estrangeiro. Mas é preciso ter cuidado. Antes da Segunda Guerra Mundial
havia esse mesmo discurso", previne esse belga eloquente, procedente do
Senegal, que relata problemas de acesso a alguns serviços que só são
solucionados quando aparece sua esposa, de origem belga.
Talvez
os líderes das velhas democracias se inspirem no que acontece no leste
da Europa? No bloco do "capitalismo tardio" reside a maior parte dos 8
ou 10 milhões de europeus ciganos, e a palavra "romani" se conjuga com
pobreza, desemprego e perseguição. Ali, manifestar em público o ódio aos
ciganos - e de forma crescente aos judeus - é cada vez mais rentável.
Na Eslováquia, por exemplo, um neofascista acaba de ganhar eleições
regionais com um vasto programa político - como ironizou De Gaulle: pôr
os ciganos para realizar trabalhos forçados. As eleições de Banska
Bystrica transformaram em presidente desta região, que em 1944 se
levantou contra os nazistas, Marian Kotleba, que baseou sua campanha em
dois elementos: denunciar a corrupção e acabar com o "parasitismo
cigano", suprimindo as ajudas sociais aos romanis e enviando-os para
reconstruir as estradas. Segundo Peter Pollak, alto representante
eslovaco para a questão cigana, 40% dos romanis do país vivem em guetos,
contra 20% uma década atrás.
O êxito de Kotleba lembra a Europa
dos anos sombrios. Fundador em 2003 de um pequeno grupo violento
chamado Comunidade Eslovaca, Kotleba foi preso várias vezes por desfilar
pelos guetos ciganos com um uniforme igual ao da guarda do sacerdote
Andrej Hlinka, a milícia clerical fascista que monsenhor Josef Tiso
lideraria entre 1939 e 1945.
Em Ostrava, uma cidade média de
antigo esplendor industrial onde os ciganos vivem em bairros muito
desfavorecidos, o apartheid escolar das crianças ganhou destaque em 2006
porque algumas famílias levaram o caso ao Tribunal Europeu de Direitos
Humanos. Este sentenciou que o sistema educacional incorria em uma
discriminação indireta ao orientar as crianças majoritariamente para
essas escolas de nível inferior. E obrigou o Estado a indenizar os
demandantes.
Apesar da decisão, as coisas pouco mudaram.
"Inclusive a comunidade cigana tem a impressão de que é pior agora,
porque estão mais conscientizados", explica Kumar Vishwanathan,
responsável pela ONG Vivendo Juntos, que liderou todo o processo. Essa
organização promove a convivência de "ciganos e brancos" em várias
comunidades de Ostrava, com bons resultados de integração. Renata
Gaziova dirige uma delas. "Apenas 3% das crianças ciganas vão a boas
escolas; o resto é segregado", explica esta romani que é taxativa na
hora de definir o que as crianças aprendem nas escolas que se afastam do
cânone: "Nada. Conheço uma menina de 15 anos que não sabe ler nem
escrever o próprio nome", relata.
As famílias têm dificuldade
para se afastar do destino definido pelo sistema. "Gostaria de dar a
meus filhos a liberdade de terem sido médicos, por exemplo, mas na
escola já lhes dizem que não podem. Por isso eu mesma recomendo a um
deles que seja cozinheiro. Pelo menos eu posso lhe ensinar!", brinca
Iveta Kroscenova, mãe de nove filhos, cinco deles matriculados em
escolas segregadas. A seu lado, Jolana Smarhovycová, ativista para a
integração dos ciganos, explica que sua filha frequentava uma escola
normal, mas a puseram em uma classe em que só havia ciganos. Quando
perguntou a razão, a mudaram. "Então se transformou na única menina
cigana de sua classe. Afinal nos mudamos", explica. Seu sobrinho
Kristian não teve tanta sorte. Terminou com boas notas em uma escola
para meninos com dificuldades de aprendizado, mas ao sair percebeu que
seu preparo não permitia seu acesso à educação secundária.
Esse é
o círculo em que são envolvidos os ciganos, que costumam percorrer o
mesmo caminho de pobreza e marginalização que seus pais. O vice-prefeito
Stepanek se defende: "Vão a escolas nas quais só há ciganos por
critérios de proximidade. E quanto a escolarizá-los em colégios
especiais são os psicólogos que decidem".
Na Hungria, os ciganos
estão habituados a ouvir essas desculpas e outras piores. Os dados
desenham uma situação de profunda marginalização. Segundo um coletivo de
ONGs, o índice de desemprego entre o coletivo supera 90%, enquanto o
desemprego entre a população não cigana é de 11%. Além disso, 40% dos 10
milhões de húngaros vivem abaixo do limite de pobreza; quase um milhão
deles são ciganos. Apesar da violência desses números, a voz da minoria
romani é quase inaudível. Mas alguns começam a se organizar.
Estamos em Budapeste, capital de um país onde há 70 anos 500 mil judeus e
100 mil romanis foram assassinados pelos nazistas com a colaboração do
regime fascista do almirante Miklós Horthy. Aqui acaba de nascer o
Partido Cigano da Hungria (MCP), que já afirma ter 5 mil militantes e
pretende se apresentar nas eleições legislativas e europeias de 2014.
Aladár Horváth, seu porta-voz e presidente da Associação para os
Direitos dos Ciganos, explica que a situação dos romanis se deteriorou
com o governo do populista Viktor Orban: "A discriminação racial e
social está institucionalizada no governo e é onipresente na mídia".
Apesar de seu nome, o Partido Cigano quer representar "todos os pobres,
porque hoje, aos olhos do poder, tudo o que é pobre é cigano",
acrescenta Horváth.
Curiosamente, o ideólogo e vice-presidente
do Partido Cigano não é cigano, e sim judeu: o aguerrido e lúcido
militante antifascista Sandor Szoke. Roteirista e escritor, Szoke ajuda
os ciganos a repelir os ataques dos paramilitares do partido neonazista
Jobbik, a terceira força política do país, que tem 44 deputados de um
total de 386 e se diverte semeando o pânico na comunidade romani e
agredindo os judeus, por enquanto só verbalmente.
Szoke conta
que começou a ajudar os romanis a enfrentar os "skinheads" há seis anos,
"porque tinha que haver algum branco entre eles para defendê-los".
Enquanto come uma truta no decadente café Astoria de Budapeste,
reconhece que fundar um partido cigano "não é a melhor ideia, mas não há
alternativa: não há uma esquerda que os defenda, o consenso na fobia é
absoluto".
Desde 1989, quando caiu o Muro de Berlim, a situação
dos ciganos se transformou em desastre. "Eles eram os únicos que viviam
melhor que hoje sob o comunismo. Como em outros países do bloco, a
indústria estatal artificialmente sustentada desmoronou, deixando-os sem
sua principal fonte de trabalho. Muitos romanis húngaros eram
mão-de-obra dessas fábricas. Naquele momento a indigência era proibida e
o desemprego, ilegal. Se alguém passasse mais de três meses sem
trabalhar era denunciado como 'parasita e fugitivo do trabalho'. Por
isso, quando caiu o muro, os ciganos voltaram a ser vistos como
criminosos, assim como antes da Segunda Guerra Mundial. Hoje continua
sendo assim." Há uma segunda razão, acrescenta Szoke. A involução
democrática. "Orban partiu dos anos 1980, depois retrocedeu aos 60 e
agora vamos de cabeça para a sociedade adormecida, feudal e clientelista
da Hungria de 1918 a 1944, a do nascimento do fascismo."
A
última reforma promovida pelo governo é a da educação, que reduziu em
dois anos, para 14, a idade obrigatória de escolaridade. "A ideia é
brilhante, copiada do comunismo: criar uma força de trabalho cigana de
baixo custo. Agora os obrigam a viver em povoados divididos pela metade:
uma parte cigana e outra branca. Em Budapeste vivem em dois guetos
porque ninguém lhes aluga apartamentos e não têm acesso ao mercado de
trabalho. Estão como os árabes na França nos anos 1970, fora do sistema.
Agora Orban lhes oferece trabalho por 120 euros ao mês. Se recusarem,
os deixam três anos sem ajudas sociais nem seguridade social."
A
preocupação também é palpável entre os judeus húngaros, a elite social e
econômica, que reside majoritariamente na capital. Todos os
entrevistados em Budapeste contam que têm amigos de famílias judias que
emigraram. Os episódios antissemitas, dizem, ocorrem com cada vez mais
assiduidade. "Ainda não nos agridem, como aos ciganos, mas os ataques
verbais são constantes e há pessoas que se foram de Budapeste e outras
que hesitam em fazê-lo", diz Anna Szeslzer, uma mulher risonha, laica e
nada dramática, que fundou a escola particular Lauder de Budapeste em
1990 e se aposentou há alguns meses da direção do colégio. "Em dois anos
perdemos 28 alunos, uma classe inteira", explica com um sorriso amargo.
"E paradoxalmente agora temos listas de espera, talvez porque os
ataques ajudem a despertar a consciência judia."
O assédio e a
diáspora incipiente - que alguns preferem atribuir só à crise - são
entendidas com um acontecimento recente. Antes do verão, um importante
dirigente do Jobbik, Márton Gyöngyösi, pediu no Parlamento que se
elaborem listas dos judeus, "sobretudo os que estão no governo e no
Parlamento, porque representam um risco para a segurança do país",
disse. Agora, Gyöngyösi declina um convite deste jornal para se
explicar. O governo de Orban condenou suas palavras e afirmou que toma
"as mais estritas medidas contra toda forma de racismo e de
comportamento antissemita". Mas a comunidade judia não vê isso tão
claro, diz em Nova York Esther Susán, uma jovem que decidiu deixar seu
país. "Parti temporariamente, não por causa do antissemitismo, mas por
tudo o que aconteceu no país nos últimos dois anos. Não creio que eu
tenha um futuro ali, mas não só por ser judia." De Barcelona, David
Stoleru, diretor do programa The Beit Project, que conta o Holocausto
por colégios de toda a Europa, afirma que "a Hungria está emitindo uma
luz vermelha muito intensa".
Daniel Bodnar, presidente da
Fundação Ação e Proteção (FAP), a primeira associação húngara contra o
antissemitismo, não parece sentir medo e entra no café Astoria
sorridente. Conta que a FAP detectou "há um ano em meio" o mal-estar da
comunidade judia e há oito meses analisa as razões. "Noventa e nove por
cento dos ataques são verbais. Esse assédio é superior à média europeia,
mas em troca não há ataques físicos; 90% dos ataques procedem da
política." "E o maior problema é que a justiça não age. Eu denunciei 29
ataques nos últimos seis meses e só um acabou em processo. A culpa é dos
promotores e da polícia. Desde 1990 na Hungria só houve duas sentenças
por antissemitismo."
Outro jovem ativista, Adam Schonberger,
líder do movimento Marom, que promove as culturas das minorias, atribui o
aumento da xenofobia à desinformação e à pobreza. "Não é só culpa de
Orban e do Jobbik; a mídia, a crise e a falta de reação das associações
judaicas também têm seu papel. Estamos há seis ou sete anos assim.
Londres já é a terceira cidade húngara e o antissemitismo existe há
muito tempo, mas o discurso se expande porque os políticos se calam. O
antissemitismo é popular."
Nas sinagogas de Budapeste se respira
um ambiente de tensa tranquilidade, ou de tensão resignada. Um jovem
rabino de Buda, Tamas Vero, conta que "algumas famílias do bairro foram
para Israel e outras para Viena e Berlim", e que sua mulher também quer
ir "por causa das meninas", porque nos livros escolares os judeus não
existem e "porque diz que estamos outra vez em 1933". O rabino tenta
descontrair sua esposa, mas admite que nas sextas-feiras jovens se
concentram diante da sinagoga fazendo a saudação nazista. "Digo a ela
que o capitão é o último que abandona o barco, e que não é verdade que a
Hungria nos odeia, mas o que posso fazer? Ela tem razão em uma coisa: o
Estado e Orban não nos protegem o suficiente. Em todo caso, eu ainda
passeio tranquilo pelo bairro com meu quipá, embora em certos lugares o
use embaixo do gorro. Mas seu primeiro alvo são os ciganos."
Do
outro lado do Danúbio, outro jovem rabino, Istvan Horvath, recebe o
jornalista na porta da grande sinagoga de Pest. Quando entra no
escritório, tira o gorro e aparece o quipá. Horvath está preocupado com
"a escuridão espiritual" que assola os jovens europeus e com a "escassa
consciência" dos judeus húngaros. "Meus pais são laicos e ignoram quase
tudo sobre o judaísmo. Como tantos que sobreviveram ao Holocausto,
esconderam sua origem durante anos. Minha avó dizia: 'Somos todos
iguais'. Talvez porque perdeu a fé em Auschwitz, onde morreram 28
membros da família. Creio que cabe aos netos tentar reforçar o
significado dessa identidade perdida. E é um trabalho muito duro. Porque
não é verdade que os ataques do Jobbik, que são nazistas de coração,
reforcem o sentimento de pertencer à comunidade judaica. Ao contrário."
Quando lhe pergunto se a Europa está voltando a seu passado mais
obscuro, o jovem rabino responde: "Às vezes se parece com o que
aconteceu há 70 anos. Mas não é igual. Hoje temos recursos que na época
não tínhamos. Aqui há oito ou dez associações judaicas, e existe a União
Europeia". Sim, mas os ciganos são atacados fisicamente... "Essa é a
grande vergonha. Ninguém faz nada para ajudá-los, incluindo eu. Por
isso, quando ouço um judeu discutir com eles, grito e choro."
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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