Katrin Bennhold - NYT
Jacek Bednarczyk/Efe
Jacek Bednarczyk/Efe
Centenas de pobres e moradores de rua recebem alimentação no centro de Cracóvia, na Polônia. Imagem de 22/12/13
Para os colegas que trabalham com Charlotte Burton em uma creche, ela é
uma mulher independente que trabalha em tempo integral e se vira muito
bem. Eles admiram Charlotte pelo fato de ela ir de bicicleta para o
trabalho nesta época do ano, quando os ventos frios não param de soprar e
o rio Hull transborda com a água da chuva, engolindo de maneira
intermitente algumas regiões de Hull, cidade localizada no nordeste da
Inglaterra.Apenas a mãe de Charlotte sabe que ela – que é solteira e tem 34 anos – vai de bicicleta para o trabalho por não poder pagar pelos US$ 4,75 da passagem de ônibus. Ela se encolhe debaixo do cobertor à noite para economizar na conta de gás (combustível que alimenta o aquecedor) e, recentemente, começou a depender de um banco de alimentos local, pois perto do final de cada mês Charlotte estava comendo apenas uma refeição por dia – principalmente massas ou pão, o que quer enchesse mais sua barriga.
"Eu tinha fome", disse ela em uma manhã recente em sua cozinha, enquanto mexia em um pedaço de papel coberto por números. As despesas mensais de Charlotte incluem aluguel, conta de gás, conta de luz, impostos, as prestações de um aparelho de TV e uma dívida que ela contraiu. Após pagar por tudo isso, só lhe sobram de US$ 100 por mês para a alimentação.
Os trabalhadores pobres, que há muito tempo fazem parte da paisagem social dos Estados Unidos, estão se tornando mais comuns deste lado do Atlântico. À medida que o contingente de pobres aumenta na Inglaterra, o mesmo acontece com a fome – sensação que Charlotte descreve mais como um incômodo, e não como uma dor propriamente dita, como uma obsessão que consome todos os pensamentos e a energia dela. Atualmente, a fome não se restringe mais aos desabrigados ou àqueles que lutam para fazer face às despesas mensais apenas com a ajuda dos benefícios sociais concedidos pela sexta economia mais rica do mundo, relatam instituições de caridade, economistas e até mesmo alguns membros do Partido Conservador do primeiro-ministro David Cameron.
Na Grã-Bretanha, os últimos cinco anos de fraco desempenho econômico, de austeridade e de aumento dos preços deixaram sua marca: a renda média por hora subiu apenas 7%, enquanto o custo de vida avançou quase 20%, fazendo com que pelo menos 500 mil britânicos passassem a depender de programas de assistência alimentar, contingente três vezes maior do que o registrado há um ano, de acordo com a Trussell Trust, uma instituição de caridade cristã que administra uma rede de mais de 400 bancos de alimentos. A entidade diz que o número de pessoas que foram alimentadas por ela durante o período de oito meses entre abril e novembro do ano passado aumentou vinte vezes desde o início da crise financeira de 2008.
Geralmente, os bancos de alimentos distribuem comida de graça ou com grandes descontos para pessoas enviadas a eles por agências governamentais. Esses bancos surgiram em lugares improváveis, que vão desde cidades-dormitório do sul da Inglaterra até Westminster, a poucos metros do Palácio de Buckingham. O parlamentar conservador Steve Baker diz que uma em cada cinco crianças que vivem em Wycombe, seu distrito eleitoral, localizado no sul do país, vai para a cama com fome. Segundo Baker, esse número é uma "crítica escandalosa à rede de seguridade social que é o estado de bem-estar".
Hull, cidade natal do abolicionista William Wilberforce, que viveu no século 18, e da banda de rock The Housemartins, já abrigou uma próspera indústria pesqueira e um movimentado porto. Sucessivas ondas de imigrantes originárias do Leste Europeu, cujo destino final era a cidade de Nova York, já passaram por Hull a caminho de Liverpool – e alguns desses imigrantes ficaram por aqui. Hoje, em termos per capita, a cidade tem o maior número de requerentes de seguro- desemprego da Inglaterra. Mais de uma em cada três crianças da cidade vivem abaixo da linha da pobreza.
A reputação da cidade nunca foi muito boa. "Deus me livre de Hull, do inferno ("Hell" em inglês, para compor o trocadilho) e de Halifax", diz o refrão de um poema escrito em 1622. Mais de uma vez, Hull foi eleita como o pior lugar para se viver na Grã-Bretanha.
Mas as coisas têm melhorado recentemente. Em um antigo mercado de frutas localizado no estuário Humber, região à beira-mar que está se valorizando rapidamente, galerias de arte e casas de shows modernosas ajudaram Hull a ganhar o título de próxima "Cidade da Cultura" da Grã-Bretanha, em 2017. Mas, até agora, pouco dessa regeneração contaminou o restante da cidade.
O banco de alimentos local de Burton é abastecido por uma instituição de caridade que, até quatro anos atrás, enviava comida apenas para países em desenvolvimento, como Serra Leoa. Hoje, 80% de seu trabalho é realizado na Grã-Bretanha.
"Eu nunca pensei que faria isso no meu país, na minha própria cidade", disse Colin Raine, um dos fundadores da instituição de caridade Real Aid, que começou a operar em 2001.
A Real Aid abastece meia dúzia de centros comunitários de Hull, mas também administra seu próprio banco de alimentos na cidade vizinha de Bridlington, uma estância balneária decadente que perdeu a maior parte de seus visitantes para pacotes de férias baratos cujo destino é o sul da Europa. Três em cada quatro usuários dos bancos de alimentos daqui trabalham, disse Killick. Há alguns usuários fixos, mas outros provavelmente são vítimas de circunstâncias excepcionais, como doenças ou uma despesa inesperada com um encanamento quebrado.
Segundo ele, a grande maioria se sente profundamente constrangida de usar o banco. Killick acrescentou ainda que "as pessoas dessas regiões são muito orgulhosas".
Em uma recente manhã , uma fila se formou do lado de fora uma pequena sala localizada em cima de uma loja incrustada em uma galeria da era vitoriana. Entre os que aguardavam na fila, estava um balconista de loja, o empregado de um restaurante e uma avó que toma conta de seu neto durante o dia e tem vergonha demais para dizer à filha que não tem dinheiro para comprar comida para o menino.
Eles pagam cerca de US$ 2,50 por mercadorias que custariam mais de US$ 30 em um supermercado normal – valor que é um pagamento simbólico, mas que importa para essas pessoas. "Dessa forma, a coisa toda não parece tanto com caridade", disse Karen Farrow, 24, que veio com sua filha de 3 anos de idade, Imogen.
Timidamente, Karen serviu-se de batatas, leite, feijão enlatado, cereais e sabão. Essa foi a primeira visita dela ao banco de alimentos. Karen, que atua como trabalhadora sazonal em um restaurante de praia local, fica sem trabalho entre novembro e março. Duas semanas atrás, seu companheiro a abandonou. Sua solicitação de seguro-desemprego está sendo processada e ela já se candidatou a outros empregos. Mas, nesse meio tempo, "não há nada na minha geladeira", segundo ela.
Poucos aqui notaram a recuperação econômica sobre a qual os políticos de Londres se vangloriam. A economia britânica deverá crescer 2,4% este ano. A taxa nacional de desemprego recuou para 7,4%, o nível mais baixo desde 2009 – mas aqui em Hull a taxa permanece teimosamente alta, em cerca de 15%.
Jennifer Scales, 66, tem ido ao banco todas as semanas desde junho do ano passado. Ela pega comida para sua filha Lindsey, que é mãe solteira e trabalha como administradora em uma repartição pública local. Recentemente, Lindsey teve seu primeiro aumento salarial dos últimos cinco anos, mas ainda não ganha o suficiente para que o salário dure o mês inteiro, disse Scales.
"Nós sempre pensamos que, se trabalhássemos duro, as coisas iam melhorar", disse ela. "Mas esse já não parece ser o caso hoje em dia".
Tradutor: Cláudia Gonçalves
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