Realidade e fantasia
Merval Pereira - O Globo
A presidente utilizou um
jargão militar autoritário para se colocar como a defensora do país
contra aqueles críticos, que seriam os antipatrióticos. Não é a primeira
vez que ela ou seu mentor político Lula utilizam esse truque vulgar
para acusar a oposição de estar trabalhando contra o país, confundindo
propositalmente a facção que está no governo em termos provisórios com o
Estado brasileiro.
É natural que um partido político queira se
manter no poder o mais tempo possível, mas a alternância no poder é uma
das características mais fortes das democracias. Anos eleitorais trazem
necessariamente a expectativa de mudanças, mesmo quando, como agora, o
partido governista esteja em posição vantajosa na disputa presidencial.
Por
isso, a mensagem de fim de ano da presidente Dilma, marcadamente
eleitoral, não trouxe alento para quem espera mudanças de rumo. Desse
ponto de vista o discurso vai de encontro ao desejo expresso da maioria,
que quer mudanças, como demonstram as mesmas pesquisas de opinião que
apontam Dilma como a favorita na eleição de outubro.
Assim como
os principais candidatos oposicionistas Aécio Neves, do PSDB, e Eduardo
Campos, do PSB devem procurar sintonia com esse desejo de mudança para
terem alguma possibilidade eleitoral, a presidente Dilma também deveria
estar atenta a essa necessidade de sintonia com esse anseio, sob o risco
de perder uma eleição que parece ganha nove meses antes das urnas serem
fechadas.
Acusar seus críticos de “guerra psicológica” diante
de fatos tão claros só demonstra teimosia e malícia, confirmando um dos
traços de sua personalidade mais prejudiciais à boa governança, e
colocando no tabuleiro um toque de distorção política que não constava
de seu cardápio.
Não se pede que a presidente, em pleno ano
eleitoral, reconheça que a média de crescimento do PIB sob sua gestão é a
menor dos últimos 20 anos, nem que a inflação continua na realidade
furando o teto da meta, o que só não acontece no cenário oficial por que
os preços administrados estão contidos artificialmente.
Na
campanha eleitoral talvez seja um recurso eficiente dizer que a inflação
está dentro da meta, quando o objetivo deveria ser mantê-la no centro
da meta de 4,5\%, já excessivamente alta, mas não vai ser possível
convencer o mercado financeiro de que esse ponto está sob controle.
Também
não é possível aceitar que venha a público dizer que o superávit
primário está sendo cumprido, quando se sabe que o do ano que acabou,
mesmo minguante, só foi alcançado com verbas extras que entraram no
caixa do governo no final do exercício, depois de vários truques de
contabilidade criativa durante o ano.
Vai ser difícil para a
presidente Dilma repetir esse discurso ufanista em Davos, diante dos
maiores investidores internacionais, sem aprofundar mais ainda as
desconfianças. Os fatos mostram que países emergentes crescem mais que
nós, com menos inflação. As pesquisas sobre produtividade revelam o país
empacado, sem condições de avançar num campo fundamental da
competitividade do mundo globalizado por que questões básicas como a
melhoria da educação não foram atacadas.
Classifiquei no início
da coluna de “ousada” a decisão da presidente Dilma de ir a Davos não
apenas devido à reação dos seus radicais, mas, sobretudo, por causa de
suas próprias convicções pessoais.
Diferentemente de Lula,
pragmático e sem ideologias que se sentia muito bem como atração do
Fórum Econômico Mundial, a presidente Dilma tem convicções ideológicas
mais firmes, que a impediam até pouco tempo de privatizar setores
importantes da infraestrutura do país, e não deve se sentir à vontade
naquele palco.
No entanto, tapou o nariz e decidiu viajar para
fazer a sua “Carta ao povo brasileiro” no centro das grandes decisões do
capitalismo globalizado. Mas vai precisar mais de ações que de
promessas. Mais de realismo que de fantasias.
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