domingo, 5 de janeiro de 2014

Fazendo o diabo
O Estado de S.Paulo
A composição do primeiro escalão de governo objetiva colocar na administração pública os melhores quadros disponíveis para que o Executivo se desincumba, da maneira mais eficiente possível, de suas enormes responsabilidades de planejamento e execução de projetos e programas em todas as áreas. Assim, habilitação para o planejamento técnico, capacidade de gestão e um mínimo de representatividade e habilidade políticas são as qualificações necessárias para qualquer candidato a um cargo de ministro de Estado. E, nas condições de temperatura e pressão em que vivemos, é extremamente desejável que o candidato preencha também o quesito honestidade, que não pode ser considerada qualidade, mas obrigação.
É o que o senso comum parece recomendar. Mas não é o que a presidente Dilma Rousseff tem em mente, segundo informam os jornais.
Com a troca de ministros necessária para substituir aqueles que se desincompatibilizarão para serem candidatos em outubro, o governo petista pretende contemplar com Ministérios quatro novos partidos que aliciou mais recentemente para a base aliada, que contaria com 12 legendas. Isso garantirá um aumento de 50% no tempo de exposição no rádio e na TV que a candidatura petista à Presidência já tem assegurado. Com as novas adesões, PT e aliados disporão de quase metade (48,9%) do tempo em todos os blocos da propaganda dita gratuita. Esses blocos têm a duração de 25 minutos. Se conseguir o que almeja, Dilma disporá de 12 minutos em cada um. Um recorde na história das eleições presidenciais.
Nessas condições, a reforma ministerial esperada no máximo até março levará para o primeiro escalão do governo petista - como, na verdade, em grande medida já ocorre - não exatamente homens públicos técnica, gerencial e politicamente credenciados a bem exercer sua missão, mas, prioritariamente, pessoas que carreiam segundos e minutos para a propaganda eleitoral da presidente candidata. Isso pode vir a se tornar um problema maior para um governo que já enfrenta enormes dificuldades técnicas e gerenciais para cumprir as metas de suas iniciativas prioritárias. É praticamente impossível encontrar obras federais em andamento dentro do prazo, o que implica, quase sempre, revisão de custos para cima.
Além do prejuízo para o andamento das realizações governamentais provocado pela incompetência técnica e gerencial de uma máquina partidariamente aparelhada, outro enorme ônus que recai diretamente sobre os ombros de todos os brasileiros, indistintamente, é o altíssimo custo de uma corrupção endêmica que só não é encontrada onde não é procurada. É claro que a corrupção no governo não é invenção do PT, que se criou politicamente combatendo-a com dureza e prometendo moralizar a prática da política no dia em que chegasse ao poder. Em recente evento em São Paulo, Dilma deixou-se fotografar tendo como papagaio de pirata um sorridente Paulo Maluf ali mesmo vaiado todas as vezes em que teve seu nome mencionado. É a melhor ilustração daquilo em que o pragmatismo petista transformou uma praga que se comprometera a dizimar.
Mas a montagem desse novo Ministério pró-eleitoral não deverá criar problemas de consciência para a chefe do governo, que não se pejou, logo em seu segundo ano de governo, de anular quase que completamente a "faxina" com a qual, um ano antes, havia aliviado o primeiro escalão governamental dos principais alvos de denúncias de corrupção - todos eles, sugestivamente, herdados de seu antecessor. Como esse expurgo era um perigoso ponto fora da curva na trajetória de pragmatismo político imposto ao País pelo novo PT de Lula, este mesmo se incumbiu de fazer ver à sucessora desobediente que as novas diretrizes petistas deveriam ser respeitadas por todos, sem exceção. E não se falou mais nisso.
Essa próxima reforma ministerial poderá dar uma boa ideia do que Dilma queria dizer quando admitiu que, na hora da eleição, faz-se "o diabo".

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