segunda-feira, 29 de julho de 2013

Após venda, gigante da imprensa dá as costas ao jornalismo
Stefan Schultz, Vanessa Steinmetz e Christian Teevs - Der SpiegelNa quinta-feira (25/7) de manhã, o clima no hall de entrada do edifício Axel Springer, em Hamburgo, era de descrença. Os funcionários estavam reunidos no mesmo átrio onde celebraram a festa de Natal apenas alguns meses atrás. Mas, desta vez, eles não vieram para comemorar.
Isso não vai ser fácil, advertiu Andreas Wiele, executivo sênior da Axel Springer, a maior editora de jornais da Europa, antes de dar a notícia de que a empresa venderá uma parte de seus jornais regionais e revistas femininas e de TV para a Funke Mediengruppe, de forma que a empresa possa se concentrar nas mídias digitais. "Bild der Frau", "Hörzu" e o "Hamburger Abendblatt", um importante jornal regional com circulação de cerca de 200 mil exemplares, estão entre as publicações incluídas no negócio.
Segundo a equipe, Wiele fez um esforço para mostrar preocupação com a sua situação, mas muitos sentiram que a decisão da empresa exibiu um completo desrespeito pelos funcionários. Wiele foi vaiado quando agradeceu os funcionários por seus anos de serviço, enquanto o conselho dos trabalhadores foi aplaudido quando discursou contra os gestores.
Mesmo muitos executivos ficaram surpresos ao ouvir que a Springer está se afastando da indústria de impressão, dizem especialistas. Na verdade, a mudança de foco está em consonância com a nova estratégia do CEO Mathias Döpfner. A reformulação da empresa, projetada para aumentar a rentabilidade e os preços das ações, não apenas foi bem-sucedida até agora, mas também equivaleu a uma sentença: a terceira maior empresa de mídia na Alemanha aparentemente perdeu a fé na rentabilidade do jornalismo.

Fim gradual

A Alemanha testemunhou a morte de uma série de jornais impressos tradicionais nos últimos anos, com o "Financial Times Deutschland" e o "Frankfurter Rundschau" pedindo falência só em 2012, assim como a agência de notícias Dapd. Döpfner quer evitar que a Springer sofra um destino semelhante.
Apesar de a maior parte das publicações que vendeu para a Funke ainda ser rentável --com exceção do jornal "Berliner Morgenpost"--, todas estão enfrentando uma redução no número de leitores, na medida em que o público se volta para a internet e o preço dos anúncios cai. Agora, a Springer decidiu não procurar mais soluções para enfrentar essas mudanças estruturais, mas sim vender os jornais e revistas enquanto ainda conseguem preços decentes.
"Só podemos ser pró-ativos quando estamos em boa forma", escreveu Döpfner em um e-mail interno para sua equipe, ao qual "Spiegel Online" teve acesso.
O plano parece pelo menos parcialmente eficaz. A Funke vai pagar $ 920 milhões de euros (cerca de R$ 2,7 bilhões) por seus novos ativos, mas a Springer de fato emprestará parte dessa quantia. A Funke vai pagar $ 660 milhões até 30 de junho de 2014, e a Axel Springer vai emprestar o resto do montante por vários anos.
Döpfner, porém, consegue encher os cofres da empresa e se concentrar nas publicações digitais. "Vamos permanecer no curso para nos tornarmos uma empresa líder da mídia digital", escreveu em seu e-mail. Ele foi ainda mais aguerrido na última reunião geral da empresa, quando se entusiasmou com "um mundo virtual e desmaterializado da mídia".
O furor de Döpfner está enraizado nos balanços da Springer. Em 2007, jornais e revistas representaram 72,9 % do volume de negócios, e o ramo digital apenas 8,1%. Em 2012, esse número tinha crescido para 35,5 %, enquanto que apenas 47,6% do volume de negócios veio do ramo impresso. A venda dos jornais regionais e revistas femininas e de TV reduzirá ainda mais o setor impresso. No ano passado, o setor trouxe à Springer $ 512 milhões de euros (15% do volume de negócios da empresa), mas a partir de 2014, as publicações digitais fornecerão a maior parte dos lucros.
A Springer, no entanto, manteve entre suas publicações o jornal "Bild" --seu principal tabloide e o jornal de maior circulação na Europa, com um público diário superior a 12 milhões--, o jornal "Die Welt" e o tabloide "BZ", que será fundido ao "Bild Berlim", ao mesmo tempo que manteve as revistas dos grupos "Auto-Bild", "Computer-Bild", "Sport-Bild" e as publicações de música "Metal Hammer", "Musikexpress" e "Rolling Stone".

Distância do jornalismo

Mas a estratégia da Springer é mais do que um afastamento do jornalismo impresso: também marca um afastamento do jornalismo propriamente dito. Com o ramo digital em rápido desenvolvimento, as empresas que estão se provando mais rentáveis incluem a plataforma de carreiras Stepstone, os portais de moradia Immonet e Seloger e o site de comparação de preços Idealo.
Em 2012, dois terços da receita --cerca de $ 787 milhões de euros-- do setor digital da Springer veio de produtos não-mídia, enquanto os produtos de mídia foram responsáveis por apenas $ 387 milhões de euros. A empresa não revela quanto disso veio do jornalismo real, mas pessoas de dentro disseram à Spiegel que os lucros com anúncios e conteúdo pago estão "caindo constantemente".
O futuro do jornalismo na Springer não parece promissor. Mesmo o que resta do setor de impressão está enfrentando cortes. O "Bild", o "Bild am Sonntag" e o "BZ" devem cortar $ 20 milhões de euros de gastos, com a eliminação de até 200 postos de trabalho.
Mas Döpfner prometeu em seu e-mail continuar investindo em jornalismo no "Bild" e no grupo "Welt" --embora muitos duvidem.
A empresa Springer está se transformando em um "consórcio de serviços de entretenimento ao estilo da Time Warner", diz o especialista em mídia Michael Haller. Martin Welker, também especialista em mídia, por sua vez, considerou "decepcionante que a Springer não esteja fazendo mais esforços para conciliar a indústria digital com o jornalismo".
"Axel Springer não teria feito este tipo de decisão estratégica", diz Peter Jebsen do conselho de trabalhadores da empresa.
Ele pode estar certo. De acordo com o biógrafo de Axel Springer, Hans-Peter Schwarz, o empresário, que morreu em 1985, aparentemente sempre sentiu falta dos primeiros anos da empresa, como editor do "Abendblatt Hamburger".
"(Esse foi o período) em que realmente amei o meu trabalho", diz em sua biografia. Na opinião de Springer, o propósito das revistas e jornais era lançar luz sobre a humanidade, trazendo, assim, uma mudança política.
Agora que a Springer já não possui o "Abendblatt Hamburger", certamente o jornalista não estaria muito satisfeito com a direção que sua empresa está tomando.

Tradutor: Deborah Weinberg

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