domingo, 1 de setembro de 2013

Análise: e se Putin nunca tivesse chegado ao poder na Rússia?
Ben Judah - Prospect
A Rússia tem um culto às avessas a seu líder. Desde o guarda de trânsito sorridente que bate os nós dos dedos na janela do carro para cavar uma propina até o ministro anti-americano que desvia o orçamento da defesa para as ilhas Cayman – tudo é culpa do presidente Vladimir Putin.
Será que este mal-humorado fanático por boa forma carrega sozinho a responsabilidade pelo estado putrefato da Rússia? Não – o país teria sido saqueado sem ele. Vamos imaginar o Kremlin sem Putin, a começar por uma Rússia que nunca faliu em 1998. Aquela crise varreu milhões de poupanças e convenceu o presidente Boris Yeltsin de que apenas "um militar forte" poderia salvar a Rússia. No entanto, a falência poderia ter sido prevenida. Convencer o presidente dos EUA Bill Clinton de que a inadimplência acabaria com a democracia poderia ter estendido uma última linha de crédito. O adiamento teria levado o então protegido de Yeltsin – o obstinado liberal Boris Nemtsov – ao poder.
O Kremlin aleijado pela dívida teria ficado paralisado quando terroristas tchetchenos atacaram o interior da Rússia, e Nemtsov nunca teria marchado para Grozny, temendo seus impactos fiscais. Abandonar o Cáucaso seria rentável – US$ 80 bilhões serão gastos entre hoje e 2025 – mas teria lhe custado sua popularidade.
Se a Rússia tivesse ido à falência, digamos, em 2003, isso teria coincidido com a ascensão do homem mais rico do país na época, Mikhail Khodorkovsky. O fato de ter pressionado por uma república parlamentar e feito um extenso "lobby" (leia-se: comprado legisladores) levaram-no à prisão na Rússia de Putin. Numa Rússia hipotética, ele poderia ter feito "lobby" para que a Duma mudasse a constituição e o transformasse em primeiro-ministro – o maior pesadelo de Putin. Alexander Solzhenitsyn, o reverenciado dissidente anti-comunista, teria sido coroado como presidente cerimonial. O FSB, sucessor da KGB, teria sido desintegrado, e o mausoléu de Lenin teria se tornado o túmulo dos Assassinados Desconhecidos do estalinismo.
Contudo, a Rússia de Khodorkovsky teria maltratado os pobres. Ignorem seu proselitismo democrático: o bilionário lutou contra Putin por petróleo. O confronto era na verdade sobre quem ganharia poder com o barril em alta, os oligarcas ou o Estado. Khodorkovsky fez lobby para manter o imposto sobre o petróleo abaixo de 50%. Ele perdeu, e Putin aumentou a taxa para 83%. Se Khodorkovsky estivesse no poder esta não seria uma Rússia de oligarcas, mas de hiper-oligarcas. Putin bombeou as receitas do petróleo para o Estado e permitiu que seus seguidores se beneficiassem delas, mas Khodorkovsky as teria distribuído legalmente para um número bem menor de mãos.
A Rússia não teria conseguido de dobrar as pensões e salários públicos; o Estado estaria em proporções desnecessárias. A expectativa de vida masculina não teria subido de 57 para 64 anos porque teria havido menos verbas para se gastar em hospitais. Os subsídios não teriam cortado o desemprego nas cidades de uma só indústria da Rússia, que se transformaram em centenas de Detroits apocalípticas na Sibéria.
Putin deixou os oligarcas com medo de investir em qualquer coisa política depois de jogar o próprio Khodorkovsky numa prisão siberiana. Nenhum magnata, desde então, ousou despejar os milhões que tinha em universidades privadas, escolas ou políticos favoritos. Na Rússia de Khodorkovsky, os oligarcas não teriam sido obrigados a investir em ativos neutros como clubes de futebol. Moscou teria as melhores universidades do mundo – imagine os fundos da Academia Abramovich – e uma variedade de emissoras de TV ferozmente independentes.
A Rússia teria permanecido endemicamente corrupta. Os funcionários russos são predadores não porque o Estado é forte, mas porque o Estado é fraco. Burocratas teriam extorquido empresários, da mesma forma que num estrado subnutrido. Não teria havido nenhum estado de partido único como a Rússia Unida, mas coalizões fracas na Duma, costuradas através de subornos. A reforma ainda estaria obstruída, com os oligarcas comprando deputados para proteger seus monopólios.
A Rússia ainda teria uma onda de protestos após a recessão de 2009, mas com rostos muito diferentes. Em vez da classe média, os manifestantes enraivecidos da Rússia de Khodorkovsky teriam sido os pobres das cidades. Podemos facilmente imaginar Alexey Navalny (um deputado bem financiado da Duma e não um blogueiro ativista em apuros) gritando para 100 mil manifestantes com fome e frio na Praça Vermelha – "Abaixo o partido de vigaristas e ladrões!" – seguro por saber que não seria prejudicado. Mas dado o sonho de Khodorkovsky de uma oligarquia pouco tributada, seu slogan ainda assim seria apropriado. Navalny castigou a elite de Putin como "um bando de ex-ativistas do Komsomol que viraram democratas que viraram patriotas que agarram tudo para si." Ele teria dito o mesmo de Khodorkovsky.
(Ben Judah é autor de "Fragile Empire: How Russia Fell In and Out of Love With Vladimir Putin" ["Império Frágil: A relação de amor e ódio da Rússia com Vladimir Putin", em tradução livre])

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