Não pode ficar assim
Decisão da Câmara de manter mandato de parlamentar reacende algumas das
indignações vistas nos protestos de junho
FSP
Foram muitos os que se surpreenderam com a decisão da Câmara de manter o
mandato do deputado e presidiário Natan Donadon (ex-PMDB-RO).
Não haverá maior surpresa, contudo, se o episódio incrementar a participação
em novos protestos por todo o país. Visto desse ângulo, o "timing" do vexame não
poderia ter sido mais adequado.
Acontece pouco mais de uma semana antes do Sete de Setembro --data para a
qual se preveem protestos nas grandes cidades.
A convocação funciona mais ou menos como um teste para saber se as jornadas
de junho foram apenas um fenômeno de impaciência súbita, ou se corresponderam a
uma mudança efetiva no modo com que os brasileiros se veem a si mesmos e a seus
governantes.
Ao mesmo tempo, os protestos antecedem --e sem dúvida pressionam, no sentido
de acelerá-lo-- o momento em que o Supremo Tribunal Federal dará a conhecer o
desfecho do julgamento do mensalão.
Foi, aliás, uma alteração de entendimento no plenário da corte --com a
chegada dos novos ministros Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso-- que levou à
situação bizarra que ora beneficia Natan Donadon. Ambos consideraram que caberia
ao Legislativo dar a palavra final sobre sua cassação.
Ainda que sem efeitos legais concretos, mas com efeitos políticos
potencialmente devastadores, a palavra final é outra. Vem da própria população,
que poderá ao menos expressar seu repúdio --e suas advertências-- diante do que
aconteceu.
Imaginando algo assim, talvez, os mais hábeis defensores do "status quo"
legislativo apressaram-se em prometer o que mais de uma vez já prometeram (o fim
do voto secreto nas deliberações sobre cassação) e uma relativa novidade (a
emenda que determina, em situações futuras, imediata perda de mandato dos
condenados).
O fim da votação secreta se fortaleceu em 2007, quando o então presidente do
Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), escapou de perder o mandato. Passado o
escândalo, a proposta é repescada de alguma poça onde se perdera, na vastidão do
pântano parlamentar.
A iniciativa de emenda constitucional para moralizar de vez a questão --de
modo a tornar automática uma decisão que o espírito corporativo e a falta de
caráter impedem de ser tomada caso a caso-- será, provavelmente, outra manobra
diversionista. Se aceitam o mandato de Donadon, em nome do que os parlamentares
dirão que todo novo delinquente (mas não Donadon) merece perder o cargo?
Afirmou-se com frequência, com otimismo, com exagero que o país mudou depois
das manifestações de junho. Na infame sessão de quarta-feira, a maioria dos
congressistas encarregou-se de escarnecer dessa opinião. O futuro dirá,
entretanto, se estão certos em seu desmentido.
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