Falácias do decano
FSP
Sobre os ombros do ministro Celso de Mello pesaram, entre os dias 12 e 18
deste mês, as esperanças, as aflições e os desejos dos réus do mensalão e de
milhões de brasileiros que acompanharam, com interesses variados, a longa novela
em que se transformou o julgamento.
Coube ao decano do Supremo Tribunal Federal, como se sabe, proferir o voto de
desempate na questão dos embargos infringentes, permitindo a alguns condenados
apresentar mais um recurso --decisão que esta Folha apoiou no editorial
"Não é pizza" (19/9).
Sendo conhecidos os predicados históricos e o inegável alcance político da
ação penal 470, parece natural que Celso de Mello tenha percebido, nesse
julgamento, pressão maior que a de costume. Não se trata, sob nenhum ponto de
vista, de processo corriqueiro, e os próprios ministros deixaram isso claro
durante as sessões.
Tivessem ficado por aí, as declarações de Celso de Mello à jornalista Mônica
Bergamo, veiculadas ontem nesta Folha, seriam apenas o desabafo de um
juiz que se viu objeto das atenções --e das críticas-- de boa parte da opinião
pública.
O ministro, no entanto, deu um passo adiante. Embora diga que se sentiu
"absolutamente livre" para decidir, afirma ter observado, nos "meios de
comunicação", uma insólita intenção de "subjugar a consciência de um juiz".
Há dois aspectos preocupantes na assertiva. Primeiro, a generalização
apressada --um tipo bastante comum de falácia, mas incômodo quando contamina o
argumento de um ministro do Supremo.
Ainda que houvesse a tal tentativa de subjugação, seria impróprio tratar
todos os veículos de comunicação como um corpo monolítico. Se muitos opinaram
contra o cabimento do recurso, tantos outros manifestaram-se a favor dele.
Segundo --e mais importante--, a confusão entre a legítima manifestação de
opinião na esfera pública e a perniciosa tentativa de intimidar magistrados.
Celso de Mello tem razão ao lembrar que, pelo bem do Estado de Direito, os
juízes não podem ver sua atuação cerceada. Isso significa que não devem ser
objeto de suborno ou de ameaças. Nada que se confunda, portanto, com o direito
de crítica --ou de elogio-- exercido sob a luz do sol.
O próprio Celso de Mello diz não questionar a liberdade da imprensa. Se é
assim, não deveria equiparar as críticas --a que um ministro do STF naturalmente
está exposto-- àquele comportamento inaceitável. Fazê-lo, além de ser outra
falácia, configura um desserviço ao debate público.
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