A França e a maconha
Gilles Lapouge - O Estado de S.Paulo
PARIS - A França arregalou os olhos. Como é um dos
países mais repressivos do mundo em matéria de drogas, desde
segunda-feira ela respira apavorada, indignada ou com prazer, as
espirais de fumaça da maconha que vêm do Colorado como estranhos votos
de feliz ano-novo.
O fato é ainda mais aclamado porque ocorreu nos EUA, terra que todo
mundo critica, mas que para os jovens é objeto de admiração e
fascinação. Mesmo que a repressão seja implacável, a França é campeã
europeia no consumo de maconha entre os jovens: em 2011, 21% dos
adolescentes afirmaram fumar um cigarro de maconha pelo menos uma vez
por mês. Paris poderá se curvar ao exemplo vindo do Colorado? Nada
sugere isso.
No primeiro dia do ano, o Palácio do Eliseu voltou a afirmar que não é
"favorável à legalização". Claro que alguns ministros lançaram balões
de ensaio, mas foram rapidamente desencorajados. Por outro lado, a
opinião pública francesa mostra-se hostil à liberalização. No fim de
2013, 55% dos franceses manifestaram-se contra a liberação da droga,
principalmente os idosos: 73% das pessoas com mais de 65 anos
colocaram-se contra a medida, ao passo que, entre os jovens, a
porcentagem foi de 44%.
No decorrer dos anos, contudo, a resistência do público perdeu força.
Hoje, 44% dos franceses acham que a proibição da maconha é um atentado à
liberdade individual, enquanto há três anos somente 30% sustentavam
essa opinião.
A audácia do Colorado deve liberar o discurso. O professor Pierre
Kopp explicou, com simpatia, a resolução do Estado americano. Seus
argumentos são exclusivamente econômicos. Segundo ele, há 25 anos "uma
guerra total e ruinosa tem sido conduzida nos EUA e no mundo e ela
fracassou completamente. Neste caso, é o momento de começarmos a
questionar."
O especialista acrescentou que a legalização deverá provocar uma
queda na criminalidade porque "será atacada a principal motivação que
nutre as redes criminosas". "Não é preciso dizer que a legalização
permitirá redirecionar os orçamentos para tarefas mais ajustadas às
necessidades", disse. Sua conclusão é: "Estamos num momento crucial.
Será difícil retornar a uma política de criminalização do consumo de
maconha."
Em um ponto o governo Hollande deu um pequeno passo. Ele se dispôs a
autorizar a entrada no mercado francês do Sativex, um pulverizador bucal
à base de maconha indicado para o tratamento de sintomas de esclerose
múltipla. É uma medida bastante limitada, que diz respeito apenas a mil
pacientes, mas, no passado, todos os países que abriram uma brecha em
favor de determinados medicamentos à base de maconha, em seguida,
afrouxaram suas regras no tocante a outros usos da erva.
No momento, o Uruguai está pronto para seguir os passos do Colorado.
Na Holanda, desde 1996, a posse e a venda da maconha são toleradas e a
erva pode ser consumida nos cafés. Portugal, há dois anos, não considera
mais, para fins de detenção, a posse de pequenas quantidades de
maconha. A Espanha também tolera o seu consumo, salvo em locais
públicos. E o Canadá, país bastante repressivo até agora, logo mais se
contentará em estabelecer uma multa para os consumidores, mas sem
nenhuma ação judicial. Enfim, em quase todos os lugares observamos
debates a respeito. Até no Marrocos, um dos grandes países produtores de
maconha.
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
Nenhum comentário:
Postar um comentário