Documentário sobre álbum clássico de Paul Simon nos leva ao passado
Thomas L. Friedman - UOL
De todos os depoimentos francos e fortes do documentário obrigatório de Joe Berlinger, “Sob os Céus Africanos”, sobre a gravação do álbum clássico de Paul Simon “Graceland” na África do Sul em 1985 --e seu reencontro com os mesmos artistas africanos 25 anos mais tarde--, meu favorito é o do baixista de Graceland Bakithi Kumalo. Ele conta sobre o dia em que conheceu Simon num estúdio de Johannesburgo em 1985:
“Eu estava trabalhando como mecânico”, diz Kumalo, “e um dia recebi um telefonema do meu chefe e ele disse: 'ei, Paul Simon está na cidade, sabia, e ele está procurando alguns músicos'. E eu disse: 'Paul Simon, quem é Paul Simon?' Quer dizer, eu não fazia ideia. E então o cara tentou me explicar. Ele canta todas as músicas. Você sabe, como músicas de Simon e Garfunkel. E eu disse: 'não tenho a mínima ideia'. E então peguei meu baixo e fui para o estúdio e encontrei Paul e Roy Halee, o engenheiro, e eles falaram: 'ei, cara, vamos tocar um pouco'. Nós tocávamos um acorde --Paul sorria... e então ele parava e mudava. Não sabíamos por que ele estava mudando. Mas ele precisava de outra parte lá e nós não sabíamos. Então ele fazia um intervalo e nos dava acordes diferentes, e então aprendíamos coisas diferentes e parecia que tínhamos voltado para a escola de música.”
Assistir a esse filme é, de fato, como voltar para a escola de música e muito mais. Para muitos, é voltar para a primeira vez que de fato ouviram as harmonias e ritmos únicos da música africana --graças a “Graceland”. Para outros, é como entrar no estúdio de um dos músicos mais criativos de nossos tempos, vê-lo provar e experimentar estilos, vozes e melodias dos músicos sul-africanos e misturá-los com os acordes e letras que dançavam em sua própria cabeça para transformá-los em músicas que nós cantarolamos desde então. Quem sabia que ela tinha diamantes nas solas dos sapatos?
Mas o que me intrigou foi voltar para a política de meados dos anos 80, quando o apartheid sul-africano estava em seu momento mais pernicioso, levando o Congresso Nacional Africano --ou ANC, na sigla em inglês-- a pedir um boicote total diplomático, econômico, esportivo e cultural. Isso foi antes da internet, da globalização, do iTunes e do YouTube. Simon se sentiu atraído pela música da África do Sul por conta de uma fita cassete enviada a ele pelos Boyoyo Boys. O músico dentro dele insistiu em perseguir aquele som até suas origens, independentemente da política. Ao ousar ignorar o boicote cultural para fazer Graceland, ele ajudou a globalizar, à moda antiga, os talentos e sons de um grupo de músicos sul-africanos --um show e um disco por vez-- e, nesse processo, empoderou esses artistas de maneira que nenhum movimento de libertação poderia ter feito.
Hoje, os Boyoyo Boys teriam simplesmente colocado um vídeo no YouTube e se globalizado. Mas isso não era possível naquela época. Ainda assim, será que Simon tinha o direito, e estava certo, de fazer o que fez? Costuradas em meio à narrativa estão as cenas de um encontro, 25 anos depois, entre Simon e Dali Tambo, o cofundador sul-africano do Artistas Contra o Apartheid, que impôs o boicote cultural.
“Acho que ele teve uma ótima ideia criativa de misturar sua música e seus ritmos e sua ingenuidade com algo que encontrou na África do Sul”, lembra-se Tambo. “Mas, naquela época, não ajudou (…) Estávamos lutando pela nossa terra, por nossa identidade. Tínhamos um trabalho a fazer, e era um trabalho sério. E víamos a vinda de Paul Simon como uma ameaça (…) porque não era sancionada (…) pelo movimento de liberação.”
Simon, que é meu amigo, ficou horrorizado com o apartheid, mas ficava indignado com a ideia de que, ao colaborar com artistas negros sul-africanos numa síntese que lançava a música e os talentos deles para o cenário mundial, estivesse prejudicando a causa nacional. “Quando o artista entra em algum tipo de desacordo com a política”, pergunta Simon no filme, “por que é que os políticos podem dizer a nós, artistas, o que fazer e nós devemos obedecer --ou então não seremos bons cidadãos ou boas pessoas?”
No final, Simon e Tambo conversam tudo isso no filme e afirmam que nenhum deles tinha a intenção de prejudicar a causa do outro. De fato, o ANC havia convidado Simon e a banda de Graceland para tocar em seu centenário. Mas o filme recém-lançado não deixa dúvida sobre o lugar em que estavam os músicos sul-africanos.
Lembrando sua turnê mundial com Simon depois que Graceland se tornou um sucesso, o saxofonista Barney Rachabane observou: “na África do Sul, não tínhamos oportunidade. Só podíamos tocar nos subúrbios. Não podíamos tocar nos belos clubes noturnos da cidade. Você podia sonhar, mas os sonhos nunca se realizavam. Isso acabava nos destruindo. Mas Graceland abriu meus olhos e deu um tom de esperança para minha vida.”
O guitarrista John Selolwane acrescentou: “Lembro-me de quando estávamos em turnê, especialmente na Europa durante o inverno. Toda vez que Black Mabazo subia no palco e começava a cantar, eu ficava com lágrimas nos olhos. Eu pensava: 'Aqui estou. Sou um menino africano. Estou no meio da neve e... há 50 mil pessoas enchendo o estádio', e eu chorava. Pensava: 'nossa, estamos de fato vendo o mundo.'”
Tradutor: Eloise De Vylder
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