quarta-feira, 30 de maio de 2012

"INDIÃO CHERADO" NÃO QUER SABER DE JUSTIÇA. POR QUE SERÁ?

Evo Morales, presidente da Bolívia: "Não nos interessa ter boas relações com os EUA"
Francesc Relea - El Pais
Ele não dorme mais de quatro horas. Qual é o segredo? As pequenas sestas no avião que o transporta por todos os cantos da Bolívia. "Durmo um pouquinho e já estou descansado." É difícil aguentar o ritmo endiabrado de Evo Morales Ayma, 52, o primeiro presidente indígena do novo Estado Plurinacional da Bolívia, que se propôs contra ventos e marés transformar o país andino.
Em uma escala no caminho e depois de várias mudanças na agenda, ele recebe "El País" na cidade de Cochabamba.
El País: Seis anos depois de sua chegada ao governo, quais são o maior sucesso e o maior fracasso de sua gestão?
Evo Morales: O problema que mais me doeu foi o violento confronto em Huanuni entre mineiros cooperativistas e do Estado, em 2006, no qual houve mais de dez mortos e feridos. Não foi uma luta contra o Estado e o governo, e sim entre irmãos mineiros que se enfrentaram com dinamites. E em três temas tivemos de revisar nossos decretos. O primeiro foi a liberação do preço dos combustíveis...
El País: O famoso gasolinaço.
Morales: Não é gasolinaço. Isso é o que diz a direita. Não quero pensar que você... É um decreto que vem dos governos neoliberais. A questão é: quanto o Estado perde? Este ano teremos pelo menos US$ 800 milhões de subvenção ao combustível. Além disso, entre 30% e 40% saem de contrabando.
El País: A construção de uma estrada através do Parque Nacional Isiboro Securé, na Amazônia, provocou um grande protesto de organizações indígenas e antigos colaboradores seus.
Morales: Não é um projeto novo. Eu acreditava estar cumprindo um mandato para integrar e criar três portas de entrada e saída da região amazônica para o altiplano e do altiplano para a região amazônica: por Santa Cruz, La Paz e Cochabamba. Isso é integração. Mas um grupo de irmãos indígenas se juntou com a direita para desencadear uma grande ação de oposição ao governo, com o pretexto de defender o meio ambiente. Estou convencido de que na consulta que faremos as pessoas dirão: "Façam a estrada".
El País: Algumas vozes dizem que por trás do projeto estão os interesses dos cocaleiros para ampliar as plantações de coca, interesses econômicos do Brasil...
Morales: Mas se os cocaleiros são os maiores interessados em evitar novos assentamentos. Há um pequeno grupo que gostaria de ampliar os cultivos, mas a grande maioria defende o Parque Nacional Isiboro Securé. A acusação veio justamente do império, de satanizar o cocaleiro. A folha de coca em estado natural é um produto com muitas qualidades nutritivas e medicinais. O produtor de coca não é narcotraficante, nem o consumidor de folha de coca é narcodependente. Quanto a supostos interesses brasileiros, acabamos de expulsar a construtora OAS, que não estava cumprindo as condições do contrato.
El País: Relatórios da ONU indicam que há milhares de hectares de plantações de coca que superam a superfície autorizada para consumo local e legal. Para onde vai a coca excedente?
Morales: No trópico de Cochabamba há consciência de reduzir os cultivos de coca, porque sabem que uma parte vai para um problema ilegal. Tomaram essa decisão voluntariamente, sem erradicação forçosa nem camponeses mortos. Não há livre cultivo da coca, mas também não pode haver cota zero. Há uma redução permanente.
El País: Pode dar exemplos?
Morales: Em Los Yungas e La Paz nunca houve redução de cultivos. Chegou nosso governo e no ano passado foram reduzidos mais de mil hectares em La Paz. Foi algo histórico e inédito. Mas sejamos sérios. Enquanto houver um mercado ilegal de cocaína haverá desvio de folhas de coca. A origem do narcotráfico é o mercado ilegal.
El País: Como se pode acabar com o mercado ilegal?
Morales: Pergunte aos países capitalistas, aos Estados Unidos. Em quanto se reduziu o mercado nos EUA? Não olhe para mim, dirija seu olhar para Obama.
El País: Como estão as relações da Bolívia com os EUA?
Morales: Mal. Também não gostaria de ter boas relações. Não nos interessa. Começamos a nos libertar economicamente e portanto não precisamos dos EUA. O que foi a Bolívia durante os tantos anos que durou sua aliança com os EUA? Era o penúltimo país da América. Em curto tempo nos levantamos, expulsamos o embaixador, acabamos com a base militar americana, expulsamos a DEA [agência antidrogas dos EUA]. Quando estamos sem os EUA estamos melhor.
El País: Não considera possível uma relação normal com os EUA?
Morales: Hummm, seria desejável.
El País: A Bolívia vive um processo de transformação profunda. Qual é a meta?
Morales: Igualdade, dignidade, comunidade. Em 2006 encontrei um Estado colonial mendigo. Os dados dos organismos internacionais demonstram que reduzimos tremendamente a pobreza e a mortalidade materno-infantil. Economicamente não somos tão dependentes. Dou-lhe três dados: em 2006, as reservas internacionais eram de US$ 1,7 bilhão, hoje estamos acima dos US$ 3 bilhões. Nossa maior empresa, a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), faturou US$ 300 milhões em 2005; este ano vai superar os US$ 3 bilhões. O investimento público era de US$ 600 milhões quando cheguei ao governo, hoje está estimado em mais de US$ 5 bilhões.
El País: O senhor prevê fazer novas nacionalizações depois da filial da Rede Elétrica Espanhola, e até que ponto está garantido o investimento estrangeiro na Bolívia?
Morales: Toda empresa que tiver investido na Bolívia e cumprir as condições pactuadas será respeitada. Mas há empresas que não investem, como a Rede Elétrica Espanhola, que havia investido apenas US$ 5 milhões. Nós, com nossa gestão, já estamos nos US$ 300 milhões. Temos excelentes relações com a Repsol, é um bom sócio e um prestador de serviços.
El País: Aumentam os conflitos e cresce a decepção com seu governo, inclusive na cidade de El Alto, um de seus bastiões.
Morales: Sessenta por cento de moradias com gás canalizado em toda a Bolívia estão em Al Alto. Que governo fez isso?
El País: Como o senhor vê a justiça na Bolívia?
Morales: Não me falem de justiça, por favor, não me falem.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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