quinta-feira, 17 de maio de 2012

MÉXICO PERDEU A LUTA CONTRA O NARCOTRÁFICO

Anestesiados pela carnificina do tráfico de drogas, a maior parte dos mexicanos segue com sua vida
Randal C. Archibold/Damien Cave - NYT
Casais andavam de mãos dadas; crianças brincavam. Mais adiante nesta rua em uma cidade do Norte do México, 49 corpos, decapitados, com mãos e pés decepados, tinham sido encontrados e removidos.
Francisco Umberta, alarmado com o mais recente de uma série de crimes inimaginavelmente grotescos ligados à guerra do tráfico de drogas do México, resolveu sair para namorar. A meia hora de onde os torsos foram encontrados, ele ficou na fila, na segunda-feira (14), perto de um restaurante de chili lotado, para comprar entradas para o filme “Os Vingadores”.
“É claro que tudo é assustador, mas o que podemos fazer?”, disse ele sobre o massacre, que tristemente não foi o recorde de carnificina.
Umberta ouviu a notícia sobre os corpos no rádio pouco depois que foram descobertos no domingo (13), mas disse que os jogos de futebol regionais atraíram mais a atenção das pessoas.
“Não estamos paralisados”, disse Umberta, 31, auxiliar de escritório. “Ainda precisamos viver, enquanto eles fazem o que fazem”.
Com corpos mutilados aparecendo nas esquinas e dentro de restaurantes, pendurados em pontes e enterrados em valas, os mexicanos parecem ter ficado acostumados. Revolta, medo, ansiedade, tristeza - é difícil dominar essas emoções repetidamente, especialmente com 50.000 mortos pelo narcotráfico desde que o presidente Felipe Calderon começou sua repressão aos traficantes, há seis anos.
Outros países, é claro, passaram por alguma versão desse anestesiamento coletivo: Israel em 2003, após uma série de explosões em ônibus, ou o Iraque em 2006.
Mas neste ano, o México parece ter entrado de cabeça na distração deliberada, e muitos mexicanos estão cada vez mais perturbados com sua própria atitude. Eles estão igualmente deprimidos com isso. Afinal, os especialistas em crime e psicólogos dizem que a apatia - durante a campanha presidencial, nada menos - é realmente uma resposta recém aprendida diante do trauma repetido e da impotência diante do terror.
Os mexicanos em cada cidade se acostumaram com o número de mortos que cresce continuamente. Protestos, manifestações e projetos artísticos homenageando as muitas vítimas pouco fizeram para alterar a realidade. Todos os dias, famílias e crianças passam pelas bancas e mal percebem os jornais com fotografias chocantes dos corpos mais recentes.
“Sabemos que nada está mudando - é um processo contínuo. Tentamos não ficar preocupados demais, porque não estamos envolvidos”, disse Imelda Santos, 17, que estava na rua comendo um hambúrguer com amigos.
Essa percepção - qual seja, que são “eles” e não “nós”- parece ter um grande papel na capacidade das pessoas de continuarem distanciadas, apesar da carnificina.
“Para muitos mexicanos, o grande impulso é 'bem, isso é muito ruim, mas ao menos nos livramos dos bandidos'”, disse Jorge Castaneda, ex-candidato presidencial. “Isso contribui para a o alheamento”.
No caso dos 49 mortos, talvez alguns estivessem do outro lado da lei. As autoridades disseram que muitos tinham tatuagens de Santa Muerte, a santa não oficial da morte muitas vezes adorada por assassinos do cartel.
O secretário do interior mexicano, Alejandro Poire, disse na segunda-feira (14) que os Zetas, uma gangue de drogas conhecida por sua brutalidade em um país que também é famoso por ela, parecia responsável pelos assassinatos. Especialistas em segurança concluíram que a grande desova era uma resposta às mortes pelo cartel de Sinaloa.
Os dois grupos são os maiores competidores criminosos mais poderosos do México. Eles também são opostos culturais e regionais. Há gerações que o Sinaloa vem transportando drogas da zona rural do Oeste do México para o Norte; os Zetas são recém-chegados, fundados por antigos soldados das forças especiais que reprimiam o cartel do Golfo na costa Leste mais urbana do México.
Eles estão competindo e invadem o território um do outro, deixando para trás corpos para intimidar os rivais. A mais recente onda de violência parece ter começado ou se intensificado em setembro, quando um grupo que se identificou como Zeta Killers abandonou 35 corpos em uma estrada na hora do rush perto de um shopping na cidade de Veracruz, no Golfo.
Dois meses depois, 26 corpos amarrados e amordaçados apareceram no centro de Guadalajara, reduto do Sinaloa. Então, no dia 4 de maio, 23 pessoas foram encontradas mortas na fronteira dos Zetas, no Estado de Tamaulipas. Catorze haviam sido decapitadas; nove estavam penduradas em uma ponte.
“Isso é a lei do olho por olho”, disse Alejandro Hope, ex-membro da inteligência. “Para o Sinaloa, é uma forma de reprimir esses iniciantes e, para os Zetas, é uma forma de proteger sua reputação de extrema violência, que é sua marca”.
Apesar da tese do olho por olho fazer sentido no mais recente massacre, especialistas dizem que a explicação pode ser algo totalmente diferente. As vítimas, que incluíam seis mulheres, poderiam ser migrantes inocentes, como os 72 centro-americanos que os Zetas aparentemente mataram e enterraram em uma vala comum, descoberta em 2010, ou os 193 corpos encontrados no ano passado em outro conjunto de valas comuns no território dos Zetas perto da fronteira com o Texas.
Dada a violência, os psicólogos dizem que não é de espantar que as pessoas estejam se desconectando.
“Uma estratégia que usamos para nossa proteção e sobrevivência é ignorar, porque não há nada que possamos fazer”, disse Maria Antonia Padilla Vargas, coordenadora de um grupo de pesquisa psicológica sem fins lucrativos. “É um fenômeno que observamos quando os ratos são expostos a choques elétricos incontroláveis”.
O termo oficial é “impotência aprendida”, e estudos a respeito estão aparecendo por todo o México. Em janeiro, dois corpos decapitados apareceram em uma van incendiada na frente de um shopping elegante na Cidade do México no bairro de Santa Fé. Enquanto os cordões de isolamento da polícia balançavam ao vento, Carlos Alberto Gouvea, 24, beijava sua namorada ali perto.
Moradores de outro bairro na capital, onde um tiroteio matou seis pessoas na semana passada, disseram que já tinham parado de discutir o crime.
“É melhor deixar essas coisas no esquecimento”, disse Andres Castillo, 68, comendo um tamale perto de uma banca de engraxate. “Estamos nos acostumando com a ideia que podemos sair de casa e nunca voltar”.
Mesmo na Ciudad Juarrez, onde a violência vem caindo mas ainda está em um alto nível (duas cabeças e quatro mãos foram encontradas em um estacionamento de um bar na segunda-feira, 14), os moradores estão determinados a evitar as tragédias em seu meio. Quando as famílias dos desaparecidos ou das meninas mortas se reuniram na porta do escritório do promotor público para protestar pela falta de interesse das autoridades, na quinta-feira (10), dia das mães no México, os motoristas passaram sem olhar.
E os três principais candidatos à presidência? Eles também mantiveram distância. Com Calderon constitucionalmente proibido de concorrer novamente, todas as campanhas se concentraram em outras questões. Muitos mexicanos duvidam que quem vencer fará alguma mudança imediata, e a presença nas urnas para as eleições de 1o de julho deve ser fraca.
“Os políticos não conseguiram resolver isso. Então as pessoas convivem com o problema”, disse Jose Juan Cervantes, pesquisador de crime e sociologia da Universidade Autônoma de Nuevo Leon.
De fato, aqui em Cadereyta Jimenez, as ruas estavam cheias na terça-feira, enquanto Edelmiro Cantu fazia campanha para prefeito. Ele ouviu muitas vezes sobre a preocupação dos eleitores com a segurança, mas não parecia convencido que o governo poderia resolver o problema do crime no México. Então, em vez disso, carregava algo para sua segurança.
“Tenho isso”, disse ele. De seu bolso, puxou um pequeno crucifixo de prata.
Tradutor: Deborah Weinberg

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