terça-feira, 22 de maio de 2012

O ISLÃO AVANÇA NA ÁFRICA E IMPÕE A SUA LEI

Facções aplicam a lei islâmica no Mali e proíbem o povo de consumir álcool, jogar futebol e ver TV
Ignacio Cembrero - El Pais
Meninos e meninas separados na escola, mulheres obrigadas a se cobrir, proibição absoluta de álcool, tabaco, música e até futebol. No horizonte se perfila a introdução da xariá (lei islâmica), com sua letania de amputações de membros para os ladrões e apedrejamento para os adúlteros e blasfemos.
Pouco a pouco, a região de Azawad, no norte do Mali, transforma-se em uma segunda Somália, na qual os islâmicos radicais impõem sua hegemonia. A superfície da região, de 820 mil quilômetros quadrados, é uma vez e meia a da Espanha, mas sua população mal passa de 1,3 milhão. A grande maioria é de tuaregues, e a minoria é árabe.
"O que vocês querem fazer é 'haram' (pecado)", advertiram os combatentes barbados aos fiéis que se aproximavam para rezar no mausoléu de Sidi Mahmud Ben Amar, o principal "morabito" (beato) da mítica cidade de Tombuctu. "Aqui se reza para Alá, e não para beatos", gritaram-lhes até obrigá-los a dar meia volta.
Mustafah, um funcionário público árabe maliense, narra de Tombuctu, por telefone, como os islâmicos governam a cidade, inscrita desde 1988 pela Unesco no Patrimônio da Humanidade. Os islâmicos radicais rejeitam os santos, e por isso atearam fogo ao mausoléu em 4 de maio. As autoridades malienses denunciaram a profanação, "que pisoteia os preceitos do islã". O presidente interino do Mali, Dioncounda Traoré, ameaçou depois os grupos que se apoderaram do norte de "fazer uma guerra total", mas será impossível colocar em prática a ameaça. Seu exército está destroçado.
Em janeiro eclodiu no norte a quinta rebelião dos tuaregues em um século, e no final de março, depois de um golpe militar em Bamako, o governo central perdeu o controle dessa extensa região, incluindo suas três cidades principais: Tombuctu, Gao e Kidal. Desta vez, entretanto, os tuaregues independentistas do Movimento Nacional de Libertação do Azawad (MNLA) tiveram em sua conquista três companheiros de viagem radicais: Ansar Dine (Defensores da Fé), outro grupo tuaregue, mas islâmico; o ramo magrebino da Al Qaeda (AQMI) e o misterioso Movimento para a Unidade da Jihad na África Ocidental. Em seu poder estão os cooperantes espanhóis presos nos acampamentos de refugiados saharauis em outubro passado.
Os tuaregues pró-independência do MNLA não se sentem à vontade com os terroristas árabes, mas não contam com a colaboração dos tuaregues islâmicos da Ansar Dine para expulsá-los. É mais o MNLA que perde terreno diante dos radicais.
Prefeitos, vereadores, deputados e comerciantes abastados do norte, os poucos cristãos malienses que residiam em Tombuctu e milhares de civis assustados fugiram para o sul. Ao todo, calcula-se que 250 mil habitantes do norte (quase 20% da população) se refugiaram em Bamako e várias cidades meridionais.
Os notáveis fugitivos se reuniram no Hotel Nord-Sud da capital. "A maior prioridade é a libertação do norte, lotado de hostes criminosas que fustigam sua tranquila população", afirmou Baba Hafdara, deputado árabe de Tombuctu. A população de Gao não é tão tranquila. No início da semana, saiu à rua contra a "ditadura islâmica", que os proíbe até de ver televisão. Seus milicianos arrancaram as antenas parabólicas.
A assembleia de dignitários também incitou a Comunidade de Estados da África Ocidental (CEDEAO) a "intervir muito rapidamente" para desalojar do norte os "bandidos armados", segundo o relato da reunião feito pelo jornal "L'Indépendant" de Bamako. A CEDEAO se ofereceu para enviar até 3.000 soldados ao Mali, sobretudo para respaldar a transição política em curso depois do golpe de Estado militar. Só mais tarde poderia talvez tentar se mobilizar no norte, com o estropiado exército maliense.
Quem libertará Tombuctu do jugo terrorista?, pergunta-se o catedrático católico do Benim Roger Gbegnonvis. Ele não confia na CEDEAO e aposta em que chegará o dia em que o farão "as forças da Otan dirigidas por França, Reino Unido e EUA", como na Líbia. O temor das chancelarias europeias é que islâmicos e tuaregues exportem a rebelião para o norte do Níger, cuja população é semelhante à do Azawad. Diferentemente do Mali, as riquezas da faixa setentrional do Níger --começando pelo urânio-- estão sendo exploradas por multinacionais como Areva (França) e a China National Nuclear Corporation, que, juntas, extraem 8% da produção mundial.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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