segunda-feira, 21 de maio de 2012

POR QUE A FRANÇA NÃO QUEBRA COMO A GRÉCIA?

Desafiando as probabilidades: por que a economia francesa funciona tão bem
Christian Rickens - Der Spiegel
De acordo com os alemães, a proposta do novo presidente francês de redução da idade de aposentadoria e de mais funcionários públicos não deve aumentar o crescimento econômico. Mas, apesar de violar certos princípios econômicos estabelecidos, a economia francesa funciona surpreendentemente bem.
A visita dos jornalistas à sede da fabricante francesa de automóveis Renault, em Paris, começou à moda francesa: com um almoço de quase duas horas. Naturalmente, não foi uma comidinha simples no refeitório da empresa. A refeição no restaurante próximo, Cap Sequin, incluía três pratos de entupir as artérias, uma garrafa de vinho branco e uma vista linda do Sena, seguidos de café e chocolates. Em torno das 14h30, finalmente, era hora de voltar ao trabalho, apesar de ser difícil.
Por décadas, a economia francesa violou as leis estabelecidas da economia e não apenas por causa dos almoços cheios de colesterol. Há também o fato de a França ser líder mundial em termos de extensão das férias, ter uma semana de trabalho nacional de 35 horas e permitir que seus cidadãos se aposentem aos 65, dois anos antes do que na Alemanha. Além disso, a França tem leis estritas em relação à rescisão do contrato de trabalho e um setor público inchado. Quase 57% do desempenho econômico da França passa por mãos estatais. Esse número é cerca de 10% mais alto do que na Alemanha e recorde entre nações industrializadas.
Agora, a França elegeu François Hollande, presidente socialista cuja promessa mais importante foi “Mais do mesmo!” Ele quer mais contratação pelo setor público, financiada por um imposto de 75% sobre os mais ricos e a redução da idade da aposentadoria. De fato, enquanto a Alemanha acaba de aumentar a idade exigida para aposentadoria para 67, seus vizinhos a Oeste em breve poderão sair do mercado de trabalho aos 60, com aposentadoria integral.
Diante disso, não é de surpreender que a França esteja com alguns problemas econômicos: grande queda de orçamento, crescimento econômico persistentemente baixo e alto desemprego entre os jovens. Mais impressionante, contudo, é como os franceses estão bem, apesar de seu modelo econômico idiossincrático. Admite-se que o desempenho econômico per capta é 8% mais baixo na França do que na Alemanha, após o ajuste das diferenças no poder de compra. Mas considerando que os franceses tem sido campeões do “savoir vivre”, enquanto os alemães têm sido cavalos de trabalho que se negam o prazer, uma diferença de 8% não parece tão grande.
Em outras palavras, um país que, de acordo com as leis econômicas estabelecidas, deveria estar jogando na mesma divisão que a Grécia está enfrentando o desafio de acompanhar o ritmo da Alemanha. Como isso aconteceu? Primeiro, os dados estatísticos franceses são enganosos. Segundo, o país está vivendo daquilo que juntou nos anos de abundância. E terceiro, uma série de mecanismos que não se reconciliam com a doutrina da economia de mercado funcionam bastante bem na França.
Considere as estatísticas: apesar de terem longas férias e uma semana de trabalho de 35 horas, o empregado médio na França trabalha mais do que o alemão. O francês passa mais tempo no trabalho do que se exige por lei. Além disso, há menos pessoas trabalhando em meio período na França. Na Alemanha, 27% dos empregados, em geral mães que trabalham fora, trabalham menos do que o horário integral. Na França, o número comparável é de apenas 19%, em parte porque o Estado fornece serviços de creche de primeira linha.
Um modelo econômico morto pelo euro
Ainda assim, uma coisa está clara: a França está atualmente vivendo da prosperidade das décadas anteriores. “Até a introdução do euro, a França de fato tinha um modelo econômico que era único e completamente funcional”, diz Matthias Kullas, especialista em França do Centro de Política Europeia (CEP) em Freiburg, na Alemanha. “Em contraste com o 'milagre econômico' da Alemanha, o crescimento econômico da França nos anos 50 e 60 aconteceu por meio de um alto grau de planejamento estatal”. No final, a França manteve sua economia competitiva, mas desvalorizava continuamente seu franco contra o marco alemão. Desde o lançamento do euro, explica Kullas, a desvalorização não é mais uma opção para a França e “as fraquezas do sistema só se tornaram mais evidentes”.
Na floresta burocrática francesa há algumas pequenas e médias empresas. Na Alemanha, essa firmas, ditas “mittelstand”, são motoras da inovação e oferecem programas de treinamento para jovens trabalhadores. E mais, as leis de trabalho rígidas da França fornecem segurança para os que já têm emprego, mas tornam difícil para os jovens entrarem no sistema fechado do mercado de trabalho. A competição crescente de nações emergentes, como a China, também colocou as empresas francesas em desvantagem contra seus colegas alemães.
A França ainda combate parte dos preconceitos da economia de mercado. Por exemplo, há uma crença que ter um setor público grande é sempre ruim para a economia. Mas na França, as corporações de maior sucesso estão prosperando precisamente por causa de sua proximidade com o Estado. “Na Alemanha, os políticos e altos executivos estão em confronto, enquanto na França se entende que devem jogar bola juntos”, diz Joachim Bitterlich, que foi assessor de política externa de Helmut Kohl, chanceler da Alemanha entre 1982 e 1998 e hoje é vice-presidente executivo de relações internacionais de uma das maiores indústrias francesas, Veolia Environnement. Por exemplo, quando o governo francês saiu em busca de alguém para comprar seu serviço de barcas Sncm, que era uma firma altamente importante politicamente, mas fracassada, a Veolia entrou para ajudar.
Diferente não quer dizer pior
O governo francês continua a se ver como aquele que abre as portas para as empresas francesas que querem fazer negócios no exterior. Bitterlich se lembra de seus tempos de embaixador da Alemanha em Madrid, de como o departamento de comércio exterior da Embaixada da Alemanha tinha três funcionários, enquanto o francês tinha 100. Os alemães acreditam em “ordnungspolitik”, que o governo deve criar a estrutura regulatória necessária para promover a livre competição, mas evitar a intervenção econômica. Os franceses, por outro lado, acreditam que o Estado e a economia podem cooperar, o que de fato funciona surpreendentemente bem. Também ajuda o fato de muitos executivos e funcionários públicos já se conhecerem porque frequentaram as mesmas universidade de elite, tais como a Ecole Nationale d'Administration (ENA) e a escola de administração HEC Paris.
“O 'Mittelstand' francês pode ser fraco”, diz Bitterlich, “mas as corporações como Accor, Danone ou Saint Gobain são líderes mundiais em seu segmentos. Elas são pelo menos tão eficientes quanto as grandes empresas alemãs”.
O fim do almoço de luxo dos jornalistas ilustra essa dualidade da economia francesa. Todos os que participaram vinham da subsidiária alemã da Renault. Quando voltaram do restaurante para a sede da empresa, para se reunirem com uma alta executiva francesa, encontraram-na amassando o papel de uma barrinha de Twix. “Meu almoço”, disse ela entre dentadas.
Tradutor: Deborah Weinberg

Nenhum comentário: