Muçulmanos alemães defendem o direito de protestar
Hubert Gude, Souad Mekhennet e Christoph Scheuermann - Der Spiegel
Um debate sobre salafistas violentos irrompeu na Alemanha depois que muçulmanos radicais entraram em confronto com apoiadores do partido anti-islâmico NRW durante sua recente campanha eleitoral. Três jovens muçulmanos que participaram de um protesto contra o partido em Colônia descreveram sua visão de mundo fiel à Spiegel.
Depois que os canhões de água recuaram e as charges de Mohammad foram guardadas, três jovens entraram num carro em frente à principal estação de trem de Colônia. Eles usavam barba e tinham aparência de serem homens religiosos. Eles pareciam de certa forma insatisfeitos. Malik diz: “É triste e humilhante que tão poucas pessoas vieram.” Martin diz: “Irmão, é uma terça-feira à tarde. Muitos de nós trabalham.” Koray dá de ombros. Ele tirou o dia de folga, disse, então por que as outras pessoas não podiam fazer o mesmo?
Furiosos e sem palavras
Malik, Martin e Koray saíram de Hamburgo de manhã para protestar em Colônia contra os cartuns do profeta Mohammad que membros do partido extremista de direita Pro NRW tinham a intenção de exibir em frente a uma mesquita. Contra a vontade da polícia, o Tribunal Administrativo de Colônia aprovou a exibição dos desenhos feitos pelo cartunista dinamarquês Kurt Westergaard. Um de seus desenhos estava entre uma série de cartuns publicados pelos jornais dinamarqueses em 2005 que levou a protestos mundiais por parte dos muçulmanos, que ficaram ofendidos pelas imagens. Muitos muçulmanos acreditam que as retratações visuais de Mohammad deveriam ser proibidas.
Malik, Martin e Koray estava furiosos e sem palavras com a decisão dos juízes. Eles foram para Colônia temendo que novamente houvessem feridos, como aconteceu em duas outras cidades próximas, Solingen e Bonn, alguns dias antes. Nesses incidentes, jovens furiosos usando barba e vestidos com robes longos, capuzes e jaquetas camufladas atacaram membros do Pro NRW e a polícia. Em Bonn, eles estavam armados com ripas de madeira e pedras, e 29 oficiais ficaram feridos, incluindo dois que foram hospitalizados com várias facadas. Murat K., o suposto autor das facadas, está agora sob custódia. A polícia prendeu um total de 109 manifestantes.
A Alemanha está enredada num debate sobre muçulmanos violentos. Políticos e oficiais federais de segurança veem que um novo tipo de agressão está tomando forma, e alguns estão se perguntando se a juventude radical que invoca o Islã pode instigar uma revolta na Alemanha.
“Nós não jogamos nenhuma bomba”
Os tumultos envolveram sobretudo salafistas, que pregam uma forma particularmente rígida do Islã e veem a si mesmos como os únicos muçulmanos verdadeiros. Wolfgang Bosbach, um especialista em segurança interna para a União Democrática Cristã (CDU), de centro-direita, diz: “os salafistas querem substituir uma ordem constitucional democrática por uma teocracia. É por isso que o salafismo e a democracia são simplesmente incompatíveis.”
Uwe Schünemann (CDU), ministro de interior do Estado da Baixa Saxônia, no norte, concorda. Ele quer impedir o direito de livre-expressão para os salafistas radicais. O Tribunal Constitucional Federal, o mais alto tribunal da Alemanha, precisa examinar se o direito fundamental à livre-expressão pode ser restrito no que diz respeito a “pregadores do ódio que desafiam de forma agressiva e combativa a constituição alemã”, diz Schünemann. Se uma proibição como esta for imposta, os salafistas não teriam mais permissão para realizar atividades políticas, e seriam proibidos de suar a internet para incentivar seus apoiadores a se reunirem.
Malik, Martin e Koray não descrevem a si mesmos como salafistas. Malik diz que, para o público em geral, um salafista é equivalente a um terrorista. “Mas não jogamos nenhuma bomba”, diz ele. Tudo o que eles fazem, explica, é viver suas vidas da forma mais islâmica possível. Isso significa nada de álcool, festas e diversão com mulheres, mas, em vez disso, levar uma vida de fiel que agrada a Deus. Isso também significa rezar cinco vezes por dia, estudar o Alcorão extensivamente e fazer “muito Daawa”, ou seja, converter “infiéis” ao Islã.
A honra dos leões
Os três homens pareciam cansados enquanto estavam no carro a caminho de Hamburgo. A polícia de Colônia estima que cerca de 300 manifestantes “que podem ser considerados parte da cena salafista” estavam na vizinha da mesquita na última terça-feira. Eles vieram de Berlim, Bonn, Bremen, Fürth, Frankfurt e Villigen-Schwenningen, a maioria de jovens nascidos entre os anos 80 e 90 que combinaram de se encontrar pelo Facebook, e-mail ou mensagens instantâneas no WhatsApp de seus smartphones. Em muitos casos, suas famílias vêm originalmente da Rússia, Marrocos, Tunísia ou Egito, e a maioria delas têm passaporte alemão. Malik estava com a impressão de que os números eram bem menores do que a estimativa da polícia, não mais do que três ou quatro dúzias de pessoas.
Dias antes do evento, os mais radicais convocaram seus colegas salafistas para ir a Colônia em grande número. O ex-rapper berlinense Deso Dogg, convertido ao Islã cujo verdadeiro nome é Denis Cuspert, até esboçou um poema de luta sobre a “honra dos leões”. Ele escreveu para seus apoiadores: “Qualquer um que esteja pensando em não comparecer, deveria temer Alá”.
Aqueles que não foram enviados de volta ou presos pela polícia a caminho da Mesquita Central DITIB no bairro de Ehrenfeld em Colônia, ficaram, como Malik, Martin e Koray, em pé em frente às barreiras de controle e esperaram. Mais de mil policiais foram enviados para prevenir confrontos entre os muçulmanos e os extremistas de direita.
Zombados e em desvantagem
As duas últimas semanas não foram agradáveis para Malik, Martin e Koray. Enquanto muçulmanos que escolhem viver o Islã da forma mais genuína possível, eles já se sentem zombados e em desvantagem --por passantes, professores, estudantes, chefes e colegas de trabalho. Eles veem a charge do profeta Mohammed carregando uma bomba em seu turbante como uma parte de uma série de humilhações que continua há anos.
Eles nunca jogariam pedras, dizem, mas estão furiosos porque percebem as charges como um ataque ao profeta Mohammad e, portanto, contra eles mesmos. Malik diz: “a dignidade do profeta é mais importante para nós do que nossa própria dignidade”. Por esse motivo, ele acrescenta, eles devem defender a si mesmos contra esse ataque. Eles veem como sua única opção porque acreditam que ninguém tem o direito de insultar seu profeta, mesmo que os responsáveis sejam apenas membros de um partido minúsculo de extrema direita fazendo uma campanha eleitoral inepta no estado alemão de Norte Rhine-Westphalia. Um muçulmano que protesta contra as charges está servindo a Deus, dizem eles.
Malik diz: “No Dia do Julgamento, talvez o profeta pergunte: 'onde você estava quando o nome do profeta foi profanado?' Eu não quero ter que responder: 'Ah, enviado de Alá, eu sou um daqueles que olhou para o outro lado.”
No dia anterior ao protesto, ele encontrou alguém na internet que concordou em levá-los de carro até Colônia. Martin e Koray fizeram sanduíches para o almoço, e os três saíram de Hamburgo de manhã cedo na terça-feira para resgatar a honra dos leões que ficarão ao lado do profeta. Cada um dos três pagou US$ 60 pela viagem de ida e volta para Colônia.
Boas maneiras
Os três valorizam as boas maneiras e a educação. Martin está estudando engenharia ambiental em Hamburgo. Seus pais, católicos devotos da Polônia, não ficaram contentes quando seu filho contou, há cerca de um ano, que estava se convertendo ao Islã. Martin teve amigos muçulmanos durante algum tempo. Ele tem cabelos louro escuros em mexas longas e indisciplinadas. Desde que se converteu ao Islã, passou a atender pelo nome de Abdul Rahman, ou servo do Todo-Misericordioso, e ele também está deixando os pelos do rosto crescerem, que com uma certa boa vontade podem ser chamados de barba.
Koray, como Martin, nasceu em Hamburgo. Seus pais são da Turquia. Ele frequenta uma escola de comércio de nível superior e eventualmente planeja ir para a universidade, mas não sabe o que vai estudar ainda. Ele tirou um dia de folga para viajar para Colônia, embora não tenha dito a seus professores que planejava protestar contra as charges. Ele é cauteloso e está determinado a não criar confusão com a polícia.
Koray e Martin se conhecem desde pequenos, quando cresceram juntos na parte leste de Hamburgo. Eles passaram a tratar a vida com mais seriedade desde que se tornaram muçulmanos. Eles são mais maduros, embora tenham apenas 19 anos, e decidiram que, a partir de agora, garotas, boates e todas as armadilhas da juventude não são mais importantes para eles. Em vez disso, eles trabalham duro na universidade e na escola porque, como diz o Alcorão, o fato de melhorar seu conhecimento e educação agrada Alá.
O pai de Malik é da Argélia, e sua mãe é alemã. Ele tem um diploma de segundo grau e quer obter a qualificação para entrar no ensino superior. Agora ele está tentando ganhar algum dinheiro como conselheiro financeiro para muçulmanos, mas, como seu negócio não está indo bem, ele também trabalha como caixa na Ikea. Malik tem 22 anos e é o mais eloquente dos três. Ele age como seu porta-voz.
Mantendo as emoções sob controle
Malik, Martin e Koray entendem a raiva dos jovens de Bonn e Solingen. Malik diz acreditar que “não foi bom” o fato de terem jogado pedras. Por outro lado, ele também não sente que é certo expressar uma opinião sobre outros muçulmanos, mesmo que nem todo muçulmano sempre se comporte de uma forma islâmica. “Eu não julgo”, diz ele. “E não me distancio de ninguém.”
Malik tende a dar respostas extravagantes para as perguntas, respostas que rapidamente o levam de volta ao século 7. Ele diz que Mohammed sempre exercitou o auto-controle, mesmo quando um homem uma vez o agarrou de forma tão bruta pelo colarinho que o deixou com vergões no pescoço. É importante para um muçulmano manter suas inclinações sob controle, diz Malik, incluindo a propensão à violência. Talvez os apedrejadores de Bonn não tenham suas inclinações sob controle, acrescentou. “Eles ficaram profundamente ofendidos pelas charges.” O uso de pedras e faca, diz Malik, deve ser visto como ações que aconteceram “no calor do momento”. A polícia, entretanto, acredita que os salafistas levaram as pedras para a manifestação.
Malik, como Martin e Koray, é cético em relação aos jornalistas. Ele diz que eles só querem colocar palavras em suas bocas porque seu objetivo é mostrar como o Islã é bruto e violento. Os três jovens muçulmanos se sentem mais à vontade quando estão com pessoas de mesma mentalidade e podem falar calmamente sobre sua religião. Koray recomenda assistir um vídeo no YouTube de um pregador sul-africano que oferece dicas para lidar com missionários cristãos --em outras palavras, os “inimigos”-- e silenciá-los rapidamente com argumentos.
Alertas de ataques
Perto da cidade de Gütersloh, um pouco antes da metade do caminho para chegar a Colônia, Martin se pôs a dar aula sobre Mohammad enquanto figura histórica. Ele tem bastante conhecimento, mas quando fala soa como se estivesse recitando um discurso que decorou na escola. A conversa mais tarde se voltou para a questão de se um muçulmano pode assistir séries norte-americanas como “How I Met Your Mother”. Martin diz que ele gostava de assistir a séries, mas então sentiu que Deus era insultado com uma certa frequência no programa. Ele sugere que os espectadores desliguem a TV sempre que isso acontece.
Nem todos associados com a cena salafista alemã parecem tão inofensivos e pacíficos quanto estes três jovens. Naquela tarde, na frente da mesquita, depois que os apoiadores do Pro NRW saíram, Martin, Malik e Koray estavam em pé com um grupo de muçulmanos que estavam irritados com a chanceler Angela Merkel. Como a chanceler podia permitir que as charges de Mohammed fossem exibidas em frente a mesquitas, perguntavam. Um dos mais furiosos era Abu Abdullah, que, durante o protesto de Boon, já havia alertado a chanceler sobre possíveis ataques contra alemães que vivem no exterior --a menos que ela colocasse um fim à campanha anti-islâmica.
Reda Seyam, um egípcio nascido na Alemanha, também esteve no protesto em Colônia. Em 2002, a Alemanha e autoridades norte-americanas suspeitaram que ele foi um dos apoiadores do atentado a bomba que matou 202 pessoas em Bali. Oficiais da segurança federal depois encontraram vídeos de propaganda islamista no disco rígido de Seyam, bem como recibos de pagamentos para islamistas. Ele também atraiu a atenção em 2006, quando chamou seu filho de “Jihad”, o que levou a uma disputa legal com o ministro de interior da cidade-estado de Berlim. Seyam, que ganhou o caso, agora opera um “centro de Informação e Notícias Islâmicas” na internet em Berlim.
Tentações constantes
Pouco depois de Hanover, com cerca de dois terços da viagem percorridos, Malik, Martin e Koray pediram ao motorista para encostar na próxima parada. Eles queriam rezar. Não havia nenhuma estrela visível no céu ainda. Enquanto os três homens usavam uma bússola ou um iPhone para encontrar o sudeste, a direção de Meca, Viktor, o motorista, acendia um cigarro. Ele gostou dos três caras de barba, diz ele, e observa como eles são educados. Então fala sobre um bordel na fronteira com a Holanda, uma mansão com 60 garotas, onde um homem pode se divertir durante dias. Ele ficaria feliz em nos dar mais informações, diz ele.
Mais tarde, enquanto o carro continua andando pela autoestrada A7, Malik diz que não consegue entender por que mulheres seminuas usando pouco mais do que algumas peças de roupa aparecem em tantos outdoors. As mulheres estão sendo degradadas a objetos sexuais, diz Malik, e se as feministas são contra isso, ele fica feliz em concordar com elas. Os três homens veem a vida na Alemanha como um teste constante de sua resignação à vontade de Deus e sua capacidade de resistir às tentações de Satã. Algumas destas tentações incluem dormir até mais tarde, quando eles já deveriam estar fazendo suas orações matinais, ou comer balas gelatinosas, que costumam ser feitas com gelatina derivada de porco.
Martin diz que as pessoas da sua idade se distanciam das questões importantes de várias formas. Esses jovens, acrescenta ele, não querem nada da vida a não ser prazer, e ninguém se pergunta qual é o propósito disso tudo. Martin, Malik e Koray acreditam que descobriram o propósito para si mesmos, e querem que outros também o descubram. As luzes de Hamburgo se aproximavam quando Martin disse: “o homem foi criado para servir a Alá”.
Tradutor: Eloise De Vylder
Do Blog:
Se esses salafistas não estão satisfeitos com a Alemanha, podem ir embora. É um favor aos alemães. Agora, se desejam permanecer na Alemanha, devem seguir as leis alemãs. A democracia alemã.
Se um cristão fizesse a mesma coisa que eles fizeram na Alemanha num país muçulmano (Irã, Iraque, Afeganistão, Arábia Saudita...) estaria morto a pauladas ou a pedradas.
Esses fundamentalistas são incapazes de ler o Livro e compreender o real significado das palavras, vivem suas vidas de acordo com a interpretação dada por algum sheik.
Por isso, são irracionais e tendem à violência. Aposto que eles não conhecem nada da filosofia, da poesia, da arquitetura, da literatura que o Islão legou à humanidade.
Os muçulmanos normais, tementes a Allah, reais seguidores do Livro, esses sempre serão bem-vindos. São prejudicados pela má fama trazida ao Islão pelos radicais. E isso é uma pena.
Nenhum comentário:
Postar um comentário