Reportagem de VEJA revela a obscena ofensiva de Lula para subjugar o Supremo e livrar do castigo a quadrilha do mensalão
Augusto Nunes - VEJA
O ex-presidente Lula vem erguendo desde o começo de abril o mais obsceno dos numerosos monumentos à cafajestagem forjados desde 2005 para impedir que os quadrilheiros do mensalão sejam castigados pela Justiça. Inquieto com a aproximação do julgamento, perturbado pela suspeita de que os bandidos de estimação correm perigo, o Padroeiro dos Pecadores jogou o que restava de vergonha numa lixeira do Sírio Libanês e resolveu pressionar pessoalmente os ministros do Supremo Tribunal Federal. De novo, como informou VEJA neste sábado, o colecionador de atrevimentos derrapou na autoconfiança delirante e bateu de frente com um interlocutor que não se intimida com bravatas.
A reportagem de Rodrigo Rangel e Otávio Cabral reproduz os momentos mais espantosos do encontro entre Lula e o ministro Gilmar Mendes ocorrido, há um mês, no escritório mantido em Brasília pelo amigo comum Nelson Jobim, ex-ministro do Supremo e ex-ministro da Defesa. A conversa fez escala em assuntos diversos até que o palanque ambulante interrompeu o minueto para dar início ao forró do mensalão. “Fiquei perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do presidente Lula”, disse Gilmar a VEJA. Não é para menos.
“É inconveniente julgar o processo agora”, começou Lula, lembrando que, como 2012 é um ano eleitoral, o PT seria injustamente afetado pelo barulho em torno do escândalo. Depois de registrar que controla a CPI do Cachoeira, insinuou que o ministro, se fosse compreensivo, seria poupado de possíveis desconfortos. “E a viagem a Berlim?”, perguntou em seguida, encampando os boatos segundo os quais Gilmar Mendes e Demóstenes Torres teriam viajado para a cidade alemã num avião cedido por Carlinhos Cachoeira, e com todas as despesas pagas pelo meliante da moda.
Gilmar confirmou que se encontrou com o senador na Europa. Mas esclareceu que foi e voltou em avião de carreira, bancou todas as despesas e tem como provar o que diz. “Vou a Berlim como você vai a São Bernardo. Minha filha mora lá”, informou, antes da recomendação final: “Vá fundo na CPI”. Lula preferiu ir fundo no palavrório arrogante. Com o desembaraço dos autoritários inimputáveis, o ex-presidente que não desencarnou do Planalto e dá ordens ao Congresso disse o suficiente para concluir-se que, enquanto escolhe candidatos a prefeito e dá conselhos ao mundo, pretende usar o caso do mensalão para deixar claro quem manda no STF.
Alguns dos piores momentos da conversa envolveram quatro dos seis ministros que Lula nomeou:
CARMEM LÚCIA
“Vou falar com o Pertence para cuidar dela”. (Sepúlveda Pertence, ex-ministro do STF e hoje presidente da Comissão de Ética Pública, é tratado por Carmen Lúcia como “guru”).
DIAS TOFFOLI
“Ele tem que participar do julgamento”. (O ministro foi advogado do PT e chefe da Advocacia Geral da União. Sua mulher defendeu três mensaleiros. Mas ainda não descobriu que tem o dever de declarar-se sob suspeição).
RICARDO LEWANDOWSKI
“Ele só iria apresentar o relatório no semestre que vem, mas está sofrendo muita pressão”. (Só falta o parecer do revisor do processo para que o julgamento comece. Lewandowski ainda não fixou um prazo para terminar o serviço que está pronto desde que ganhou uma toga).
Os outros dois ministros nomeados por Lula são Joaquim Barbosa (considerado “um traidor, um complexado”) e Ayres Britto, a quem Gilmar relatou na quarta-feira o encontro em Brasília. O atual presidente do STF soube pelo colega que Lula pretende seduzi-lo com a ajuda do jurista Celso Antonio Bandeira de Mello, amigo de ambos e um dos patrocinadores da sua indicação. Imediatamente, Ayres Britto associou o que acabara de escutar ao que ouviu de Lula num recente almoço no Palácio da Alvorada. “O ex-presidente me perguntou se eu tinha notícias do Bandeirinha e disse: ‘Qualquer dia a gente toma um vinho’”, contou o ministro a VEJA.
Na mesma quarta-feira, a chegada ao STF de um documento assinado por dez advogados de mensaleiros comprovou que Lula age em parceria com a tropa comandada pelo inevitável Márcio Thomaz Bastos. “Embora nós saibamos disso, é preciso dar mostras a todos de que o Supremo Tribunal Federal não se curva a pressões e não decide ‘com a faca no pescoço’”, diz um trecho desse inverossímil hino à insolência. A expressão foi pinçada da frase dita em 2007 pelo ministro Ricardo Lewandowski, num restaurante em Brasília, depois da sessão que aprovou a abertura do processo do mensalão. Faltou completar a frase do revisor sem pressa: “Todo mundo votou com a faca no pescoço. A tendência era amaciar pro Dirceu”.
O escândalo descoberto há sete anos se arrasta no STF há cinco, mas os dez doutores criticaram “a correria para o julgamento, atiçada pela grita”. Eles resolveram dar lições ao tribunal por estarem “preocupados com a inaudita onda de pressões deflagradas contra a mais alta corte brasileira”. O Brasil decente faz o que pode para manifestar seu inconformismo com o tratamento gentil dispensado pela Justiça a pecadores que dispõem de padrinhos poderosos e advogados que cobram por minuto. São pressões legítimas. Preocupante é o cerco movido a um Poder independente por um ex-chefe do Executivo. Isso não é uma operação política, muito menos uma ação jurídica. É um genuíno caso de polícia.
Se os bacharéis do mensalão efetivamente se preocupam com pressões ilegais, devem redigir outro documento exigindo que Lula aprenda a comportar-se como ex-presidente e pare de agir como um fora-da-lei.
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