domingo, 20 de maio de 2012

MENCKEN - DEMOCRACIA (ÚLTIMAS PALAVRAS) 3ª PARTE


Tenho falado até aqui da possibilidade da democracia ser, talvez, uma doença que conheça suas limitações, como o sarampo.  Mas é mais do que isto: ela devora a si mesma.  Não se consegue observá-la objetivamente sem se impressionar com sua curiosa desconfiança em si própria - sua tendência inextrincável a abandonar sua própria filosofia ao menor sinal de tensão.  Não preciso lembrar o que acontece invariavelmente nos Estados democráticos quando se ameaça a segurança nacional.  Todos os grandes tribunos da democracia, em tais ocasiões, respiram  fundo e convertem-se instantaneamente em déspotas de uma ferocidade quase fabulosa.  E nem este processo se limita aos tempos de alarme e terror: continua dia após dia.  A democracia parece sempre a ponto de matar aquilo que teoricamente ama.  Todos os seus axiomas se resolvem em trovejantes paradoxos, muitos reduzidos a contradições flagrantes em seus termos.  Dizem eles: "O povo é competente para nos guiar" - desde que possamos policiá-lo rigorosamente.  "Não são os homens que nos governam, mas as leis" - mas são homens sentados em banquinhos que, no fim das contas, decidem o que é lei ou o que deve ser.  "A função mais alta do cidadão é servir ao Estado" - mas a primeira constatação que lhe ocorre, quando tenta cumprir esta função, é a de sua desonra e falta de habilidade.  Esta constatação costuma ter razões?  Então a farsa fica apenas mais gloriosa.    

Do Blog:
Extraído do "O Livro dos Insultos"
H. L. Mencken
Tradução: Ruy Castro
Editora: Cia das Letras
1996 

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