Hans-Jürgen Schlamp - Der Spiegel
Arte UOL/Reuters
Pier Luigi Bersani, Beppe Grillo, Silvio Berlusconi e Mario Monti
Primeiro, a boa notícia: Silvio Berlusconi não venceu a eleição italiana. Mas a má notícia é muito preocupante. O líder de centro-esquerda Pier Luigi Bersani não conseguiu garantir o controle do Senado, o que significa que a criação de um governo estável na Itália parece improvável. E os resultados para a Europa podem ser devastadores.
O momento foi agradável, apesar de curto. As primeiras pesquisas feitas com os eleitores que saiam das zonas eleitorais da Itália foram recebidas com alívio em Bruxelas e Berlim na segunda-feira passada. As bolsas de valores de Milão, Frankfurt e Londres registraram alta e as taxas de juros dos títulos soberanos italianos caíram. Silvio Berlusconi não conseguiu alcançar seu objetivo. Seu oponente, o candidato de centro-esquerda Pier Luigi Bersani, aparentemente havia vencido as eleições. Metade da Itália ficou satisfeita, assim como o restante do mundo.
Mas, pouco tempo depois, as cotações das ações congelaram e as taxas de juros dos títulos começaram a subir novamente. Novas previsões mostraram que Berlusconi havia obtido a maioria no Senado, a segunda casa do parlamento italiano. Além disso, o movimento "Cinco Estrelas", do implacável ex-comediante Beppe Grillo, abocanhou 24% das cadeiras do Senado, de acordo com pesquisas realizadas com quem saía das zonas de votação. Como resultado, Berlusconi e Grillo juntos têm uma maioria capaz de bloquear as votações da oposição. Sem a aprovação deles, as leis não poderão ser aprovadas na Itália. Eles podem não gostar um do outro, mas ambos são eurocéticos e fazem oposição aos "burocratas de Bruxelas". E eles prometeram resistir aos "ditames de Berlim". De fato, eles se opõem a tudo o que o governo de Bersani pretende – e deve – fazer. Já há vozes – principalmente do lado de Bersani – falando sobre a realização de novas eleições. A Itália pós-eleições, dizem eles, é ingovernável. No mínimo, é provável que demore algum tempo até que um governo seja montado – se é que isso poderá ser feito.
Os resultados da eleição de domingo e segunda-feira apresentam, talvez, o pior cenário possível – com exceção do cenário da vitória de Berlusconi. E a Europa deverá sofrer com isso. Uma Itália em crise – a terceira maior economia da zona do euro –, com um governo fraco, deverá novamente se transformar em um joguete nas mãos dos mercados financeiros. A gigantesca dívida italiana, de 2 trilhões de euros, vai continuar aumentando, assim como o ágio pago pelo risco de deter títulos da dívida italiana continuará subindo, provocando novos buracos no orçamento do país. E uma Itália cambaleante representa um grave perigo para toda a Europa. Isso a menos que Bersani consiga encontrar um parceiro que lhe conceda a maioria no Senado – uma eventualidade que parece altamente improvável.
Já na Câmara, a centro-esquerda da Itália conseguiu garantir a maioria. Sua vantagem sobre aliança de Berlusconi não é grande, mas a lei italiana garante ao vencedor o número mínimo de 340 cadeiras, o que representa uma maioria de 54%. A regra foi criada para garantir um governo estável, e ela funciona – pelo menos na Câmara.
Monti perde feio
Mas, no Senado, as cadeiras extras são distribuídas de acordo com a região. E na casa, a situação não parece boa para o sonho de Bersani de criar um governo estável. Levando-se em conta a minúscula vantagem de Berlusconi, o líder de centro-esquerda precisaria apenas de um pequeno partido para formar uma coalizão e garantir a maioria. Na verdade, esse era para ser o papel desempenhado pelo atual primeiro-ministro Mario Monti, que está deixando o cargo.
Mas Monti, professor de economia que chegou a ser celebrado como o salvador da Itália, perdeu feio no domingo e na segunda-feira passados, ficando bem atrás até mesmo de Grillo. Ele tinha aliados influentes, incluindo a Igreja Católica, além de líderes empresariais italianos, líderes estrangeiros e, acima de tudo, o apoio de Bruxelas e Berlim. Mas Monti não conseguiu obter apoio significativo do eleitorado. Ele recebeu meros 10,5% dos votos para a Câmara e parcos 9,2% para o Senado – um resultado fraco –, de acordo com pesquisas realizadas com os eleitores que saiam das zonas de votação. A maioria dos italianos – jovens e idosos, ricos e pobres – têm sofrido com o aumento de impostos, o encolhimento do poder aquisitivo e a onda de falências provocada pelas políticas de austeridade de Monti. Eles preferiram optar pela não continuidade do governo do primeiro-ministro.
Ainda assim, mesmo a magra votação obtida por Monti seria suficiente para fazer Bersani superar Berlusconi no Senado. Mas se o movimento Cinco Estrelas, de Grillo, fizer uma aliança com Berlusconi para bloquear as votações da centro-esquerda, eles poderão facilmente impedir a aprovação de qualquer lei que não lhes agrade. E, sem o Senado, é impossível governar a Itália. Toda lei tem que ser aprovada por ambas as casas. O que significa que Bersani terá que buscar mais aliados.
Durante a campanha, Bersani disse que estava aberto "a todas as alianças", e um pacto com Monti parecia o mais provável. Mas mesmo essa parceria seria algo preocupante. Monti é de centro-direita e suas políticas econômicas tendem a ser conservadoras. Antes de se tornar primeiro-ministro, ele foi consultor do Goldman Sachs e membro do conselho administrativo da Conferência Bilderberg, onde os ricos e poderosos do mundo se reúnem longe dos olhos do público. Bersani, por sua vez, vem de um grupo comunista que se transformou em um partido reformista social democrata. Os amigos dele são os líderes sindicais, em vez dos players globais do mundo financeiro. Monti é próximo da chanceler alemã democrata cristã Angela Merkel. Já Bersani prefere o presidente socialista da França, François Hollande.
"Nós vamos manter as políticas de austeridade para pagar a dívida soberana", prometeu Bersani antes das eleições, acrescentando que iria garantir "um pouco mais de igualdade e mais empregos".
Aliança com Monti?
Stefano Fassina, professor de economia que é filiado ao Partido Democrata de Bersani, foi mais concreto. As políticas de austeridade seguidas até agora, disse ele, só levaram à recessão. Fassina prometeu que seu partido não irá implementar medidas de arrocho adicionais. Ele disse que o crescimento deve ser estimulado por meio do aumento dos gastos governamentais nas áreas de educação, pesquisa e infraestrutura. Essa medida, é claro, só iria aumentar a carga da dívida italiana – e dificilmente seria aprovada por Monti.
Além disso, Bersani é aliado de Niki Vendola, presidente da Left Ecology Freedom. Vendola se mostra ainda mais contrário às medidas de austeridade adotadas por toda a União Europeia do que o Partido Democrata. Monti disse durante a campanha que não estava interessado em se unir a Vendola em uma coalizão, e afirmou que Bersani teria que abandonar o partido se ele quisesse o seu apoio. Vendola, que é abertamente homossexual, também espera estabelecer uma base legal para o casamento gay – um projeto ao qual Monti se opõe.
E se Bersani fizer concessões demais em sua tentativa de garantir o apoio de Monti, Vendola provavelmente vai virar as costas para Bersani. E seria impossível formar uma coalizão em tal cenário.
Se uma parceria com Monti parece difícil, contudo, uma parceria com os "Grillini", como os partidários de Grillo são chamados, é praticamente impossível de imaginar. Eles acreditam que os políticos, e os banqueiros, os juízes, os líderes empresariais e a imprensa – em suma, todo o "establishment" – se uniu contra o povo, contra os cidadãos italianos comuns e contra os jovens.
Interesses de Berlusconi
Na verdade, o provável comportamento dos Grillini no parlamento é um dos grandes mistérios deixados de lado durante a eleição italiana. Será que eles vão permanecer em silêncio? Será que eles vão votar contra tudo? Ou será que alguns deles se aliarão ao governo de Bersani se lhes forem prometidas reformas radicais no sistema político do país?
Mesmo que essa aliança seja criada, ela dificilmente seria uma aliança estável. Sobretudo considerando-se que o próprio Grillo não tem interesse em se tornar um parlamentar. Ele prefere ficar do lado de fora, na oposição contra o "establishment".
E Berlusconi? A aliança de campanha de Berlusconi com a Liga do Norte não deve durar – e seu partido também não parece ter sido criado para ter uma vida longa. Mas ele vai fazer o seu melhor para interferir na criação do próximo governo e bloquear seus planos no parlamento. Afinal, Berlusconi continua sendo alimentado por uma forte motivação: a de se proteger da justiça italiana. Na verdade, esse seria o preço de sua participação em uma coalizão com Bersani – e talvez até com Monti como chefe de governo.
Isso, porém, não é algo especialmente realista. E seria devastador para a democracia italiana.
Tradutor: Cláudia Gonçalves
Pier Luigi Bersani, Beppe Grillo, Silvio Berlusconi e Mario Monti
Primeiro, a boa notícia: Silvio Berlusconi não venceu a eleição italiana. Mas a má notícia é muito preocupante. O líder de centro-esquerda Pier Luigi Bersani não conseguiu garantir o controle do Senado, o que significa que a criação de um governo estável na Itália parece improvável. E os resultados para a Europa podem ser devastadores.
O momento foi agradável, apesar de curto. As primeiras pesquisas feitas com os eleitores que saiam das zonas eleitorais da Itália foram recebidas com alívio em Bruxelas e Berlim na segunda-feira passada. As bolsas de valores de Milão, Frankfurt e Londres registraram alta e as taxas de juros dos títulos soberanos italianos caíram. Silvio Berlusconi não conseguiu alcançar seu objetivo. Seu oponente, o candidato de centro-esquerda Pier Luigi Bersani, aparentemente havia vencido as eleições. Metade da Itália ficou satisfeita, assim como o restante do mundo.
Mas, pouco tempo depois, as cotações das ações congelaram e as taxas de juros dos títulos começaram a subir novamente. Novas previsões mostraram que Berlusconi havia obtido a maioria no Senado, a segunda casa do parlamento italiano. Além disso, o movimento "Cinco Estrelas", do implacável ex-comediante Beppe Grillo, abocanhou 24% das cadeiras do Senado, de acordo com pesquisas realizadas com quem saía das zonas de votação. Como resultado, Berlusconi e Grillo juntos têm uma maioria capaz de bloquear as votações da oposição. Sem a aprovação deles, as leis não poderão ser aprovadas na Itália. Eles podem não gostar um do outro, mas ambos são eurocéticos e fazem oposição aos "burocratas de Bruxelas". E eles prometeram resistir aos "ditames de Berlim". De fato, eles se opõem a tudo o que o governo de Bersani pretende – e deve – fazer. Já há vozes – principalmente do lado de Bersani – falando sobre a realização de novas eleições. A Itália pós-eleições, dizem eles, é ingovernável. No mínimo, é provável que demore algum tempo até que um governo seja montado – se é que isso poderá ser feito.
Os resultados da eleição de domingo e segunda-feira apresentam, talvez, o pior cenário possível – com exceção do cenário da vitória de Berlusconi. E a Europa deverá sofrer com isso. Uma Itália em crise – a terceira maior economia da zona do euro –, com um governo fraco, deverá novamente se transformar em um joguete nas mãos dos mercados financeiros. A gigantesca dívida italiana, de 2 trilhões de euros, vai continuar aumentando, assim como o ágio pago pelo risco de deter títulos da dívida italiana continuará subindo, provocando novos buracos no orçamento do país. E uma Itália cambaleante representa um grave perigo para toda a Europa. Isso a menos que Bersani consiga encontrar um parceiro que lhe conceda a maioria no Senado – uma eventualidade que parece altamente improvável.
Já na Câmara, a centro-esquerda da Itália conseguiu garantir a maioria. Sua vantagem sobre aliança de Berlusconi não é grande, mas a lei italiana garante ao vencedor o número mínimo de 340 cadeiras, o que representa uma maioria de 54%. A regra foi criada para garantir um governo estável, e ela funciona – pelo menos na Câmara.
Monti perde feio
Mas, no Senado, as cadeiras extras são distribuídas de acordo com a região. E na casa, a situação não parece boa para o sonho de Bersani de criar um governo estável. Levando-se em conta a minúscula vantagem de Berlusconi, o líder de centro-esquerda precisaria apenas de um pequeno partido para formar uma coalizão e garantir a maioria. Na verdade, esse era para ser o papel desempenhado pelo atual primeiro-ministro Mario Monti, que está deixando o cargo.
Mas Monti, professor de economia que chegou a ser celebrado como o salvador da Itália, perdeu feio no domingo e na segunda-feira passados, ficando bem atrás até mesmo de Grillo. Ele tinha aliados influentes, incluindo a Igreja Católica, além de líderes empresariais italianos, líderes estrangeiros e, acima de tudo, o apoio de Bruxelas e Berlim. Mas Monti não conseguiu obter apoio significativo do eleitorado. Ele recebeu meros 10,5% dos votos para a Câmara e parcos 9,2% para o Senado – um resultado fraco –, de acordo com pesquisas realizadas com os eleitores que saiam das zonas de votação. A maioria dos italianos – jovens e idosos, ricos e pobres – têm sofrido com o aumento de impostos, o encolhimento do poder aquisitivo e a onda de falências provocada pelas políticas de austeridade de Monti. Eles preferiram optar pela não continuidade do governo do primeiro-ministro.
Ainda assim, mesmo a magra votação obtida por Monti seria suficiente para fazer Bersani superar Berlusconi no Senado. Mas se o movimento Cinco Estrelas, de Grillo, fizer uma aliança com Berlusconi para bloquear as votações da centro-esquerda, eles poderão facilmente impedir a aprovação de qualquer lei que não lhes agrade. E, sem o Senado, é impossível governar a Itália. Toda lei tem que ser aprovada por ambas as casas. O que significa que Bersani terá que buscar mais aliados.
Durante a campanha, Bersani disse que estava aberto "a todas as alianças", e um pacto com Monti parecia o mais provável. Mas mesmo essa parceria seria algo preocupante. Monti é de centro-direita e suas políticas econômicas tendem a ser conservadoras. Antes de se tornar primeiro-ministro, ele foi consultor do Goldman Sachs e membro do conselho administrativo da Conferência Bilderberg, onde os ricos e poderosos do mundo se reúnem longe dos olhos do público. Bersani, por sua vez, vem de um grupo comunista que se transformou em um partido reformista social democrata. Os amigos dele são os líderes sindicais, em vez dos players globais do mundo financeiro. Monti é próximo da chanceler alemã democrata cristã Angela Merkel. Já Bersani prefere o presidente socialista da França, François Hollande.
"Nós vamos manter as políticas de austeridade para pagar a dívida soberana", prometeu Bersani antes das eleições, acrescentando que iria garantir "um pouco mais de igualdade e mais empregos".
Aliança com Monti?
Stefano Fassina, professor de economia que é filiado ao Partido Democrata de Bersani, foi mais concreto. As políticas de austeridade seguidas até agora, disse ele, só levaram à recessão. Fassina prometeu que seu partido não irá implementar medidas de arrocho adicionais. Ele disse que o crescimento deve ser estimulado por meio do aumento dos gastos governamentais nas áreas de educação, pesquisa e infraestrutura. Essa medida, é claro, só iria aumentar a carga da dívida italiana – e dificilmente seria aprovada por Monti.
Além disso, Bersani é aliado de Niki Vendola, presidente da Left Ecology Freedom. Vendola se mostra ainda mais contrário às medidas de austeridade adotadas por toda a União Europeia do que o Partido Democrata. Monti disse durante a campanha que não estava interessado em se unir a Vendola em uma coalizão, e afirmou que Bersani teria que abandonar o partido se ele quisesse o seu apoio. Vendola, que é abertamente homossexual, também espera estabelecer uma base legal para o casamento gay – um projeto ao qual Monti se opõe.
E se Bersani fizer concessões demais em sua tentativa de garantir o apoio de Monti, Vendola provavelmente vai virar as costas para Bersani. E seria impossível formar uma coalizão em tal cenário.
Se uma parceria com Monti parece difícil, contudo, uma parceria com os "Grillini", como os partidários de Grillo são chamados, é praticamente impossível de imaginar. Eles acreditam que os políticos, e os banqueiros, os juízes, os líderes empresariais e a imprensa – em suma, todo o "establishment" – se uniu contra o povo, contra os cidadãos italianos comuns e contra os jovens.
Interesses de Berlusconi
Na verdade, o provável comportamento dos Grillini no parlamento é um dos grandes mistérios deixados de lado durante a eleição italiana. Será que eles vão permanecer em silêncio? Será que eles vão votar contra tudo? Ou será que alguns deles se aliarão ao governo de Bersani se lhes forem prometidas reformas radicais no sistema político do país?
Mesmo que essa aliança seja criada, ela dificilmente seria uma aliança estável. Sobretudo considerando-se que o próprio Grillo não tem interesse em se tornar um parlamentar. Ele prefere ficar do lado de fora, na oposição contra o "establishment".
E Berlusconi? A aliança de campanha de Berlusconi com a Liga do Norte não deve durar – e seu partido também não parece ter sido criado para ter uma vida longa. Mas ele vai fazer o seu melhor para interferir na criação do próximo governo e bloquear seus planos no parlamento. Afinal, Berlusconi continua sendo alimentado por uma forte motivação: a de se proteger da justiça italiana. Na verdade, esse seria o preço de sua participação em uma coalizão com Bersani – e talvez até com Monti como chefe de governo.
Isso, porém, não é algo especialmente realista. E seria devastador para a democracia italiana.
Tradutor: Cláudia Gonçalves
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