terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Papa afasta cardeal escocês acusado de assédio
O’Brien era o líder da Igreja Católica na Escócia e não irá mais a conclave
Renúncia fora pedida em novembro, mas entrou em vigor um dia após denúncias
Padres acusaram religioso de comportamento impróprio
Deborah Berlinck - O Globo
Cardeal Keith O'Brien após uma reunião com cardeais em 2005 no Vaticano
Foto: GIULIO NAPOLITANO / AFP
Cardeal Keith O'Brien após uma reunião com cardeais em 2005 no Vaticano - GIULIO NAPOLITANO / AFP
LONDRES - Às vésperas da renúncia histórica de Bento XVI e um dia depois de o jornal “The Observer” divulgar denúncias de abusos sexuais cometidos pelo cardeal Keith O’Brien, o religioso foi afastado do comando da Igreja Católica da Escócia. A decisão teria sido tomada pelo próprio Papa. Acusado por três religiosos e um ex-padre de ter cometido “atos inapropriados” (assédio sexual) nos anos 1980, O’Brien anunciou nesta segunda-feira que desistiu de participar do conclave que vai eleger o próximo Papa. Ele nega as denúncias e diz que vai se concentrar na sua defesa. O novo escândalo, no momento em que cardeais começam a chegar a Roma para a escolha do novo Pontífice, caiu como uma bomba no Vaticano, expondo o tamanho da crise na Igreja Católica..
Segundo a imprensa italiana, antes de antecipar a saída do cardeal escocês o Papa já tinha sobre sua mesa um grosso dossiê detalhando as acusações. O cardeal era também conhecido por suas críticas a união homossexual, mas por defender que a Igreja liberasse o casamento de padres.
Oficialmente, O’Brien - arcebispo de Edimburgo - pediu demissão em novembro, por motivo de idade. No dia 17 de março, ele completa 75 anos. Ele afirma que o Papa aceitou seu pedido em18 de fevereiro. Mas, ao anunciar seu afastamento ontem, logo após as denúncias terem se tornado públicas, analistas e a imprensa italiana não tiveram dúvidas: o cardeal escocês teria sido levado à demissão pelo próprio Papa.
E isso aconteceu depois de uma semana de artigos publicados na imprensa italiana que denunciavam casos de pedofilia dentro do próprio Vaticano - o que levou o secretariado da Santa Sé a divulgar uma nota dura contra os jornalistas, afirmando que os cardeais não se deixassem afetar por “pressões externas” quando votarem por um novo Papa.
O caso O’Brien estoura também num momento em que crescem as pressões contra outro cardeal que vai participar do conclave: o americano Roger Mahony, de Los Angeles, acusado de ter acobertado 129 casos de pedofilia. O’Brien não comentou as acusações que pesam contra ele. No comunicado, escreveu apenas:
“O Santo Padre decidiu agora que a minha saída tem efeito hoje, dia 25 de fevereiro de 2013, e nomeará um administrador apostólico para governar a arquidiocese em meu lugar até que seja nomeado o meu sucessor”, explicou.
O’Brien já havia anunciado sua partida para Roma quando a imprensa britânica divulgou as acusações. O impacto foi tamanho que no domingo o cardeal cancelou a celebração da missa na catedral de St.Mary, em Edimburgo. O’Brien justificou sua decisão de não ir ao conclave:
- Pelo bem que eu tenha feito, agradeço a Deus. Por qualquer falha, peço desculpas a quem eu tenha ofendido - escreveu O’Brien. - Não vou me unir pessoalmente a eles (ao restante dos cardeais) no conclave. Não quero que a atenção da mídia se concentre em mim e sim no Papa Bento XVI e em seu sucessor.
O Vaticano disse que O’ Brien pediu afastamento meses atrás, e que Bento XVI aceitou a solicitação no dia 13 de novembro do ano passado, mas com “efeito posterior”. Com a saída do cardeal, o Reino Unido ficará sem representante no conclave.
O porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, tentou minimizar o episódio. A decisão do Papa de efetivar a agora demissão de O’Brien, segundo ele, tem a ver com o fato de que a Igreja entrará num período de “sede vacante” (em italiano) - fase sem comando até a escolha do novo Papa. Neste período, todas os cargos da Cúria Romana - que, na prática decide o dia a dia da Igreja - ficam inválidos e, as decisões, suspensas.
- O Pontífice foi informado sobre o problema e a questão está em suas mãos - disse Lombardi, antes do anúncio.
Segundo a Rádio Vaticano, o Papa aceitou a demissão de O’ Brien por razões de idade, como prevê o código canônico. Com isso, afastou o religioso sem entrar formalmente no mérito das acusações contra o cardeal.
Denúncias contra O’Brien
No fim de semana, três padres e um ex-religioso da diocese de St. Andrews e Edinburgo denunciaram ao representante do Papa no Reino Unido, Antonio Mennini, uma série de supostos “comportamentos não apropriados” de O’Brien nos anos 80. Um ex-religioso afirma que o cardeal fez uma “investida inapropriada” contra ele em 1980, quando a suposta vítima era um seminarista no St. Andrew's College, em Drygrange. Segundo a denúncia, a abordagem veio após os dois terminarem as orações noturnas.
“Todos pensaram que deixei o sacerdócio para poder me casar. Mas a realidade é que deixei a batina para preservar a minha integridade. Precisei frequentar um psicólogo depois do que aconteceu”, disse a primeira vítima, que não foi identificada, ao “The Observer”.
No testemunho da segunda suposta vítima, um sacerdote conta que estava deixando uma paróquia quando foi visitado por O’Brien, quando um “contato inapropriado” aconteceu entre os dois. O terceiro denunciante afirma que também foi alvo de uma investida, após ter bebido um pouco com o religioso em uma noite. O quarto padre queixante diz que o cardeal usava orações noturnas como desculpa para o assédio.
Na semana passada, outros cardeais sofreram acusações sobre atos impróprios e a imprensa italiana especulou se a saída do Papa teria a ver com a divulgação de documentos, o chamado caso Vatileaks. Bento XVI realizará sua última celebração para fiéis na quarta-feira, dia 27.

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