terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Pedofilia e corrupção voltam a aflorar no momento da despedida do papa
Pablo Ordaz - El Pais
Vincenzo Pinto/AFP

Papa Bento 16 conduz missa especial da Quarta-Feira de Cinzas, na Basílica de São Pedro, no Vaticano
Papa Bento 16 conduz missa especial da Quarta-Feira de Cinzas, na Basílica de São Pedro, no Vaticano
Os dois grandes escândalos que a Igreja continua tentando abafar, a proteção durante décadas aos padres pedófilos e a corrupção moral e econômica de alguns membros da cúria romana, acabam de se apresentar no saguão do Vaticano justamente no momento mais delicado, a renúncia de Bento 16 e a eleição de um novo popa. Às dúvidas sobre se os cardeais investigados por encobrir pedófilos devem participar do conclave somam-se agora as revelações, cada vez mais explícitas, sobre o conteúdo do relatório secreto sobre o caso Vatileaks - o vazamento maciço de documentos papais - encomendado por Joseph Ratzinger a três cardeais octogenários. O documento, que o papa foi conhecendo ao longo de 2012, representa - segundo o jornal "La Repubblica" - a confirmação de que membros da hierarquia vaticana estão envolvidos nas lutas internas por poder, dinheiro e inclusive sexo.
"Tudo gira em torno do sexto e sétimo mandamentos." A frase, que o jornal italiano põe na boca de uma fonte conhecedora do relatório, vem resumir que a prática de atos impuros e o roubo são os pecados, quando não crimes, que abalam as bases do Vaticano. O jornal insiste no conhecimento por parte de Bento 16 do conteúdo do relatório - elaborado pelos cardeais Jozef Tomko, Salvatore De Giorgi e Julián Herranz -, que em grande medida determinou sua renúncia. Desde o início de abril, logo depois de sua viagem a Cuba e México, até o mês de dezembro passado, os cardeais foram contando ao papa, e só ao papa, o resultado de suas investigações.
Segundo "La Repubblica", a comissão cardinalícia entrevistou dezenas de bispos, cardeais e laicos que foram desenhando a situação atual do Vaticano. Isto é, uma confluência de grupos de poder articulados em função das diferentes congregações religiosas ou de seu lugar de procedência, mas também de suas apetências sexuais, segundo o relatório de cerca de 300 páginas. Segundo a investigação, altos hierarcas da Igreja poderiam estar sendo vítimas de "influências externas" - uma forma branda de dizer chantagem - por causa de "seus vínculos de natureza mundana", ou seja, por sua relação com o "baixo mundo".
E a partir daqui o relatório que o papa teria guardado na caixa-forte do apartamento pontifício para entregá-lo a seu sucessor sobe sensivelmente de tom. O jornal faz referência a um escândalo que estourou em 2010 e cujo protagonista foi Angelo Balducci, 65 anos, cavalheiro do papa - um clube laico relacionado à cúria romana - e então presidente do Conselho Nacional de Obras Públicas no governo de Silvio Berlusconi. Balducci estava sendo objeto de uma investigação judicial quando os agentes que tinham grampeado seu telefone constataram que utilizava habitualmente os serviços de um nigeriano, Chinedu Thomas Ehiem, 42 anos, cantor na Capela Giulia da Basílica de São Pedro, para contratar os serviços sexuais de rapazes.
Marco Simeon, por sua vez, é um jovem protegido do secretário de Estado, Tarcisio Bertone, a quem o arcebispo Carlo Maria Viganò - enviado aos EUA depois de denunciar a corrupção no Vaticano - já relacionou no passado com a corrupção econômica dentro dos muros da Igreja. Passado o tempo, o jovem protegido de Bertone também foi indicado como um dos responsáveis pela queda em desgraça de Ettore Gotti Tedeschi, o ex-presidente do Instituto para as Obras de Religião (IOR), o banco do Vaticano. Gotti Tedeschi foi violentamente demitido em maio de 2011 depois de, durante dois anos e meio, tentar sem êxito limpar as finanças da Igreja.
Depois de sua destituição, e diante do temor de ser assassinado, Gotti Tedeschi, um velho amigo do papa, escreveu um informe - hoje em poder da justiça - dando constância de sua luta infrutífera contra os vícios contábeis da Igreja. A presidência do IOR ficou vaga durante nove meses, e só foi ocupada na semana passada. Não deixa de ser significativo que a última decisão de Bento 16 como papa tenha sido a de colocar à frente do banco um alemão, o barão Ernst von Freyberg. Algumas horas depois, soube-se que o jovem Marco Simeon havia sido destituído da direção da RAI Vaticano. Também no xadrez vaticano os peões são os primeiros a cair.
Aos escândalos por poder, sexo ou dinheiro, soma-se o mais triste de todos. O que representa a negação de justiça e o consolo às vítimas da pedofilia. A polêmica sobre se os cardeais suspeitos de terem ocultado os atos de pedofilia deveriam se abster de participar do conclave só faz aumentar. O assunto, que foi posto sobre a mesa pela revista católica "Famiglia Cristiana" e a organização americana Catholics United, só tinha como objetivo em um primeiro momento o cardeal Roger Mahony, acusado de encobrir durante seus 26 anos à frente da diocese de Los Angeles 129 sacerdotes acusados de abusos contra menores. Mas em seguida o foco se voltou também para o cardeal primaz da Irlanda, Sean Brady, e o cardeal belga Godfried Danneels.
Mas não seriam os únicos manchados por um escândalo tão grave. Em algum momento de suas vidas, o americano Justin Francis Rigali, o australiano George Pell, o mexicano Norberto Rivera Carrera, o polonês Stanislaw Dziwisz e o argentino Leonardo Sandri também deixaram de ouvir o sofrimento das vítimas. De fato, um dos candidatos à sucessão de Bento 16, o cardeal de Nova York, Timothy Dolan, acaba de depor na investigação de abusos sexuais atribuídos a padres católicos de Milwaukee, onde ele foi arcebispo entre 2002 e 2009.
Os grandes escândalos que Bento 16 não soube enfrentar durante seu pontificado se apresentam agora, com seu rosto mais cru, no momento da despedida.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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