Sem
salvacionismo
O Globo
É da natureza da política a aspiração ao poder. Nenhum problema — ao
contrário — em persegui-lo. A questão é como fazê-lo. Há dias, a ex-senadora e
ex-ministra Marina Silva, candidata à Presidência em 2010, quando atraiu
surpreendentes 20 milhões de votos, executou um movimento com este objetivo, na
criação do partido Rede.
Com um ar de modernidade implícito no nome, a legenda tem o claro objetivo de
aproveitar a péssima imagem dos políticos e se apresentar como algo “novo”,
capaz de furar a couraça da política estabelecida e fazer a revolução de
costumes que se deseja.
Difícil aposta. A primeira questão mais ampla a ser colocada sobre o Rede é
que ele vem agravar a distorção da excessiva pulverização partidária: será a 31ª
legenda do país, deformação permitida pela ausência de uma cláusula de barreira
efetiva, como em democracias mais desenvolvidas.
As regras de constituição do Rede, por sua vez, deixam transparecer
conhecidos cacoetes da política partidária nacional, mais do mesmo. Não será
fácil para os redistas — ou enredados? — desfazer a ideia de que a legenda não
passa de um projeto pessoal de Marina Silva, para disputar as eleições
presidenciais do ano que vem.
Fixar como um dos requisitos para adesões que políticos não tenham mais do
que 16 anos de mandatos, a soma dos dois cumpridos por Marina como senadora,
reforçou a suspeita sobre o projeto pessoal.
A intenção de chegar à
Presidência é legítima; já o método, inadequado. Como Marina Silva, ex-senadora
petista, tem enormes dificuldades de se contrapor ao antigo partido, o polo mais
forte das forças no poder, a nova legenda tende a desaparecer no nevoeiro da
“terceira via”, sem muitas chances de chegar lá.
Afinal, para quem deseja o poder, o adversário a ser batido é o PT. O Rede
faria aliança com o PSDB num eventual segundo turno no ano que vem? Em 2010, a
ex-senadora não fez e liberou seus eleitores, forma dissimulada de ajudar no
avanço de Dilma Rousseff para a vitória.
Fazer política com uma postura salvacionista contra a política não traz boas
lembranças. Fernando Collor de Mello, político alagoano, embora carioca, surgiu
como um meteoro russo, sem partido, esgrimindo contra a política tradicional.
Também apostou no descrédito da vida pública e conseguiu derrotar Lula no
segundo turno das eleições de 1989. Sofreu impeachment em 1992.
Políticos com mandato podem aderir ao Rede, sem incorrer na legislação sobre
fidelidade partidária, por se tratar de nova legenda. Até fichas-sujas terão
sinal verde no Rede. Não convence o argumento de que líderes de movimentos
sociais podem ter sido condenados “injustamente”. Ou se respeita por inteiro as
instituições republicanas ou não.
Não parece ter futuro esta mistura de intenções de modernidade com antigos
cacoetes da política como ela vem sendo praticada.
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