Austeridade aumenta ainda mais divisões entre as classes sociais no Reino Unido
Katrin Bennhold - Herald Tribune
Quando o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron (primo de segundo grau da rainha), e o ministro das Finanças, George Osborne (filho de um baronete), anunciaram uma redução de impostos no mês passado para as pessoas na faixa mais alta de renda, o Partido Trabalhista de oposição os ridicularizou por aparentemente pensarem que "Downton Abbey" era um documentário, não um drama de época sobre aristocratas paternalistas e seus criados servis.
Quando a dupla teve dificuldade para lembrar da última vez que comeram um "pasty" –um pastel assado popular sobre o qual tinham acabado de impor um imposto sobre vendas de 20%– um tweet explicou para eles que era "como 'boeuf en croûte'". E quando Francis Maude, o chefe de gabinete do governo britânico, falou em "cear na cozinha", a imprensa o lembrou que a maioria dos eleitores jantava (classe média) ou tomava chá (classe operária) sem necessariamente ter a opção de comer em uma sala de jantar.
Para uma pessoa de fora que se mudou recentemente para Londres, parecia um curso intensivo sobre a obsessão mais clichê, porém real, da Inglaterra: classes.
O aumento da austeridade e do desemprego acentuou as profundas divisões econômicas, sociais e culturais que separam as elites da grande maioria dos eleitores em todos os países ocidentais. Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama tem lutado para aumentar os impostos sobre os ricos em pelo menos 30%. Em Paris, François Hollande, o socialista que está disputando a presidência da França, prometeu tributar as rendas anuais acima de 1 milhão de euros em 75%.
Mas a noção de guerra de classes é particularmente saliente no Reino Unido, onde a desigualdade de renda é maior do que em outras grandes economias europeias e a austeridade está mais avançada –e onde a classe alta tradicional inglesa provou ser curiosamente capaz de preservar suas riquezas, instituições e influência até o século 21.
Do vocabulário dos alimentos que as pessoas comem diariamente ao sotaque, o principal denunciador, a classe continua sendo um poderoso identificador neste lado do Canal, de uma forma que pode parecer excêntrica ou até mesmo quase medieval para os europeus do continente.
Mais de um terço das terras britânicas permanece nas mãos de aristocratas, segundo o levantamento de propriedade de 2010 da revista "Country Life". No Gabinete da coalizão conservadora-liberal democrata, 15 dos 23 ministros cursaram Oxford ou Cambridge.
"É extraordinário estarmos sendo novamente governados pela velha aristocracia rural, o Bullingdon Club e o clube de tênis Brasenose", disse Timothy Garton Ash, professor de Oxford e escritor político, se referindo a um clube de jantar exclusivo e à faculdade da Universidade de Oxford frequentada por Cameron. "A habilidade quase darwiniana da velha classe alta britânica de se adaptar é demonstrada de novo."
Essa continuidade não existe no continente. A história cheia de altos e baixos da Alemanha no século 20 eliminou elites sucessivas: o Kaiserreich foi vítima da revolução de novembro após a Primeira Guerra Mundial. Os nazistas aniquilaram a elite judaica do país e exterminaram ou exilaram qualquer um que tivesse um pouco de coragem ou pensamento independente.
Em 2012, a Alemanha não tem universidades de elite. E a combinação de estágio e representação dos funcionários nos conselhos diretores das empresas reduziu as diferenças entre empregados e empregadores de uma forma que é impensável na vizinha França.
Como no Reino Unido, a elite empresarial, política e administrativa da França é cultivada em um pequeno número de escolas exclusivas, as "grandes écoles". O acesso a essa elite republicana é supostamente mais meritocrático; o ingresso é baseado exclusivamente nos exames de admissão e frequentemente subsidiado pelo governo.
Mas o grupo resultante de líderes é menor, mais enredado e não menos desconectado das pessoas comuns.
Quase metade das 40 maiores empresas da França é dirigida por alunos formados em apenas duas escolas: ENA, a escola nacional de administração, e pela École Polytechnique, que forma os principais engenheiros do país. Juntas, as escolas formam apenas cerca de 600 alunos por ano. Há menos de 6 mil graduados na ENA vivos atualmente, em comparação a pelo menos 160 mil ex-alunos de Oxford.
"As elites britânicas se sentem superiores porque nasceram superiores; as elites francesas se sentem superiores porque estudaram na ENA", disse Dominique Moïsi, membro sênior do Instituto Francês de Relações Exteriores, que passa parte de seu tempo em Londres.
A ironia é que, apesar dos títulos e rituais obscuros, de muitas formas o Reino Unido em 2012 parece mais aberto, liberal e diverso do que a Europa continental.
Há políticos negros, muçulmanos e gays na Casa dos Lordes (a Câmara Alta) –até mesmo um gay muçulmano negro, lorde Alli. A loja de departamentos exclusiva Harrods, há muito tempo um símbolo da identidade britânica, é de propriedade de uma firma de investimento qatariana. E o noticiário de televisão da "BBC" no horário nobre é apresentado por Hugh Edwards com sotaque galês.
Há não muito tempo, seria quase uma desvantagem vir da classe alta no Reino Unido. Margaret Thatcher provou em 1979 que era possível se tornar uma primeira-ministra conservadora sendo não apenas filha de um dono de mercearia, mas também vinda de uma escola pública. Seu sucessor, John Major, que nunca cursou uma universidade, falava de uma "sociedade sem classes".
À medida que a economia crescia e deixava todos em melhor situação, Tony Blair alegou famosamente que "agora todos nós somos classe média".
"Os anos Thatcher/Blair destruíram o velho sistema de classes", disse Garton Ash, mas eles também criaram um sistema econômico onde floresceu a desigualdade, dando origem a uma nova "classe alta definida pelo dinheiro, na qual a velha classe alta encontrou seu lugar".
Apesar de todas as suas diferenças, as elites da Europa talvez compartilhem um desafio: não ignorar a percepção entre os eleitores de que há austeridade para os mais pobres, mas não para os ricos.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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