Óvulos compartilhados
FSP - Editorial
Para cada questão controversa de bioética existe uma resposta simples -e em geral impraticável. No Brasil há carência de óvulos para tratamentos de fertilização assistida, mas a proposta de legalizar sua venda não parece ter muito campo para prosperar.
É fato que vários procedimentos técnicos com o corpo humano, assim com a comercialização de tais serviços, enfrentaram barreiras morais que terminaram superadas pelo tempo. Bebês de proveta e transplantes de órgãos já foram considerados anátema; hoje, são procedimentos de rotina.
Por outro lado, ninguém duvida de que existe forte resistência na sociedade à legalização do comércio de tecidos humanos, ainda que por motivos não de todo racionais. Fazer tábula rasa de crenças e valores alheios, contudo, não é um bom caminho para a criação de consensos sociais.
Além das objeções de fundo religioso ou moral, há razões médicas para pensar duas vezes antes de autorizar a venda de óvulos. Para doá-los, a mulher tem de passar por um bombardeio de hormônios e por uma intervenção cirúrgica (para extração dos gametas) que implicam algum risco à sua saúde, ao qual se submeteriam só por necessitar de dinheiro.
Há, no entanto, um caminho intermediário entre o comércio livre de óvulos, como na Espanha e nos Estados Unidos, e o extremo proibicionista do Brasil, que condena centenas de mulheres inférteis à frustração e a filas de espera que podem durar meses. Já seria um bom começo, para elas, legalizar a chamada doação compartilhada.
Funcionaria assim: um casal em boas condições financeiras pagaria o tratamento para outra mulher, com dificuldade para engravidar mesmo tendo óvulos saudáveis, mas sem os recursos para custear sua extração e a realização da fertilização in vitro. Obtidos os óvulos, eles seriam repartidos.
A doadora não passaria por procedimento de que não necessitasse. E o pagamento seria apenas para tornar viável a realização de seu desejo de ter um filho biológico.
A doação compartilhada está em debate numa câmara técnica do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), informou reportagem de Cláudia Collucci nesta Folha. Que resulte logo numa norma específica para legalizar a prática, dentro de limites bem definidos.
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