terça-feira, 1 de maio de 2012

VIVA O TERCEIRO MUNDO! PONTA PORÃ (?) CRIOU UMA OUTRA ESPÉCIE DE ABERRAÇÃO POLÍTICA - O TRAFICANTE VEREADOR.

Vida dupla
FSP - Editorial
Um famoso filme de Luis Buñuel conta a história de uma bela e respeitável burguesa que, nas horas vagas da tarde, atendia a clientes bizarros num bordel de luxo.
Como em outras ocasiões, a imaginação do mestre surrealista termina parecendo tímida diante da realidade brasileira.
Há um oceano de diferenças entre o vereador Joanir Subtil Viana (PMDB), de Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul, e a personagem de Catherine Deneuve em "A Bela da Tarde". Aproxima-os, todavia, o charme discreto da vida dupla.
Em 2009, Joanir Subtil Viana foi preso numa operação da Polícia Federal. Em sua fazenda, localizada na divisa com o Paraguai, fora encontrada uma quantidade nada discreta de cocaína. Eram quase cem quilos.
Condenado a 14 anos de prisão, o produtor rural teve de interromper provisoriamente as atividades paralelas -entre elas, a de vereador, cargo a que fora eleito em 2008.
Ei-lo de volta, entretanto, à Câmara Municipal de Ponta Porã. Beneficiário agora do regime semiaberto, pode exercer suas funções políticas durante o dia, devendo recolher-se ao presídio ao cair da noite. Segundo seu advogado, o retorno de Viana à vereança se faz em razão do "clamor popular". Tendo recebido 1.111 votos no último pleito, o empresário confia reeleger-se neste ano.
Despertados pela insólita circunstância, vereadores de Ponta Porã encetam um processo de cassação contra o peemedebista, por quebra do decoro parlamentar.
O que predominou, evidentemente, foi a repercussão do caso. O PMDB não cogitara de expulsar o vereador nem considerou estranho o pedido de licença para "tratar de assuntos pessoais" que Joanir Subtil Viana encaminhou à Câmara Municipal quando foi preso.
O crítico Günther Anders assinalou certa vez que o espantoso, nas histórias de Franz Kafka, "é que o espantoso não espanta ninguém". A lição foi absorvida nos filmes de Buñuel, em que os eventos mais aberrantes se sucedem neutramente, sem acompanhamento musical, em meio à indiferença de todos os personagens e à frieza dos movimentos da câmera.
Esse silêncio, essa frieza, essa indiferença não se rompem habitualmente nos roteiros, tantas vezes surrealistas, da política brasileira. O episódio de Joanir Subtil Viana talvez tenha sido apenas, passe o trocadilho, menos sutil que os demais.

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