DENIS LERRER ROSENFIELD * - OESP
Toda "política econômica", por definição, é "política" por envolver marcos
institucionais, em que tanto se podem fazer presentes formas de intervencionismo
estatal quanto modos mais livres de funcionamento do mercado, assim como o
respeito ou desrespeito ao direito de propriedade. É graças à maneira como os
cidadãos tecem suas relações institucionais e constitucionais que os processos
propriamente econômicos encontram seu lugar de funcionamento.
Se tal formulação já é verdadeira no marco mais geral, ganha particular significação quando vista na perspectiva de períodos pré-eleitorais e, mais precisamente, de crise, como a enfrentada pela sociedade brasileira pós-jornadas de junho/julho. Note-se que estas puseram a nu um sério problema de representação política, com os políticos e governantes em geral mostrando-se separados, diria até desapegados, dos cidadãos.
O governo federal (bem como os estaduais e municipais), diante desse quadro, mostrou-se desorientado, dissociando-se dos clamores populares. O País entrou numa disputa partidária sobre a reforma política, que nem nas ruas apareceu. O descolamento aumentou.
Mais particularmente, o País vive num processo de baixo crescimento econômico, com a inflação longe do centro da meta e o governo se contentando em dizer que ela não passará do teto dessa mesma meta, o que é uma evidente distorção. O emprego já começa a dar mostras de desaceleração, mantendo-se estável, com leve tendência de queda. O alarme já soou, num contexto que se apresenta como de difícil reeleição, num jogo que, a persistir a atual situação, se encontra zerado.
Decisões econômicas são urgentes. Seu componente político é inegável. O cálculo eleitoral comparece imediatamente. Acontece que decisões que visem ao bem comum deveriam ser tomadas em perspectivas de médio e longo prazos. Ora, são justamente estas que desaparecem do horizonte. O passado recente do País, envolvendo tanto o PMDB (Plano Cruzado e outros do governo Sarney) como o PSDB (crise cambial no governo FHC), mostra o quanto, por motivos eleitorais, decisões econômicas maiores são postergadas, mergulhando o País, no presente de tais decisões, na crise e no imediatismo.
Como se já não bastassem a inércia econômica e as soluções "criativas", como a da contabilidade fiscal, o governo atual enfrenta-se com anseios cidadãos não atendidos, que podem irromper novamente a qualquer momento, e muito provavelmente nos meses anteriores às eleições de 2014, quando dos preparativos e durante a Copa do Mundo. O que esperar?
O governo optou por uma política econômica dirigista no nível estatal, não hesitando em interferir nos mecanismos de mercado, dos quais guarda visceral desconfiança. Responde aos problemas do mercado com mais intervencionismo, agravando os que tenta resolver. Quanto mais procura regular, mais desregulamentação produz. Os impasses e dilemas não cessam de se reproduzir. Vejamos alguns, salientando o seu caráter propriamente político.
Inflação - Não é de interesse político do governo que a inflação fuja do controle, embora não tome medidas que adequadamente possam trazê-la para o centro da meta, salvo intervencionismos pontuais, como a redução do preço da energia elétrica e a desoneração tributária de alguns setores, entre outros. A equação é política, porque a inflação crescente recai predominantemente sobre as classes mais desfavorecidas, que sentem no bolso o aumento do custo de vida. Ora, estas são beneficiárias do Bolsa Família e constituem a nova classe ascendente. A inflação surge, então, como um problema político-eleitoral. E o que faz o governo? Em vez de diminuir o peso da máquina estatal, reduzindo o seu custeio, responde com mais intervencionismo - e alimentando o processo inflacionário que busca equacionar.
Consumo da classe média - Muito tem sido criticado o fato de o governo privilegiar o crescimento da economia apostando no consumo, em vez do investimento. O modelo baseado no consumo está dando mostras de esgotamento, visível nos pífios índices de crescimento do produto interno bruto (PIB). As autoridades econômicas, diante desse fato, só estão dando respostas pirotécnicas, falando idilicamente de um crescimento futuro que se desmente a cada dia. Perdem legitimidade e nada transmitem de confiança, elementos essenciais para uma economia de livre-mercado.
Do ponto de vista social, não parece haver, no curto prazo, horizonte para que isso se altere, salvo se a presidente optar por uma posição de estadista, alterando o rumo da política econômica, visando o longo prazo. Acontece que sua base eleitoral está ancorada numa política expansionista de consumo, que se traduz em maior compra de automóveis, fogões, geladeiras, etc. Não é casual que depois do Minha Casa, Minha Vida o governo adote uma política de equipamento eletrodoméstico financiado dessas moradias. Os empréstimos bancários multiplicam-se e as dívidas de quem os contrai só crescem. No longo prazo é altamente problemático, no curto rende dividendos eleitorais.
Responsabilidade fiscal - Nesse contexto, falar de responsabilidade fiscal torna-se, quando muito, um exercício de retórica, visando a transmitir uma confiança inexistente. Aliás, os cortes anunciados nos gastos federais, da ordem de R$ 10 bilhões, só frustram ainda mais as expectativas. Há uma razão política de fundo para isso, pois o governo nem bem consegue implementar suas próprias políticas, por problemas evidentes de gestão. Boas iniciativas, como privatização de aeroportos e rodovias e a nova Lei dos Portos, tendem a ficar presas no emaranhado da incompetência e da burocracia. Faz parte dela também uma desconfiança em relação ao lucro.
Nesse meio tempo, as ruas estão cada vez mais dissociadas do que está sendo discutido no mundo político. A relativa calmaria atual pode ser o prenúncio de novas tempestades futuras.
Se tal formulação já é verdadeira no marco mais geral, ganha particular significação quando vista na perspectiva de períodos pré-eleitorais e, mais precisamente, de crise, como a enfrentada pela sociedade brasileira pós-jornadas de junho/julho. Note-se que estas puseram a nu um sério problema de representação política, com os políticos e governantes em geral mostrando-se separados, diria até desapegados, dos cidadãos.
O governo federal (bem como os estaduais e municipais), diante desse quadro, mostrou-se desorientado, dissociando-se dos clamores populares. O País entrou numa disputa partidária sobre a reforma política, que nem nas ruas apareceu. O descolamento aumentou.
Mais particularmente, o País vive num processo de baixo crescimento econômico, com a inflação longe do centro da meta e o governo se contentando em dizer que ela não passará do teto dessa mesma meta, o que é uma evidente distorção. O emprego já começa a dar mostras de desaceleração, mantendo-se estável, com leve tendência de queda. O alarme já soou, num contexto que se apresenta como de difícil reeleição, num jogo que, a persistir a atual situação, se encontra zerado.
Decisões econômicas são urgentes. Seu componente político é inegável. O cálculo eleitoral comparece imediatamente. Acontece que decisões que visem ao bem comum deveriam ser tomadas em perspectivas de médio e longo prazos. Ora, são justamente estas que desaparecem do horizonte. O passado recente do País, envolvendo tanto o PMDB (Plano Cruzado e outros do governo Sarney) como o PSDB (crise cambial no governo FHC), mostra o quanto, por motivos eleitorais, decisões econômicas maiores são postergadas, mergulhando o País, no presente de tais decisões, na crise e no imediatismo.
Como se já não bastassem a inércia econômica e as soluções "criativas", como a da contabilidade fiscal, o governo atual enfrenta-se com anseios cidadãos não atendidos, que podem irromper novamente a qualquer momento, e muito provavelmente nos meses anteriores às eleições de 2014, quando dos preparativos e durante a Copa do Mundo. O que esperar?
O governo optou por uma política econômica dirigista no nível estatal, não hesitando em interferir nos mecanismos de mercado, dos quais guarda visceral desconfiança. Responde aos problemas do mercado com mais intervencionismo, agravando os que tenta resolver. Quanto mais procura regular, mais desregulamentação produz. Os impasses e dilemas não cessam de se reproduzir. Vejamos alguns, salientando o seu caráter propriamente político.
Inflação - Não é de interesse político do governo que a inflação fuja do controle, embora não tome medidas que adequadamente possam trazê-la para o centro da meta, salvo intervencionismos pontuais, como a redução do preço da energia elétrica e a desoneração tributária de alguns setores, entre outros. A equação é política, porque a inflação crescente recai predominantemente sobre as classes mais desfavorecidas, que sentem no bolso o aumento do custo de vida. Ora, estas são beneficiárias do Bolsa Família e constituem a nova classe ascendente. A inflação surge, então, como um problema político-eleitoral. E o que faz o governo? Em vez de diminuir o peso da máquina estatal, reduzindo o seu custeio, responde com mais intervencionismo - e alimentando o processo inflacionário que busca equacionar.
Consumo da classe média - Muito tem sido criticado o fato de o governo privilegiar o crescimento da economia apostando no consumo, em vez do investimento. O modelo baseado no consumo está dando mostras de esgotamento, visível nos pífios índices de crescimento do produto interno bruto (PIB). As autoridades econômicas, diante desse fato, só estão dando respostas pirotécnicas, falando idilicamente de um crescimento futuro que se desmente a cada dia. Perdem legitimidade e nada transmitem de confiança, elementos essenciais para uma economia de livre-mercado.
Do ponto de vista social, não parece haver, no curto prazo, horizonte para que isso se altere, salvo se a presidente optar por uma posição de estadista, alterando o rumo da política econômica, visando o longo prazo. Acontece que sua base eleitoral está ancorada numa política expansionista de consumo, que se traduz em maior compra de automóveis, fogões, geladeiras, etc. Não é casual que depois do Minha Casa, Minha Vida o governo adote uma política de equipamento eletrodoméstico financiado dessas moradias. Os empréstimos bancários multiplicam-se e as dívidas de quem os contrai só crescem. No longo prazo é altamente problemático, no curto rende dividendos eleitorais.
Responsabilidade fiscal - Nesse contexto, falar de responsabilidade fiscal torna-se, quando muito, um exercício de retórica, visando a transmitir uma confiança inexistente. Aliás, os cortes anunciados nos gastos federais, da ordem de R$ 10 bilhões, só frustram ainda mais as expectativas. Há uma razão política de fundo para isso, pois o governo nem bem consegue implementar suas próprias políticas, por problemas evidentes de gestão. Boas iniciativas, como privatização de aeroportos e rodovias e a nova Lei dos Portos, tendem a ficar presas no emaranhado da incompetência e da burocracia. Faz parte dela também uma desconfiança em relação ao lucro.
Nesse meio tempo, as ruas estão cada vez mais dissociadas do que está sendo discutido no mundo político. A relativa calmaria atual pode ser o prenúncio de novas tempestades futuras.
* DENIS LERRER ROSENFIELD É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS.
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