'Mandaram passar a peneira', diz estudante que saiu da Unip
Universidade admite que reprova alunos para ter melhores notas no Enade
Estadão.edu
Admitida pela Universidade Paulista (Unip), a política de reprovar alunos para ter melhores notas no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) provocou fuga de alunos da universidade. Na classe da bacharel Juliana Moreira Soares na Unip de Santos, 75 estudantes de um total de 80 se transferiram para a Universidade Metropolitana de Santos (Unimes) antes do Enade de 2009.
A Unip Santos teve nota 5 no Enade de Direito em 2009. Só 12 alunos que se formaram naquele ano prestaram o exame. A Unimes teve nota 2; 139 formandos fizeram a prova.
"O coordenador do curso dizia que a Unip ia passar a peneira nos alunos por causa do Enade", contou Juliana ao Estadão.edu no ano passado. Em 2009, aliás, foi a primeira vez que o curso jurídico da Unip recebeu nota 5 em diversas unidades paulistas. A universidade teve 1.307 formandos em Direito no Estado naquele ano. Só 350 fizeram o Enade. Em Campinas, por exemplo, só 15 dos 71 veteranos estavam aptos a fazer a prova. O grupo também tirou nota 5.
A Unip afirma que a melhora das notas ocorreu graças a um programa de aperfeiçoamento da qualidade dos cursos. E atribui a discrepância entre concluintes e inscritos no Enade ao fato de muitos alunos se formarem no primeiro semestre, antes da realização do exame.
"Quando a gente entrou, podia carregar dependências para outro semestre. Nunca tinha pego DP, mas no 7.º semestre a classe toda pegou, praticamente", diz Gilson Milton dos Santos, que também saiu da Unip de Santos antes do Enade. "Quando fui fazer matrícula, queriam que eu continuasse no 7.º, mas cursando matérias do 8.º. Para fins acadêmicos, eu me formaria em junho de 2010." Santos disse que havia um clima de pressão. "O coordenador e os professores diziam que o emprego deles dependia de a gente ir bem no Enade."
Juliana e outra colega, Claudete de Carvalho, afirmaram que os cinco alunos que permaneceram na sua classe na Unip fizeram cursinho preparatório para o Enade. "Eles comentaram que ganhariam notebook, pen drive e cursos de pós se fossem bem no exame", disse Claudete.
A Unip admitiu que adota uma preparação específica para melhorar o desempenho no Enade. Também confirmou que premia estudantes com boas notas.
PARA ENTENDER
O Estadão.edu mostrou na última sexta-feira que, após receber uma denúncia, o Ministério da Educação enviou ofício à Unip, na quinta-feira, cobrando, no prazo de dez dias, explicações sobre indícios de irregularidades nas notas do Enade, carro-chefe de uma agressiva campanha de marketing veiculada na imprensa e em outdoors.
Quarta maior universidade do País, com 200 mil estudantes, a Unip é acusada de selecionar apenas os melhores alunos para fazer o Enade. Com isso, pode colocar em xeque todo o sistema de avaliação do ensino superior.
A vice-reitora da Unip, Marília Ancona Lopez, negou que a universidade tenha deixado alunos sem nota para evitar que prestassem o Enade. “Todo mundo que completou o curso fez o exame.” Ela disse que houve “dois ou três” casos de estudantes cujas notas foram atribuídas com atraso. “Foi um número muito pequeno e nós informamos ao MEC os motivos”, disse. “Às vezes acontece de o professor demorar a dar a nota porque o aluno entregou algum trabalho com atraso.”
No domingo, reportagem do Estadão.edu mostrou que só 41% dos formandos de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Nutrição e Odontologia de unidades da Unip no Estado de São Paulo participaram do Enade em 2010. A prova é obrigatória e compõe o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).
O número de formandos da Unip varia de acordo com o calendário do Enade. Em ano de avaliação, o estoque de veteranos de alguns cursos cai em relação ao ano anterior.
A Unip atribui a diferença entre formandos e os inscritos no Enade ao fato de que um contingente expressivo de estudantes conclui o curso no meio do ano. E segundo a vice-reitora, a universidade aumenta a reprovação de estudantes às vésperas do exame. "Criamos um processo de melhoria da qualidade do ensino. Mas, como não dá para mudar todos os cursos ao mesmo tempo, num primeiro momento decidimos trabalhar seguindo o calendário do Enade", disse Marília Ancona Lopez.
A denúncia abriu um debate entre especialistas do ensino superior sobre meios de impedir distorções na avaliação, termômetro da qualidade dos cursos universitários. Uma proposta que será levada este mês ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) é a de criar um porcentual mínimo de participação no exame.
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