Ao sabor do voluntarismo
ROGÉRIO FURQUIM WERNECK - O Globo
A política macroeconômica voltou a ser pautada pelo voluntarismo. O governo parece convencido de que basta a força de sua vontade para que as mazelas da economia sejam rapidamente corrigidas, uma a uma. O câmbio pode ser tão depreciado quanto se queira, as taxas de juros, reduzidas à vontade e o crescimento do PIB, acelerado ao sabor das conveniências políticas. Já era tempo de o país ter aprendido que as coisas não são tão simples. E que experiências voluntaristas desse tipo não passam de surtos coletivos de autoilusão, fadados a enfrentar uma conta salgada no final, quando a inexorável coerência entre as variáveis macroeconômicas se restabelece de forma socialmente perversa. Mas a verdade é que, entre nós, tal aprendizado se tem mostrado bem mais difícil do que se esperava.
O quadro de dificuldades que vêm marcando a economia brasileira é bem conhecido: um regime fiscal que requer elevação sem fim da carga tributária, taxa básica de juros excepcionalmente alta, spreads gigantescos nas operações de crédito, taxa de câmbio com tendência à apreciação, poupança interna baixa, investimento público atrofiado, perda de competitividade da indústria, crescimento econômico medíocre e inflação bem acima da meta.
Inconformado com a perspectiva de mais um ano de crescimento do PIB abaixo de 3%, com desempenho pífio da indústria de transformação, o governo decidiu sair em campo para acertar as coisas a seu modo. Já há algum tempo, o regime de câmbio flutuante havia sido convertido num arranjo de câmbio fixo, no qual o governo tentava impedir que a taxa caísse abaixo de R$ 1,60. Nos últimos meses, contudo, o governo tem recorrido a todo tipo de intervenção para, a qualquer custo, manter o câmbio acima de R$ 1,90.
Do lado das taxas de juros, o Planalto parece convicto de que agora tem condições de dar solução definitiva ao problema. Não só prolongou - já não se sabe até quando - o vigoroso movimento de redução da Selic que teve início em agosto, como desencadeou cruzada nacional pela redução de spreads bancários, com palavras de ordem em discurso de 1 de maio, determinações férreas a bancos públicos e admoestações a bancos privados.
A preocupação com a agenda de redução de taxa de juros e dos spreads bancários é mais do que louvável. O que é lamentável é a ideia de que os desafios envolvidos nessa agenda complexa possam ser enfrentados no grito, a golpes de voluntarismo.
Salta aos olhos que a rápida depreciação do câmbio e a redução imprudente da taxa básica de juros, com efeitos amplificados pela substancial diminuição concomitante de spreads cobrados por bancos públicos - compelidos a expandir crédito e municiados de novas transferências diretas de recursos do Tesouro -, configuram ambiente propício a agravamento do quadro inflacionário em 2013.
Quando isso acontecer, o que fará o governo? O que vem sendo mencionado em Brasília é que, mesmo que os estímulos à demanda se mostrem excessivos, a taxa básica de juros não voltará a ser elevada. Se necessário, o governo recorrerá a medidas macroprudenciais. A menos, claro, que simplesmente assuma de vez sua já indisfarçável disposição de tolerar, num prazo mais longo, uma taxa de inflação bem mais alta que a meta atual.
O curioso é que, enquanto sobra voluntarismo na condução da política macroeconômica, falta determinação na gestão de outras áreas cruciais. O PAC continua entravado. Na esteira da sucessão de escândalos do ano passado, boa parte das cadeias de comando que acionam o investimento público teve de ser desmantelada. E, justo agora, quando, a duras penas, estava tentando remontá-las, o governo se viu às voltas com novas dificuldades, decorrentes da instalação da CPI do caso Cachoeira-Delta. Como a Delta é a maior empreiteira do PAC e tem obras em nada menos que 25 estados, foi preciso montar às pressas uma deprimente operação de contenção de danos. Que, tudo indica, não será capaz de impedir que, mais uma vez, os programas de investimento sejam seriamente afetados.
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