terça-feira, 1 de maio de 2012

BOLHA NO SETOR IMOBILIÁRIO CONTINUA A FAZER VÍTIMAS NOS EUA

Cerca de 45% dos americanos que pediram empréstimos imobiliário decretam falência na Flórida
Philippe Bernard - Le Monde
Cada vez mais americanos são despejados do sonho da casa própria; 45% dos devedores da Flórida estão em situação de falência porque devem ao banco mais do que o valor de seus bens
O Bank of America deve em breve vender a casa dos sonhos dos americanos por 40% de seu valor de compra, mas enquanto isso não acontece um casal se diz "arrasado" por não poder mais dar presentes de aniversário a seus dois filhos e se pergunta que proprietário vai aceitar agora alugar uma moradia para a família. Mas, ao mesmo tempo em que descrevem com minúcia o "desastre", Kate e Marcus Freeman sorriem, trocando olhares de cumplicidade. "Quando eu era criança, me venceram. Mas, desta vez, 'eles' não me pegarão", diz esse bon vivant de 38 anos de bigode gaulês. "Sou casado e feliz há quinze anos e defenderei minha família. 'Eles' não vão mais me atingir".
"Eles" são os banqueiros que transformaram em inferno seu "sonho americano", essa casa de paredes creme texturizadas com jardim, em um condomínio de Lakeland, entre Tampa e Orlando, onde pululam as falências imobiliárias. "Eles venderam o sonho das casas, depois prejudicavam quem não conseguia pagar suas prestações", diz Marcus Freeman. "Não é humano". Ele, que se considera 'conservador cristão', se revolta contra "os políticos de Washington que ignoram gente como nós, para quem US$ 100 [R$ 188] é uma grande quantia".
Três dias por semana, no cruzamento de duas rodovias, a alguns quarteirões de sua futura ex-casa, Marcus Freeman fica sentado em uma banquinha onde vende jarras de chili que ele mesmo prepara. A silhueta de uma casa com chaminé decora o rótulo: aquilo que a venda desse molho espesso, uma mistura de carne moída, feijão e tomate, deve ajudar sua família a reconquistar. A matéria-prima desse fast-food que o casal abrirá "daqui a alguns anos".
A família Freeman ou a dramática banalidade do setor imobiliário da Flórida. Quatro anos depois que estourou a bolha dos subprimes, 45% dos devedores desse Estado – um recorde nacional – estão em situação de falência porque devem ao banco mais do que o valor de seus bens, que desde a crise caiu pela metade, em média.
Antigamente, Kate e Marcus ganhavam o suficiente para viver, ele como contador e ela como professora. Eles não assumiram nenhum risco irrefletido ao fazer um empréstimo de US$ 200 mil a ser pago ao longo de trinta anos. Mas dois incidentes, um da vida – uma repentina perda de emprego após um acidente de carro – e outro da economia – a queda do preço das casas – acabaram com seu equilíbrio financeiro. Os honorários pagos a um advogado apático e a ganância do banco, que aumentava suas prestações a cada inadimplência, precipitaram o naufrágio.
No mapa interativo consultável pela internet que aponta esses "bons negócios" que são os bens resultantes de uma falência, a Flórida inteira pisca. O Estado concentra um quarto dos 3,3 milhões do total dessas foreclosures (execuções hipotecárias) declaradas nos Estados Unidos. Em um ponto e outro, concentrações incríveis.
Em Magnolia Court, um condomínio decadente de Orlando cujas cercas já não existem mais há muito tempo, quase 70% das moradias estão nessa situação. Alguns proprietários, cuja falência foi declarada na Justiça, aguardam angustiados a chegada do oficial de Justiça encarregado de seu despejo.
Alguns apartamentos, comprados por revendedores de imóveis por uma ninharia (US$ 15 mil por uma casa de dois quartos), abrigam locatários, muitas vezes negros e latinos em busca de um aluguel baixo. Outros, vazios e vandalizados, são alvo de invasores e traficantes. Vigaristas se passam por proprietários e embolsam o aluguel.
"Não escolhi viver aqui", constata Lucy Hill, que perdeu seu emprego no outono de 2011 e cujo apartamento acaba de ser inundado pela casa vizinha, totalmente escancarada. Independentemente do que aconteça, essa secretária executiva afro-americana votará "no atual presidente, como em 2008". "Ele está fazendo o melhor que pode, mas precisa de tempo para fazer a faxina nos bancos", ela afirma atacando "Romney, que nasceu em berço de ouro, paga poucos impostos e quer tirar o pouco de ajuda que temos".
No entanto, não é certeza que a crise imobiliária terá um impacto direto sobre as eleições presidenciais de novembro. "As pessoas não estão buscando culpados. Elas estão ocupadas demais tentando sobreviver. Se elas estão com raiva, é dos bancos", diz Nancy Mac Donald, horticultora no distrito de classe alta de Mount Dora, onde nem as casas de alguns milhões de dólares não foram poupadas. "A alta dos preços da gasolina faz parte de todas as conversas, agora. É ali que se decidirá a eleição".
À estabilização dos preços e à retomada das vendas "perceptível de seis meses para cá", segundo Viviana Katz, corretora imobiliária em Orlando, soma-se a outro fator de amortecimento da crise. Os bancos, por estarem imersos em hipotecas e também por medo de fazer os preços despencarem ao saturar o mercado com inúmeros imóveis provenientes de falências, têm deixado os ocupantes inadimplentes permanecerem nos locais por cada vez mais tempo: mais de dois anos em média na Flórida, outro recorde nacional.
Greg Wolf, 53, bem-sucedido gerente comercial, vive indiretamente nesse entremeio. No início dos anos 2000, seus pais, já quase octogenários, foram incentivados pelo banco a se inscreverem em um crédito para trinta anos, do qual eles nem precisavam. "O banco pensava que ia recuperar rapidamente seus bens", ele explica. Hoje, um deles com mal de Alzheimer e o outro com câncer, foi declarada a falência deles: depois que seus inquilinos quebraram, eles de fato pararam de pagar suas prestações. Isso foi há dois anos e nada aconteceu.
O termo "predador" vem rapidamente à boca de Wolf quando este fala sobre os bancos. "Eles exploraram o desejo dos americanos de terem mais do que podiam pagar. Que peguem tudo e parem de perseguir meus pais!" Para ele, Barack Obama se tornou cúmplice do escândalo, por sua "falta de autoridade". "Ele gastou bilhões do dinheiro público para salvar os bancos, sem exigir qualquer contrapartida para os devedores". As ajudas individuais negociadas pelo presidente? "Ninguém nem viu a cor", ele afirma.
Eleitor republicano, ele aprova a solução defendida por Mitt Romney, o provável adversário de Obama: "Não entravar os procedimentos de falência, deixar que eles naufraguem." "Deixar o mercado agir" até que o setor imobiliário, depois de depurado, finalmente se recupere.
Tradutor: Lana Lim

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