sábado, 5 de maio de 2012

Carta Aberta a Frei Betto
João Luiz Mauad - OL
Prezado Senhor,
Recentemente, o senhor fez publicar em vários veículos mais uma de suas indefectíveis perorações contra o capitalismo e a favor do marxismo. Nesta última, o senhor escreve, entre outras coisas, o seguinte:
“Hoje, o capitalismo é hegemônico no mundo. E de 7 bilhões de pessoas que habitam o planeta, 4 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza, e 1,2 bilhão padecem fome crônica. O capitalismo fracassou para 2/3 da humanidade que não têm acesso a uma vida digna.”
Não pretendo entrar no mérito dos números e estatísticas citados pelo senhor, embora eles não espelhem a realidade, que é de queda relativa acentuada nos níveis de pobreza mundial (caso se interesse, pode obter dados confiáveis a respeito diretamente no site do World Bank).
Minha proposta é focar naquilo que o senhor não disse: em primeiro lugar, para afirmar que o capitalismo fracassou, seria necessário comparar as condições atuais com as condições anteriores à sua implantação. Mas se fizesse isso, o senhor necessariamente teria que concluir que as condições humanas antes do capitalismo eram muito piores do que são hoje. Desde os tempos imemoriais, quem nascia pobre morria de fome ou passava a vida lutando contra um sem numero de privações, doenças, etc. Nossos ancestrais trabalhavam de sol a sol, 7 dias por semana, sem direito a descanso e em ambientes absolutamente insalubres. Suas chances de ascensão social eram inexistentes e a expectativa de vida (há trezentos anos apenas) não ia além dos quarenta e poucos anos.
Já sob o modelo capitalista que o senhor tanto abomina e contra o qual não se cansa de lançar vitupérios, mesmo os pobres dispõem de um padrão de vida, senão confortável pelo menos muito mais digno. A imensa maioria trabalha somente 8 horas por dia, seis vezes por semana, em ambientes muito mais sadios e tem direito a um período de descanso anual. Suas chances de ascensão social são infinitamente melhores do que a de seus antepassados e a expectativa vida, no nascimento, já está além dos 70 anos. Comparado ao que existia antes, portanto, dizer que o capitalismo fracassou é, no mínimo, uma grande inverdade.
Em segundo lugar, é preciso deixar claro que, se o mundo ainda não atingiu o estágio de prosperidade que todos desejamos, isso se deve não ao capitalismo, mas à falta dele. Exemplos abundam nesse sentido. Deixe-me citar apenas um:
Duas ex-colônias inglesas da África Meridional, Zimbabwe e Botswana, enveredaram por caminhos bastante distintos depois das respectivas independências. A primeira, governada pelo truculento Robert Mugabe, nação um dia chamada de “A Jóia da África”, seguiu o caminho do socialismo, lançando mão de frenéticas políticas de expropriação, redistribuição e estatização da economia. Como era previsível – pelo menos para quem conhece minimamente a teoria econômica e a história do século XX -, seu povo tem comido o pão que o diabo amassou, com destaque para a fome, as doenças, a perseguição política, a hiperinflação e a falta de liberdade.
Enquanto isso, a vizinha Botswana escolheu um caminho bem diferente, tendo-se tornado uma das mais dinâmicas economias, não apenas do continente, mas de todo mundo, dona de uma renda per capita de aproximadamente US$16.000 (PPP*), superior a do próprio Brasil (US$11.770) e equivalente a dezenas de vezes a do Zimbabwe – esta última estimada em parcos US$487,00. Graças à aderência ao Estado de Direito e à economia de mercado (ainda que com doses de intervencionismo), há no país um clima de relativa prosperidade. Seu IDH, por exemplo, é de 0,633 e o índice de alfabetização de 81%.
A diferença entre os dois países chega a ser gritante. Enquanto Botswana tem mantido, desde a sua independência, taxas de crescimento econômico altas e sustentadas, o povo do Zimbabwe vive na mais absoluta penúria. Não por acaso, os níveis de renda e bem estar dos dois países mantêm fortíssima correlação com os respectivos índices de liberdade econômica. Enquanto Botswana ocupa o 33º lugar no ranking da Heritage Foundation (Mostly Free), o Zimbabwe é o 178º (Repressed), à frente somente da Coreia do Norte e atrás até mesmo de Cuba – aquela tirania caribenha que o senhor tanto aprecia.
Engana-se porém quem pensa que as coisas foram sempre assim. Na época da sua independência, Bostswana tinha somente oito quilômetros de estradas (a maioria de terra batida). Não dispunha nem mesmo de uma moeda própria e utilizava a da África do Sul em suas trocas. Por volta de 1970, a renda per capta era de US$ 590, enquanto a média dos demais países da África Negra (exceto África do Sul) era de US$ 609.
Já a história do Zimbabwe é diametralmente oposta. Em 1980, quando Mugabe subiu ao poder, o país tinha uma renda per capta ao redor de US$ 1.600. Hoje, para desespero do povo daquele país, sua RPC caiu para míseros US$ 487. Para se ter uma idéia da penúria daquele povo, a estimativa de vida, que vem subindo a taxas altíssimas em todo mundo, caiu de 60 anos, em 1990, para apenas 42 anos, atualmente. Não por acaso, o IDH do Zimbabwe é apenas 0,376.
É evidente que todas essas diferenças não existem por mero acaso ou por fatores naturais. Há muito tempo já se sabe que o desenvolvimento econômico e social das nações guarda relação direta e estreita com certas instituições formais e informais, com destaque para o respeito ao direito de propriedade, a liberdade de comércio, empreendimento e escolhas individuais.
Nos exemplos de Botswana e Zimbabwe, fica claro que o tamanho do Estado e a interferência dos governos na vida econômica tiveram papel preponderante nos destinos das duas nações durante os últimos 50 anos. Enquanto na primeira o Estado manteve-se relativamente contido, dentro de suas atribuições primordiais, oferecendo segurança, garantindo o direito de propriedade e cuidando da infra-estrutura, na segunda ocorreu basicamente o inverso.
A exemplo de Alemanha e Coreia, que sofreram divisões geopolíticas forçadas por guerras e mostraram ao mundo resultados sócio-econômicos totalmente diversos nos dois lados da fronteira, Zimbabwe e Botswana também dividem, além de uma grande fronteira, homogeneidade étnica, além de culturas e tradições bastante similares. A diferença está justamente nas escolhas dos modelos adotados.
Depois de tantos exemplos ao longo da história, portanto, concluo que só altas doses de fantasia ideológica, sintetizada pela permanente recusa em aceitar evidências plenas de nossos sentidos e o sistemático desprezo pelo raciocínio lógico, para fazer alguém, em sã consciência, continuar apostando no socialismo.
(*) PPP = Purchasing Power Parity
Atenciosamente,
João Luiz Mauad

Sobre o Autor
João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ e profissional liberal (consultor de empresas).

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