Da corrupção e um certo esforço peripatético
Bruno Garschagen - OL
É sempre muito engraçado ouvir ou ler pessoas a defenderem como solução para acabar com a corrupção a criação de novas leis e o aumento da intervenção do estado.
Segundo Jeffrey A. Miron, em seu Libertarianism, from A to Z, a corrupção emerge principalmente por causa das leis que impedem as oportunidades de lucro privado ou interferem na troca mutualmente benéfica. “Se o governo exige uma taxa ou licença para exercer um certo tipo de negócio ou uma profissão em particular, os interessados acharão um jeito mais barato para subornar um agente estatal importante para pagar pela licença ou permissão” (p. 49).
O problema é que, no atual estágio institucional em que vivemos, há uma tendência de olhar esses atos de corrupção como benéficos para a eficiência económica porque desfazem os efeitos daquelas leis maléficas à iniciativa privada. Assim, a corrupção ativa e passiva são remédios perfeitamente legítimos contra o ambiente negativo encontrado pelos empreendedores.
A questão de se manter esse tipo de conduta é perverter toda a moralidade inerente ao capitalismo e ao livre mercado baseado nas decisões voluntárias livres de um poder centralizado que determine quem pode fazer o quê. Qualquer perspectiva benevolente à ação do agente estatal que facilita, devido à sua posição na estrutura institucional, a atividade privada mediante pagamento, corrigindo assim as falhas de governo, converte a corrupção num incentivo benéfico que ele efetivamente não é. A corrupção emerge, na maioria das vezes, da intervenção do estado, e a ação dos seus agentes para facilitar a vida dos privados não pode ser considerada moralmente legítima porque assim referendamos, ativa ou passivamente, a existência do estado como tal.
Mises, em seu Omnipotent Government, afirmou que “a corrupção é um mal inerente a todo governo não controlado por uma opinião pública vigilante” (p. 206). Eu, no conforto da distância histórica, posso afirmar que Mises estava num dia especialmente otimista quando cunhou essa frase.
Mas eu dizia que é sempre muito engraçado ouvir ou ler pessoas a defenderem o aumento da intervenção estatal e a criação de novas leis como solução para acabar com a corrupção. Sempre pergunto: onde ocorre a corrupção, na esfera estatal ou na iniciativa privada? O interlocutor sorri triunfante e solta a resposta que julga definitiva: “acontece dentro da esfera estatal, mas quem corrompe é sempre a iniciativa privada”. É a minha vez de sorrir, de vestir aquelas ridículas roupas gregas da época, colocar a barba postiça e imitar Sócrates. Pego no braço do interlocutor e o levo para caminhar, num esforço peripatético. E pergunto:
- Qual origem da corrupção?
- O capitalismo, responde-me, ainda com ar triunfante.
- Quem corrompe?
- Os empresários que querem assaltar o dinheiro público.
- Quem são os corrompidos?
- Os corruptos que trabalham para ou dentro do estado.
- Quem são esses corruptos passivos?
- Políticos, membros do governo, integrantes do judiciário, servidores, membros do partido no poder nomeados para cargos comissionados etc.
- Os corruptos estão entranhados na estrutura do estado, dificultando a sua identificação individual, enquanto os corruptores são perfeitamente identificáveis?
- Sim.
- E quer dizer que os corruptos entranhados na estrutura do estado, além da dificuldade de serem identificados, ainda contam com a estrutura do próprio estado para não serem identificados e, uma vez sendo, conseguirem proteção daqueles a que estão vinculados?
- Sim, mas…
- Então quer dizer que você considera mais pernicioso os corruptores ativos, que você identifica como representantes da iniciativa privada, mesmo que boa parte deles aja de acordo com os incentivos formais e informais decorrentes da ação daqueles corruptos passivos entranhados na estrutura do estado que são responsáveis diretos por construir esse ambiente que estimula e potencializa a corrupção e do qual são beneficiários?
- Sim, mas…
- Então quer dizer que, sob o aspecto moral, você hierarquiza aqueles que criam o ambiente institucional e legal para dele se beneficiar e coloca no topo da sordidez aqueles que agem como corruptos ativos porque se aproveitam desse ambiente criado pelos corruptores?
- O assunto é bem mais complexo do que você quer fazer parecer…
- Diga-me como é possível, se é possível, defender o combate ou o fim da corrupção, e ao mesmo tempo considerar quase inimputáveis aqueles agentes que operam dentro do estado para construir todo um ambiente legal e institucional que os beneficie e consiga, ao mesmo tempo e de forma eficiente, transferir a responsabilidade da corrupção aos agentes artificialmente ativos da corrupção? Volto a perguntar: por que há corrupção?
- Por causa da ganância dos empresários e dos maus agentes políticos.
- Bom, agora, além dos empresários, você responsabiliza os agentes políticos qualificados de forma negativa?
- Sim. Eles também são culpados.
- Você concorda que só há corrupção porque há, de um lado, a oferta de um poder decisório sobre o que todos podemos ou não fazer e dinheiro em abundância concentrado nas mãos do estado, dinheiro esse expropriado das riquezas produzidas por essa sociedade?
- Sim, mas…
- Permita-me interrompê-lo para seguirmos adiante. Se você concorda que há de um lado um ente que concentra o poder de decisão sobre aquilo que se pode ou não fazer e que, além desse poder, obtém uma fonte intermitente de capital porque expropria essas riquezas da sociedade, e, de outro lado, um grupo de agentes privados que são, de uma forma ou de outra seduzidos por esse poder descomunal e se tornam agentes ativos da corrupção, como é possível estabelecer uma hierarquia que determine que esses entes são mais corruptos do que aqueles que defendem o estado?
- É possível sim porque o estado nos representa, aqueles que trabalham para o estado defendem a sociedade, a coisa pública.
- Se o estado nos representa e aqueles que trabalham para o estado defendem a sociedade e a coisa pública como é que podem estimular a corrupção e serem dela beneficiários?
- Estou sacando o seu jogo. Você está querendo me confundir.
- Pelo contrário. Quero entender como funciona uma mentalidade estatista.
- Mas eu não sou estatista! Sou empresário!
- Você pode ser um empresário, mas é um dos milhões que formam o capitalismo envergonhado na Terra de Vera Cruz.
- Você está me ofendendo.
- Não mais do que você o fez sozinho. Não consigo compreender como um empresário, que no Brasil é desestimulado e até mesmo impedido de exercer a sua atividade, pode ao mesmo tempo defender o governo e a ação hedionda do estado. Seria essa uma versão cabocla da síndrome de Estocolmo?
- Mas eu sofro com toda essa burocracia, carga tributária e incompetência do órgãos do estado!
- E ainda assim você acusa o capitalismo como a fonte da corrupção e acha que o estado é moralmente superior à iniciativa privada?
- Eu não disse isso.
- Você acha que não, mas o fez, o que o transforma num inocente útil.
- Inocente útil? Você só pode estar brincando.
- Eu poderia dizer o mesmo, mas só aumentaria a piada de mau gosto.
- Qual piada?
- A de que, regra geral, temos um capitalismo envergonhado e empresários que são mais estatistas do que o estado.
- Que absurdo!
- Então me diga: se você pudesse escolher, dados os incentivos que tens hoje para desenvolver sua atividade, preferiria ser empresário ou servidor público, esse eufemismo?
- Aí você não me dá muita escolha…
Sobre o Autor
Bruno Garschagen é colunista do OrdemLivre.org, podcaster do Instituto Mises Brasil e especialista do Instituto Millenium.
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