Plenitude de liberdade de imprensa
Carlos Alberto de Franco - OESP
Em palestra de encerramento do Seminário Internacional de Liberdade de Expressão, dia 4, em São Paulo, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto, fez uma vibrante defesa da liberdade de imprensa e de expressão.
Nos dois dias do seminário, promovido pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS), especialistas avaliaram que, embora a Corte Suprema venha decidindo em favor do livre exercício do jornalismo, juízes de primeiro e segundo graus por vezes restringem a liberdade de expressão.
Ayres Britto foi contundente. Seu discurso não deixou margem para interpretações ambíguas: "Onde for possível a censura prévia se esgueirar, se manifestar, mesmo que procedente do Poder Judiciário, não há plenitude de liberdade de imprensa". Para o presidente do STF, o confronto de interesses entre o livre exercício do jornalismo e o direito à privacidade "inevitavelmente" se dará. O ministro garante, porém, que a nossa Carta Magna estabelece a prioridade à livre expressão ante o direito à privacidade: "A liberdade de imprensa ocupa, na Constituição, este pedestal de irmã siamesa da democracia".
O interesse público está acima do interesse privado. O direito à informação, pré-requisito da democracia, reclama o dever de informar. E os meios de comunicação demandam liberdade e independência para cumprir o seu dever de informar. A privacidade dos homens públicos é relativa. O cargo público traz consigo a incontornável necessidade de transparência. "O poder", dizia Rui Barbosa no seu belíssimo texto A Imprensa e o Dever da Verdade, "não é um antro: é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. Queiram, ou não queiram, os que se consagraram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro." Clareza absoluta. É o mínimo que se deve exigir dos homens públicos.
Numa tentativa de reduzir o número de decisões judiciais que, na contramão do pensamento da Corte Suprema, resultam em censura ou punição de jornalistas, Ayres Britto pretende utilizar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - que também preside - para informar o restante do Judiciário sobre a posição do STF acerca da liberdade de expressão: "Eu pretendo, junto com os conselheiros do CNJ, desenvolver programas, quem sabe até campanhas, esclarecendo o conteúdo da decisão do Supremo (que derrubou a Lei de Imprensa, em 2009), que foi pela plenitude da liberdade de imprensa".
Em contraste com o discurso do ministro Ayres Britto, a imprensa registrou recentes declarações do presidente nacional do PT, Rui Falcão. Segundo ele, o governo poderá pôr em discussão o marco regulatório da comunicação. "O governo da presidente Dilma Rousseff se prepara agora para um grande desafio, que iremos nos deparar (sic) na campanha eleitoral, que é a apresentação para consulta pública do marco regulatório da comunicação", disse o dirigente petista durante encontro em Embu das Artes, na Grande São Paulo, para discutir estratégias eleitorais do partido.
O PT, curiosamente, deletou as reiteradas declarações de Dilma em favor da liberdade de imprensa. Na celebração dos 90 anos da Folha de S.Paulo, a presidente Dilma Rousseff, armada de um texto sem ambiguidades, resgatou o clima de respeito e de compreensão que, sem prejuízo da necessária independência, deve caracterizar a convivência entre o poder público e a imprensa numa sociedade democrática.
"Uma imprensa livre, pluralista e investigativa é imprescindível para um país como o nosso (...). Devemos preferir o som das vozes críticas da imprensa livre ao silêncio das ditaduras", disse a presidente da República no evento comemorativo de um importante jornal. Essas mesmas palavras ela já havia dito quando, recém-eleita, pronunciou seu primeiro discurso.
O pronunciamento feito na Sala São Paulo diante de uma plateia de 1.200 convidados teve forte carga simbólica. Dilma, de fato, assumiu inequívoco compromisso com a liberdade de imprensa e de expressão. E sinalizou uma positiva ruptura com o passado recente de permanente ataque à liberdade de imprensa, ao jornalismo independente e aos formadores de opinião. Os brasileiros têm o direito de acreditar na palavra da presidente da República.
É claro que a liberdade de imprensa reclama responsabilidade ética. E Ayres Britto defendeu uma autorregulamentação dos veículos de comunicação. "A imprensa é o poder social por excelência", observou. "O poder social da imprensa também deve ser controlado, mas não pelo Estado", sublinhou o ministro. Na visão do presidente do STF, o amadurecimento da democracia levará ao autocontrole dos veículos de comunicação. É por aí que a democracia cresce.
Não defendo, por óbvio, uma imprensa irresponsável. Afinal, tenho martelado, teimosa e reiteradamente, que a responsabilidade é a outra face da liberdade. Não sou contra os legítimos instrumentos que coíbam os abusos da mídia. Mas eles já existem e estão previstos na Constituição e na legislação vigente, sem necessidades de novas intervenções do Estado.
O que fazer quando a política se transforma em plataforma de banditismo? O que fazer quando políticos se lixam para a opinião pública? Só há um caminho: informação livre e independente. Não se constrói um país com mentira, casuísmo e esperteza. Não se levanta uma democracia com a mesma ferramenta autoritária usada pela ditadura, de triste memória: a censura. Controles e regulação são apenas eufemismos que ocultam o que, de fato, se pretende: uma Nação ajoelhada diante de um projeto único de poder. O Brasil não quer isso.
A presidente Dilma captou o recado da cidadania. E o Supremo Tribunal Federal assumiu o papel de avalista da liberdade de imprensa e de expressão.
*DOUTOR EM COMUNICAÇÃO, É PROFESSOR DE ÉTICA E DIREITO DO MASTER EM JORNALISMO
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