Jürgen Gottschlich - Der Spiegel
AFP
Gaivota voa no céu de Istambul, na Turquia
A observação de um comissário europeu, para quem um dia Alemanha e França se arrastarão "de joelhos" e implorarão à Turquia para que se torne membro União Europeia (EU), irritou Berlim e fez Ancara vibrar. Agora que a chanceler alemã Angela Merkel se prepara para visitar a Turquia, o país está pressionando por mais concessões.
A imprensa turca certamente não deixou o tema passar em branco. O comentário, feito pelo Comissário Europeu da Energia, Günther Oettinger, um alemão, estampou quase todas as primeiras páginas dos jornais do país. "Eu aposto que, um dia durante a próxima década, um chanceler alemão e seu homólogo francês terão que se arrastar até Ancara de joelhos e implorar aos turcos: ‘amigos, venham a nós’", teria dito Oettinger na segunda-feira passada durante um discurso no escritório de Bruxelas da fundação Konrad Adenauer Stiftung.
Esse tipo de gesto de humildade encanta os turcos, que sentem que há anos têm sido mantidos à distância em relação a sua adesão à União Europeia. Mas, embora Oettinger esteja sendo elogiado por sua previsão sobre a Turquia, seus comentários, publicados pelo tabloide alemão Bild, consternaram seus concidadãos europeus.
O ministro para Assuntos Europeus da Turquia, Egemin Bagis, disse não ter certeza se um dia os europeus "virão rastejando ou cairão de joelhos" para pedir à Turquia que entre na UE, informaram os meios de comunicação turcos na quinta-feira passada. "Mas uma coisa eu sei com certeza", acrescentou ele, "eles certamente vão ceder".
A chanceler alemã Angela Merkel tem se mostrado menos suscetível a se impressionar com as declarações de Oettinger, que é membro de seu partido, o conservador União Democrata Cristã (CDU). As relações com Ancara têm estado tensas antes da visita de dois dias da chanceler à Turquia, agendada para começar no próximo domingo – e as palavras de Oettinger não vão facilitar a tarefa de Merkel para justificar o ritmo arrastado com que tem avançado o fortalecimento dos laços entre Turquia e UE.
Os turcos provavelmente confrontarão Merkel com a declaração de Oettinger para aumentar a pressão sobre a Alemanha. Bagis disse quinta-feira passada que esperava que a declaração tivesse efeito benéfico sobre a política da UE em relação à Turquia. As negociações para a entrada da Turquia no bloco de 27 países estão paralisadas há mais de dois anos. Desde o início dos esforços para a sua adesão, em 2005, a Turquia cumpriu apenas um dos 34 capítulos do acervo comunitário necessário para sua entrada na UE – e esse capítulo que se concentrou em ciência e pesquisa.
A França exige um novo capítulo
Mas, recentemente, observou-se uma movimentação em outro lugar. A França – que ao lado da Alemanha dificultou o processo de adesão da Turquia durante o governo do ex-presidente Nicolas Sarkozy – sinalizou, há duas semanas, que poderia levantar o bloqueio á Turquia. Em um gesto de boa vontade, o novo governo do presidente socialista François Hollande está pronto a abrir outro capítulo do processo de adesão turco. Bagis, o ministro dos Assuntos Europeus da Turquia, viajou a Paris na quinta-feira passada para se reunir com Bernard Cazeneuve, seu homólogo francês, e discutir os próximos passos.
A tentativa de reconciliação ocorreu depois de o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan ter alertado, durante visita a Praga no início de fevereiro – da mesma forma que fez no outono de 2012, em Berlim –, que sua paciência com a UE estava se esgotando. "Depois de 50 anos às portas da UE, agora a comunidade europeia deve finalmente decidir (sobre a entrada da Turquia no bloco)", disse ele. Como alternativa, o primeiro-ministro turco sugeriu que seu país também pode entrar para a Organização de Cooperação de Xangai, que inclui países asiáticos em desenvolvimento, além de Rússia e China. "As potências econômicas do mundo estão se deslocando do Ocidente para o Oriente, e a Turquia é uma dessas economias em crescimento", disse Erdogan.
Esse cenário pode ter motivado a observação de Oettinger – e Merkel terá que enfrentá-lo quando for a Ancara para negociações políticas na segunda-feira, após visitar as tropas alemãs estacionadas ao longo da fronteira da Turquia com a Síria. Mas isso não significa que as autoridades turcas esperam que a chanceler promova uma reviravolta nessa questão, principalmente porque 2013 é ano eleitoral na Alemanha. "Mas esperamos que a França entre em sincronia com os alemães", disse uma fonte do Ministério das Relações Exteriores da Turquia.
Questões delicadas
Do ponto de vista de Ancara, o teste decisivo para a atitude de Berlim em relação à Turquia é a questão de como são tratados os vistos concedidos pela UE aos cidadãos turcos. "É uma vergonha a forma como a Turquia, na posição de país candidato à adesão, é tratada pela UE em relação à questão dos vistos", reclamou recentemente o ministro das Relações Exteriores da Turquia, Ahmet Davutoglu. "Nossa população não consegue entender isso".
Durante anos, a Turquia tem solicitado que as restrições aos vistos concedidos a cidadãos turcos em viagem aos países da Zona de Schengen, da UE, sejam relaxadas. Durante suas visitas à Turquia, Merkel tem ouvido repetidamente que até mesmo os empresários turcos que pretendem investir na Alemanha têm dificuldades para obter um visto. Mas pouca coisa foi feita para mudar isso.
Agora, Ancara recebeu uma proposta da Comissão Europeia para que a Turquia assine um acordo segundo o qual o país será obrigado a receber de volta os imigrantes ilegais que cruzarem sua fronteira com a Grécia. Em troca, as negociações para a eliminação do visto de entrada na UE para cidadãos turcos seriam retomadas.
O governo turco tem adiado a assinatura desse acordo porque quer uma garantia de que a eliminação gradual da exigência de visto para os turcos está realmente sendo planejada. Depois que o ministro do Interior alemão, Hans-Peter Friedrich, rejeitou categoricamente a eliminação dos vistos de entrada na Alemanha, durante visita à Turquia ocorrida há 10 dias, os turcos estão aguardando ansiosamente qualquer coisa que Merkel tenha a dizer sobre o assunto.
Mas existe outra questão que estará na mente das autoridades em Ancara, onde elas certamente perceberão que o debate sobre a dupla cidadania esquentou mais uma vez na Alemanha, país que abriga uma grande diáspora turca, de cerca de 3 milhões de pessoas. Em carta aberta endereçada a Erdogan e Merkel, a Comunidade Turca da Alemanha (TGD) pediu que as atuais barreiras à concessão da dupla nacionalidade fossem levantadas. Esse é um pedido que provavelmente será bem recebido pelo primeiro-ministro turco.
Tradutor: Cláudia Gonçalves
Gaivota voa no céu de Istambul, na Turquia
A observação de um comissário europeu, para quem um dia Alemanha e França se arrastarão "de joelhos" e implorarão à Turquia para que se torne membro União Europeia (EU), irritou Berlim e fez Ancara vibrar. Agora que a chanceler alemã Angela Merkel se prepara para visitar a Turquia, o país está pressionando por mais concessões.
A imprensa turca certamente não deixou o tema passar em branco. O comentário, feito pelo Comissário Europeu da Energia, Günther Oettinger, um alemão, estampou quase todas as primeiras páginas dos jornais do país. "Eu aposto que, um dia durante a próxima década, um chanceler alemão e seu homólogo francês terão que se arrastar até Ancara de joelhos e implorar aos turcos: ‘amigos, venham a nós’", teria dito Oettinger na segunda-feira passada durante um discurso no escritório de Bruxelas da fundação Konrad Adenauer Stiftung.
Esse tipo de gesto de humildade encanta os turcos, que sentem que há anos têm sido mantidos à distância em relação a sua adesão à União Europeia. Mas, embora Oettinger esteja sendo elogiado por sua previsão sobre a Turquia, seus comentários, publicados pelo tabloide alemão Bild, consternaram seus concidadãos europeus.
O ministro para Assuntos Europeus da Turquia, Egemin Bagis, disse não ter certeza se um dia os europeus "virão rastejando ou cairão de joelhos" para pedir à Turquia que entre na UE, informaram os meios de comunicação turcos na quinta-feira passada. "Mas uma coisa eu sei com certeza", acrescentou ele, "eles certamente vão ceder".
A chanceler alemã Angela Merkel tem se mostrado menos suscetível a se impressionar com as declarações de Oettinger, que é membro de seu partido, o conservador União Democrata Cristã (CDU). As relações com Ancara têm estado tensas antes da visita de dois dias da chanceler à Turquia, agendada para começar no próximo domingo – e as palavras de Oettinger não vão facilitar a tarefa de Merkel para justificar o ritmo arrastado com que tem avançado o fortalecimento dos laços entre Turquia e UE.
Os turcos provavelmente confrontarão Merkel com a declaração de Oettinger para aumentar a pressão sobre a Alemanha. Bagis disse quinta-feira passada que esperava que a declaração tivesse efeito benéfico sobre a política da UE em relação à Turquia. As negociações para a entrada da Turquia no bloco de 27 países estão paralisadas há mais de dois anos. Desde o início dos esforços para a sua adesão, em 2005, a Turquia cumpriu apenas um dos 34 capítulos do acervo comunitário necessário para sua entrada na UE – e esse capítulo que se concentrou em ciência e pesquisa.
A França exige um novo capítulo
Mas, recentemente, observou-se uma movimentação em outro lugar. A França – que ao lado da Alemanha dificultou o processo de adesão da Turquia durante o governo do ex-presidente Nicolas Sarkozy – sinalizou, há duas semanas, que poderia levantar o bloqueio á Turquia. Em um gesto de boa vontade, o novo governo do presidente socialista François Hollande está pronto a abrir outro capítulo do processo de adesão turco. Bagis, o ministro dos Assuntos Europeus da Turquia, viajou a Paris na quinta-feira passada para se reunir com Bernard Cazeneuve, seu homólogo francês, e discutir os próximos passos.
A tentativa de reconciliação ocorreu depois de o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan ter alertado, durante visita a Praga no início de fevereiro – da mesma forma que fez no outono de 2012, em Berlim –, que sua paciência com a UE estava se esgotando. "Depois de 50 anos às portas da UE, agora a comunidade europeia deve finalmente decidir (sobre a entrada da Turquia no bloco)", disse ele. Como alternativa, o primeiro-ministro turco sugeriu que seu país também pode entrar para a Organização de Cooperação de Xangai, que inclui países asiáticos em desenvolvimento, além de Rússia e China. "As potências econômicas do mundo estão se deslocando do Ocidente para o Oriente, e a Turquia é uma dessas economias em crescimento", disse Erdogan.
Esse cenário pode ter motivado a observação de Oettinger – e Merkel terá que enfrentá-lo quando for a Ancara para negociações políticas na segunda-feira, após visitar as tropas alemãs estacionadas ao longo da fronteira da Turquia com a Síria. Mas isso não significa que as autoridades turcas esperam que a chanceler promova uma reviravolta nessa questão, principalmente porque 2013 é ano eleitoral na Alemanha. "Mas esperamos que a França entre em sincronia com os alemães", disse uma fonte do Ministério das Relações Exteriores da Turquia.
Questões delicadas
Do ponto de vista de Ancara, o teste decisivo para a atitude de Berlim em relação à Turquia é a questão de como são tratados os vistos concedidos pela UE aos cidadãos turcos. "É uma vergonha a forma como a Turquia, na posição de país candidato à adesão, é tratada pela UE em relação à questão dos vistos", reclamou recentemente o ministro das Relações Exteriores da Turquia, Ahmet Davutoglu. "Nossa população não consegue entender isso".
Durante anos, a Turquia tem solicitado que as restrições aos vistos concedidos a cidadãos turcos em viagem aos países da Zona de Schengen, da UE, sejam relaxadas. Durante suas visitas à Turquia, Merkel tem ouvido repetidamente que até mesmo os empresários turcos que pretendem investir na Alemanha têm dificuldades para obter um visto. Mas pouca coisa foi feita para mudar isso.
Agora, Ancara recebeu uma proposta da Comissão Europeia para que a Turquia assine um acordo segundo o qual o país será obrigado a receber de volta os imigrantes ilegais que cruzarem sua fronteira com a Grécia. Em troca, as negociações para a eliminação do visto de entrada na UE para cidadãos turcos seriam retomadas.
O governo turco tem adiado a assinatura desse acordo porque quer uma garantia de que a eliminação gradual da exigência de visto para os turcos está realmente sendo planejada. Depois que o ministro do Interior alemão, Hans-Peter Friedrich, rejeitou categoricamente a eliminação dos vistos de entrada na Alemanha, durante visita à Turquia ocorrida há 10 dias, os turcos estão aguardando ansiosamente qualquer coisa que Merkel tenha a dizer sobre o assunto.
Mas existe outra questão que estará na mente das autoridades em Ancara, onde elas certamente perceberão que o debate sobre a dupla cidadania esquentou mais uma vez na Alemanha, país que abriga uma grande diáspora turca, de cerca de 3 milhões de pessoas. Em carta aberta endereçada a Erdogan e Merkel, a Comunidade Turca da Alemanha (TGD) pediu que as atuais barreiras à concessão da dupla nacionalidade fossem levantadas. Esse é um pedido que provavelmente será bem recebido pelo primeiro-ministro turco.
Tradutor: Cláudia Gonçalves
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