domingo, 28 de julho de 2013

A rosa de Sarom
É inútil querer que o papa questione o sagrado: há questões modernas que vão além de seus limites
José de Souza Martins - OESP
Ideia fixa. Um fiel espera a passagem do sumo pontífice na orla de Copacabana - Reuters
Reuters
Ideia fixa. Um fiel espera a passagem do sumo pontífice na orla de Copacabana
A visita do papa Francisco ao Brasil responde a muitas perguntas pendentes desde a morte de João Paulo II. Bento XVI foi um susto, mais do que uma surpresa. Francisco foi uma surpresa, mais do que um susto. Desde o último papa monarca, Pio XII, pende sobre a Igreja Católica e sobre os católicos o dilema da oscilação entre a cruz e o trono. Se João XXIII foi a vitória da cruz sobre o trono, Francisco é a confirmação dessa lenta manifestação do Espírito.
Francisco desconstrói para propor a superação dos impasses e a renovação da Igreja sobre os alicerces de seus valores mais caros. Inova, quando explicita um horizonte para a Igreja, a família na sua comunidade de referência, que é o bairro. Não o eclesial, mas o social. Não a Igreja refúgio, mas a Igreja missionária. Em pelo menos duas ocasiões Francisco se referiu ao bairro: na prefeitura do Rio, quando significativamente abençoou o bairro em que o Palácio se situa; e em Copacabana, em que disse que gostaria de estar nos muitos bairros que compõem o Brasil. Francisco é um homem de bairro, onde nasceu, cresceu, fez o curso profissional, trabalhou e encontrou sua vocação sacerdotal. É um homem do subúrbio, o primeiro papa suburbano da história. É nesse horizonte que ele vê o mundo.
É desse ângulo que se pode ver melhor o lugar pastoral de sua presença entre os jovens. Ele acerta ao optar por compartilhar em vez de admoestar, ao abraçar em vez de ralhar. Francisco profético parece situar-se no retorno da figura do pai ao mundo dos jovens, o pai ausente na falsa presença de uma liberalidade que ilude, mas não ampara nem protege. Traz simbolicamente de volta o pai companheiro, da disponibilidade, do afago, do beijo e do abraço.
Certamente, não é fácil ser papa e ser jovem no mundo atual. Em boa parte por isso, ambos, provavelmente, se entenderão. Não à toa o papa Francisco insistentemente pede aos jovens: “Rezem por mim”. Ou justifica sua residência na Casa Santa Marta e não no Palácio Apostólico. Neste, “o papa tem muitos patrões”, disse há algumas semanas. Coincidem o papa e os jovens, no horror de um e outros aos tutores da consciência e da liberdade alheia.
É compreensível a tentação de pensar o papel deste papa na perspectiva daquilo que ele não é nem poderá ser sem negar seu carisma e sua missão. É inútil pensar um papa de esquerda, como é inútil querer um papa de direita. Em seu discurso na Favela de Manguinhos, o papa lembrou-se reiteradamente dos pobres porque é neles que a caridade e a compaixão ganham sentido. É neles, nos que não têm, que o ter se torna um desafio neste mundo de contradições e injustiças. A crítica à ambição e ao poder, o apoio às manifestações dos jovens no repúdio à corrupção e às injustiças expõem um papa irmão do inconformismo dos jovens.
Francisco alargou o conceito de pobre, livrando-o da estreita concepção econômica. Essa é uma pobreza derivada, pois, para ele, pobre é quem carece de amor e das muitas e significativas concepções que tem o amor quando se realiza numa práxis de renascimento, a que redime quem dá e quem recebe. Ele desloca o eixo da teologia da pobreza, livra-a da pobreza ideológica do materialismo e da miséria maniqueísta da ideologia do confronto. Ele retorna à riqueza da dialética da superação.
Obviamente, há graves problemas da modernidade que preocupam, sobretudo, os jovens: celibato, sexualidade, casamento, divórcio, controle de natalidade, gravidez, aborto, alguns dos itens do elenco problemático de temas geralmente invocados por leigos para questionar a legitimidade do magistério da Igreja. São temas muito além dos limites de um papa. As instituições religiosas são, compreensivelmente, as mais resistentes à mudança. No mundo da razão e da modernidade, fica cada vez mais evidente que religião é mais do que uma herança, é uma opção, mesmo para quem tenha nascido católico.
Além do que, o centro do magistério do papa e da Igreja é o sagrado. É inútil pretender que Francisco questione o sagrado. No mundo inteiro, e aqui também, há um intenso e significativo movimento de retorno ao sagrado, especialmente entre os jovens. Não se trata de mera questão de filiação religiosa. A compreensão aguda que desse fato tem Francisco surgiu espontaneamente no mais belo e significativo acontecimento desta sua visita ao Brasil. Na Favela de Manguinhos, quando caminhava pelas ruas estreitas, viu uma igreja pentecostal de porta aberta, a Assembleia de Deus Rosa de Sarom (“Eu sou a rosa de Sarom, o lírio dos vales”, na poética declaração de amor do Cântico dos Cânticos). O pastor, dada a grande movimentação de peregrinos que foram ver o papa, ecumenicamente abriu a porta de sua igreja para que pudessem usar os banheiros ou tomar um copo d’água. O papa se dirigiu a ele e juntos rezaram o Pai Nosso. “Ele rezou por mim e eu orei por ele”, disse o pastor depois.

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