quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Continua devagar
CELSO MING - O Estado de S.Paulo
A economia tem dessas complexidades. Notícia potencialmente boa pode encerrar certas ambiguidades que o bom pode ter um lado inescapavelmente ruim. O contrário também pode ser verdadeiro.
A divulgação do razoável crescimento do PIB da maior economia do mundo é exemplo disso. Ontem, o Departamento do Comércio dos Estados Unidos anunciou um avanço do PIB em bases anualizadas de 1,7%, bem maior do que esperavam os analistas (coisa aí de 1%).
Mas, para início de avaliação, trata-se de um crescimento não tão bom assim, porque os cálculos tiveram de reduzir de 1,8% para 1,1% o aumento do PIB do trimestre anterior. Isso significa que o piso de cálculo para as contas nacionais ficou rebaixado e o tanto que aparece a mais depois foi tirado do que veio antes.
Em todo o caso, reforça-se a percepção de que a atividade econômica nos Estados Unidos está mais forte agora do que estava no início do ano, situação que, espera-se, tende a continuar. Além disso, o bom avanço do consumo, o ritmo dos investimentos e, sobretudo, a excelente recuperação do mercado imobiliário ajudam a apostar na melhora.
Mas a ambiguidade acima mencionada tem a ver com outro problema. A partir do momento em que se confirmasse uma sólida recuperação dos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed, o banco central) teria de começar a desmontar a enorme operação de incentivos monetários (emissão de moeda para compra de títulos) que há alguns anos deixou os mercados inundados de dinheiro.
Como já comentado aqui outras vezes, a operação de desmonte é temida porque tende a provocar revoada de dólares de volta para os Estados Unidos. O risco é de que os títulos (e ações) dos demais países, especialmente dos emergentes, fiquem órfãos nos mercados. Essa foi a razão pela qual o anúncio do novo PIB ontem provocou forte repique nas cotações do dólar no Brasil, o que levou o Banco Central a fazer três leilões de moeda estrangeira para entrega futura.
Ainda ontem, foi dia de Fomc (o Copom dos Estados Unidos), ocasião em que o Fed, presidido por Ben Bernanke, poderia dar melhores indicações do que pretende fazer, supostamente, a partir de setembro. Mas o comunicado, mais uma vez, não deu indicações claras de quando a operação começará nem em que proporção. Ao contrário, o reconhecimento de que o crescimento da economia havia sido modesto no primeiro trimestre sugeriu que o tal desmonte monetário pode não estar tão perto.
Uma das razões para essas reservas é de que o Fed olha mais para a situação do mercado de trabalho do que para os indicadores da atividade econômica. Sobre isso, lamentou o nível de desemprego (de 7,6%) ainda elevado.
Também não há sinal de que o enorme despejo de dólares, de cerca de US$ 3,4 trilhões até agora, esteja provocando inflação. Ao contrário, o Fed menciona os riscos de que se mantenha persistentemente abaixo da meta. É um fator que poderia conter o início da reversão da expansão de moeda.
E, outra vez, as tais ambiguidades. Imaginemos que os Estados Unidos voltassem a encalhar na paradeira. Nesse caso, o desmonte previsto pelo Fed seria adiado por tempo indeterminado, mas, em contrapartida, o mercado global afundaria ainda mais na recessão.

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